Publicado em 31 de janeiro de 2025 às 05:44
Nada na manhã fria da segunda-feira (27/1) parecia fora do lugar para o brasileiro Lucas Santos Amaral. >
O pintor vive nos Estados Unidos há sete anos e, naquele dia, se despediu cedo da mulher, Suyanne, e da filha de 3 anos do casal e saiu para o trabalho. >
"Cinco minutos depois que ele saiu, eu recebi a ligação. Só deu tempo de Lucas me dizer: 'a imigração me pegou, vem buscar o carro'", lembra Suyanne Amaral, grávida de 3 meses do segundo filho do casal.>
O carro de Lucas, de 29 anos, foi parado aleatoriamente em uma blitz policial, segundo Suyanne, na cidade de Marlborough, em Massachusetts, em uma região conhecida pela grande concentração de brasileiros. >
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Naquele momento, Lucas foi também interpelado por agentes do ICE, o Serviço de Imigração e Controle de Aduanas dos Estados Unidos, que intensificaram batidas e operações em busca de migrantes sem documentos desde a chegada ao poder de Donald Trump, em 20 de janeiro.>
O republicano se elegeu prometendo combater a migração ilegal no país, que ele disse que vinha "envenenando o sangue" dos Estados Unidos, além de tomar vagas de emprego de americanos e pressionar serviços públicos. >
"O agente se aproximou perguntando se Lucas era uma terceira pessoa que eles buscavam", disse à BBC News Brasil a advogada Eloa Celedon, que representa o brasileiro.>
"Ele se assustou e acabou dando informações sobre si mesmo, momento em que os agentes viram que ele estava irregular com o visto. E aí levaram. Era a pessoa errada, no lugar errado, na hora errada." >
O caso de Lucas é o que tem sido chamado pelas autoridades e a imprensa dos Estados Unidos de "dano colateral". >
Nascido no Rio de Janeiro, ele entrou no país em 2017 com um visto de turismo, que permitia a ele ficar por até seis meses. Mas Lucas nunca mais foi embora. Portanto, vive em situação irregular nos Estados Unidos. >
Com isso, ele se tornou alvo potencial das políticas de deportação em massa que Trump prometeu levar a cabo. >
Para boa parte dos entusiastas de Trump, no entanto, as operações de captura estariam focadas em buscar "criminosos" perigosos e pessoas com ordens de deportação final, o que colocaria a salvo a massa de milhões de imigrantes que vivem no país cujo único malfeito teria sido a entrada ou permanência desautorizadas no país.>
Mas, ao fazer operações de busca, o ICE tem repetido que, entre os presos, "haverá dano colateral", ou seja, detidos sem passagem na polícia ou ordem de deportação.>
"Ele não tem nenhuma ficha criminal, nenhuma condenação aqui ou no Brasil. Então, a ficha dele é limpa. A única transgressão é estar aqui de forma irregular", disse a advogada Eloa Celedon.>
Trump, porém, jamais garantiu salvo conduto a esse grupo. E, recentemente, a Casa Branca, por meio de sua porta-voz, afirmou que quem entra ilegalmente nos Estados Unidos já pode ser considerado um "criminoso". >
Suyanne conta que, quando recebeu a ligação de Lucas, chegou a conversar com um agente do ICE e pediu para que eles a esperassem por 20 minutos, tempo para conseguir acordar a filha pequena do casal e chegar até o local da blitz. Mas os policiais não esperaram. >
Lucas foi encaminhado a uma penitenciária de Massachusetts em que, além de imigrantes, há criminosos condenados por crimes diversos.>
A BBC News Brasil entrou em contato com o ICE para pedir mais informações sobre as acusações contra Lucas, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. >
A família Amaral, conta Suyanne , vivia tranquilamente nos Estados Unidos. >
O casal é conhecido no mundo evangélico dos arredores de Boston. Ela canta, e ele toca músicas gospel na igreja.>
"A nossa vida é casa, trabalho e igreja. Eu sou cantora, ele também canta e toca comigo. Então, a gente vai para as igrejas ministrar. Essa é nossa vida.">
Em uma ligação, Eloa Celodon ouviu de Lucas que os policiais que o pararam estariam buscando outro imigrante, possivelmente com histórico criminal. >
"Mas os agentes estão com a agenda de prender o máximo de pessoas, independentemente se está com um processo pendente, um processo de asilo", relata a advogada.>
"Infelizmente, a agenda é deportar o máximo de pessoas.">
Ao menos nos últimos cinco anos, batidas de agentes de migração comuns em governos passados, praticamente deixaram de existir. >
Ainda mais nos chamados estados-santuário, aqueles que não colaboram com autoridades migratórias na busca por pessoas irregulares e garante mais direitos aos migrantes, como é o caso de Massachusetts. >
É uma surpresa para muitas pessoas que esse tipo de operação, fruto da nova política migratória de Trump, agora esteja acontecendo, inclusive em santuários.>
Suyanne conta que muitos brasileiros ainda acreditam que o governo Trump está buscando apenas os imigrantes tidos como "criminosos", algo que o caso de seu marido põe em xeque.>
"Estava todo mundo com o mesmo pensamento: pega criminosos, gente que deve à Justiça, vai para deportação e é isso. Mas não. Quem passou na peneira, está ilegal, vai embora", diz Suyanne.>
"Para quem não está acreditando, eu digo que, quando vocês ouvirem falar que está pegando, é porque eles estão pegando, não duvide, está assustador.">
Apesar de Lucas não ser "prioridade", ele não deixa de ser um alvo, assim como tantos outros brasileiros em situação semelhante. >
Segundo a advogada Eloa Celaron, ela hoje atende ao menos mais um brasileiro na mesma situação. >
A comunidade brasileira nos Estados Unidos é composta de 1,9 milhão de pessoas, segundo o Itamaraty. >
Nas estimativas mais recentes do Instituto Pew Research, ao menos 230 mil brasileiros vivem sem autorização no país. >
Destes, quase 39 mil têm ordem de deportação final, segundo estimativa de 2024 do ICE. >
Entre os brasileiros sem documentos ouvidos pela BBC News Brasil recentemente, há dois grupos: aqueles que tentam não embarcar no pânico e os que vivem tensos e com medo, a ponto de limitar as visitas às igrejas, supermercados brasileiros e festas da comunidade. >
"Pode acontecer a qualquer momento. Essa agenda de prender pode ser qualquer pessoa, pode ser na padaria, na rua", completa a advogada Eloa Celaron. >
"O triste é que estão atrás de pessoas que não precisam passar por isso, que estão seguindo as regras direitinho.">
Segundo ela, Lucas estava esperando um momento mais "favorável" para tentar legalizar sua situação. Ele temia a separação da família, caso algo saísse errado em seu processo de regularização. >
A família de Lucas é um exemplo dos múltiplos problemas e políticas de imigração que os Estados Unidos atravessaram nas últimas décadas. >
Suyanne chegou ao país há 20 anos, ainda criança, trazida pelos pais, também imigrantes sem documentos. >
Ela é parte do que se convencionou chamar de dreamers, ou sonhadores, em português, e tem autorização de ficar no país pelo chamado Daca (Ação Diferida para Chegadas na Infância).>
A política de imigração permite que certos imigrantes sem documentos trabalhem e permaneçam no país, sem risco de deportação. >
Por outro lado, Suyanne não tem direitos de cidadania comuns aos demais americanos, como o voto ou a extensão da cidadania ao cônjuge. >
Ainda em seu primeiro mandato, Trump tentou acabar com o programa e reverter esse status, mas não conseguiu. Ele, porém, limitou seu alcance.>
A primeira filha de Suyanne e Lucas, nascida nos Estados Unidos, tem dupla cidadania, brasileira e americana. Já o bebê que Suyanne espera pode não contar com os mesmos direitos. >
Uma ordem executiva assinada por Trump no dia da posse retira o direito à cidadania para bebês nascidos a partir do fim de fevereiro de pais e mães que não sejam cidadãos ou residentes permanentes no país. >
A ordem foi temporariamente suspensa, e uma batalha judicial de meses é aguardada na Justiça para saber se a interpretação constitucional de Trump será adotada ou rechaçada.>
Lucas foi enviado a um centro de detenção em Plymouth, a cerca de uma hora e meia de sua casa. >
A advogada da família reuniu ao menos 14 cartas de recomendação da comunidade brasileira e documentos que comprovam, segundo ela, que Lucas vivia uma vida dentro da lei nos Estados Unidos e pediu ao ICE a soltura mediante pagamento de fiança de US$ 1,5 mil (R$ 8,8 mil).>
A expectativa é de que, em até duas semanas, a família tenha uma resposta.>
Caso não tenha, a advogada levará o caso a uma corte judicial, onde um juiz estabelecerá se o brasileiro pode ser solto ou não, com o uso de uma tornozeleira eletrônica enquanto anda o processo.>
"Normalmente, são dois critérios: perigo e risco de fuga", diz a advogada Eloa Celedon. >
"Lucas tem mais fatores positivos do que negativos. Entrou com visto, é casado com uma pessoa com Daca, paga imposto, é trabalhador. A única questão é que ele está há sete anos sem os documentos.">
Segundo ela, o pintor brasileiro não está em risco de ser colocado em um avião e retirado do país em questão de horas ou dias. >
Sua situação garante a ele ao menos três audiências perante um juiz. Isso não é verdade para pessoas que já tenham tido decisões judiciais contrárias à sua permanência no país. >
"Acontece, sim, de a pessoa ser pega e embarcada em poucas horas, quando já não há mais espaço para recursos", diz Celedon.>
É nessa esperança de que seu marido não seja deportado de modo relâmpago e que o resultado lhe seja positivo que Suyanne se apega agora. >
"Eu sou cristã, eu vejo que Deus tá fazendo alguma coisa. Mas tenho que manter meu pé no chão mais que nunca, tenho uma filha e estou grávida", completa Suyanne. >
"Se ele tiver que voltar ao Brasil, a gente vai atrás dele, a gente não vai ficar separado.">
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