Publicado em 20 de julho de 2022 às 08:42
O Museu de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha, será obrigado a devolver ao Brasil o fóssil do dinossauro Ubirajara jubatus, retirado ilegalmente do país por pesquisadores estrangeiros.>
A decisão foi do Conselho de Ministros da região de Baden-Württemberg, que acatou, na manhã desta terça-feira (19), um pedido feito pela ministra da Ciência, Theresia Bauer. De acordo com uma avaliação do ministério, existem dúvidas sérias sobre a legalidade da aquisição do fóssil e de sua importação pela Alemanha.>
Haverá ainda uma investigação sobre outros exemplares brasileiros em posse do museu. A expectativa é de que eles também possam ser repatriados.>
Segundo reportagem do jornal alemão Badische Neueste Nachrichten, o ministério da ciência alemão se irritou com a "má-conduta científica inaceitável do museu", que gerou danos reputacionais sérios à instituição e ao país. Nos últimos 18 meses, desde que a espécie foi apresentada em um artigo científico pela primeira vez, a imagem exótica do Ubirajara jubatus, com penas abundantes e quatro hastes "penduradas" nos ombros, tornou-se o símbolo da luta contra o tráfico internacional de fósseis.>
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A comunidade científica brasileira se mobilizou de forma inédita por meio da campanha virtual #UbirajaraBelongstoBR (Ubirajara pertence ao Brasil) para denunciar as diversas irregularidades envolvendo a saída do fóssil do território brasileiro.>
Uma das idealizadoras e principais vozes do movimento, Aline Ghilardi, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, considera que o anúncio é uma vitória para a ciência dos países em desenvolvimento. "Nós mandamos uma mensagem muito poderosa, que está ecoando mesmo em outras regiões do mundo", afirma.>
"A gente gritou para o mundo e disse que é possível fazer uma ciência diferente, descentralizada, baseada em princípios éticos. As colaborações [com estrangeiros] são muito bem-vindas, mas desde que os benefícios sejam simétricos, em que todas as partes recebam os benefícios", completa.>
Assinado por três pesquisadores estrangeiros, o artigo científico que descreveu o Ubirajara jubatus desrespeitava diversos pontos da legislação do Brasil, que estabelece, desde 1942, que os fósseis são patrimônio nacional. Eles têm venda proibida e, para que saiam do país, é necessária uma autorização formal.>
Embora tenham afirmado inicialmente que o fóssil saiu do Brasil com a devida autorização em 1995, os autores do trabalho não conseguiram apresentar a documentação adequada. Ao longo do imbróglio, apresentaram outras justificativas conflitantes que acabaram por não se sustentar.>
Turbinado pela pressão nas redes sociais, o caso gerou grande atenção na comunidade acadêmica e na imprensa internacional. Diante do risco de danos reputacionais, universidades, museus e revistas científicas passaram a revisar algumas de suas condutas, exigindo maior rigor com a comprovação de origem dos materiais.>
O próprio Museu de História Natural de Karlsruhe acabou também forçado a mudar de posicionamento, afirmando agora que leva muito a sério a questão da origem das peças de seu acervo. Inicialmente, no entanto, a instituição se recusou a devolver o fóssil ao Brasil, dizendo que o material era propriedade do Estado alemão.>
Diretor do museu até janeiro, quando se aposentou, o paleontólogo Eberhard "Dino" Frey é um dos autores do artigo do Ubirajara jubatus. Seu sucessor, que já anunciou que está de saída do cargo, Norbert Lenz, também assinou o trabalho.>
As autoridades alemãs ainda não disseram quando o material será enviado de volta ao Brasil e nem em que circunstâncias isso irá acontecer. O destino do dinossauro, dentro do território brasileiro, também não foi definido. Ainda que as negociações tenham sido feitas com a participação do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri (CE), região onde o dinossauro viveu há cerca de 110 milhões de anos, reportagens na imprensa alemã afirmam que o fóssil pode ser encaminhado ao Museu Nacional, no Rio de Janeiro.>
A mudança acendeu um novo debate entre os paleontólogos, que destacam que instituições da região Sudeste acabam concentrando muitos dos exemplares mais valiosos, ainda que eles sejam oriundos do Nordeste brasileiro.>
Diretor do museu do Cariri, Allyson Pinheiro descartou a existência de uma disputa e ressaltou o longo histórico de colaborações entre as duas instituições. O paleontólogo destacou, porém, o grande potencial transformador que a ciência tem para a região do Crato. "Os holótipos [exemplares de referência] são a parte mais importante de um museu. Além do significado científico, eles têm um enorme potencial de atrair turismo, de fazer girar a economia. Com um dinossauro tão especial, como é o caso desse, que representou toda uma causa, isso é ainda maior", afirma.>
Apesar do entusiasmo, Pinheiro ainda é cauteloso nas comemorações. "Estou muito feliz, mas o jogo só acaba quando termina, quando o fóssil estiver no Brasil. Nossa experiência com repatriações é de que este é um processo lento e burocrático, mesmo quando feito de forma consensual.">
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