Publicado em 25 de novembro de 2023 às 14:26
Para algumas mulheres muçulmanas, pode ser difícil tomar a decisão de deixar de usar o hijab, o véu islâmico.>
Afinal, elas podem precisar enfrentar a reação negativa das suas famílias ou ser segregadas pela sua comunidade. E alguns países criaram leis para pressioná-las ainda mais.>
O parlamento iraniano aprovou recentemente um controverso projeto de lei para aumentar significativamente as penas de prisão e multas impostas às mulheres e meninas que desrespeitarem o rigoroso código de vestimenta do país.>
Para se tornar lei, o projeto ainda precisa ser aprovado pelo Conselho Guardião, que fiscaliza o cumprimento da Constituição iraniana.>
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O projeto de lei foi criado depois de amplos protestos das mulheres iranianas, que foram às ruas e retiraram seus hijabs.>
O motivo dos protestos foi a morte de Mahsa Amini, mantida em custódia pela "polícia da moralidade" do Irã, em setembro do ano passado. Ela havia sido presa por supostamente usar o seu hijab incorretamente.>
Existem cerca de um bilhão de mulheres muçulmanas em todo o mundo. Para muitas delas, usar ou não o hijab é uma decisão individual.>
Mas as mulheres que desejarem retirar seus véus podem levar anos para superar a pressão e tomar a decisão.>
"Meu sonho era ter um dia por semana em que apenas nós, mulheres, pudéssemos ir para as ruas, vestindo o que bem entendêssemos", afirma Ribell (nome fictício).>
Quando Ribell tinha nove anos de idade, sua família morava em uma cidade fora da capital iraniana, Teerã. Eles fizeram com que ela começasse a usar o chador – um dos tipos de hijab mais conservadores.>
O chador é um manto de corpo inteiro, frequentemente acompanhado por um lenço menor por baixo.>
Os pais de Ribell começaram a prepará-la para usar as vestimentas cobrindo seu corpo quando ela tinha seis anos de idade.>
"Eles viviam me dizendo que eu teria que usar o hijab, que é minha obrigação para Deus e, se eu me recusasse, seria eternamente punida depois da minha morte", contou ela à BBC. "Sem falar que eu colocaria meus pais em descrédito e os desagradaria.">
Ela conta que, quando era criança, sonhava em usar shorts e camiseta.>
Ribell agora tem 23 anos de idade. Ela saiu de Teerã para pedir asilo na Turquia, onde trabalha como tatuadora. Ribell se lembra de como ficou apavorada com o que seus pais haviam lhe dito.>
"Vivi com essa constante sensação de culpa", ela conta. "Eu não sabia de onde vinha, mas ela estava ali.">
Ela costumava invejar outras meninas que encontrava na comunidade usando hijabs menos conservadores.>
No Irã, o uso do hijab em espaços públicos é obrigatório para as mulheres e as meninas com pelo menos nove anos de idade. Mas muitas mulheres preferem não cobrir a cabeça em casa e nas reuniões privadas.>
A família de Ribell era muito religiosa e conservadora.>
"Minha mãe me dizia para não mostrar meus braços e pernas descobertas, mesmo na frente dos meus irmãos adolescentes, porque poderia fazer com que eles pecassem", ela conta.>
Quando Ribell tinha 17 anos, seus pais a matricularam em um seminário islâmico para mulheres. "Era aquilo ou me casar", segundo ela.>
Ela conta que odiava o seminário e percebeu que o currículo era preconceituoso contra as mulheres. A instituição destruiu sua crença no hijab.>
No dia em que decidiu sair do seminário, Ribell vestiu um casaco que terminava pouco acima do joelho e um lenço solto na cabeça, deixando à mostra mechas do seu brilhante cabelo ruivo recém-tingido.>
A diretora do seminário ligou para seus pais e disse a eles que não a deixassem andar nas ruas parecendo "uma prostituta", segundo Ribell.>
Ela conta que sua avó ligou para sua casa, desejando que "meus pais quebrassem minhas pernas para que eu não pudesse sair de casa".>
Ribell relembra também que sua mãe desejava que "Deus levasse a minha vida para que nossa família não precisasse sofrer tanto".>
Os abusos continuaram e Ribell tentou tirar a própria vida. Ela acordou no hospital depois da tentativa frustrada, com seu pai em pé sobre a cama, gritando para ela.>
Ela acabou decidindo que sua única opção seria sair do Irã e ir para a Turquia, onde o hijab não é obrigatório. Agora, ela pode viver abertamente sem o véu. E Ribell não tem mais contato com sua família.>
A história de Ribell pode ter atingido um ponto extremo, mas não é um caso isolado.>
A escritora e ativista egípcio-americana Mona Eltahawy teve dificuldades para deixar de usar o hijab, mesmo vindo de uma família menos rigorosa que a de Ribell.>
Ela conta que usou o hijab por nove anos depois de se mudar para a Arábia Saudita, com 15 anos de idade – e passou "oito destes anos tentando tirar o véu".>
Um dos motivos da dificuldade era porque sua família se opunha a que ela deixasse de usar o hijab.>
"Quando finalmente tive coragem, saí de casa [no Egito] com o hijab cobrindo metade da cabeça. Eu simplesmente não conseguia tirá-lo por completo", conta Eltahawy, rindo.>
Por muito tempo, ela se sentiu desconfortável para sair sem o véu. "Levei vários anos para conseguir dizer às pessoas que eu costumava usar o hijab porque tinha muita vergonha de tê-lo tirado", ela conta.>
Eltahawy escreveu um livro sobre os direitos das mulheres sobre seus corpos, chamado Headscarves and Hymens ("Lenços de cabeça e hímens", em tradução livre).>
Ela vem acompanhando atentamente os protestos no Irã, onde mulheres foram vistas tirando seus hijabs para queimá-los ou agitá-los no ar, gritando "mulher, vida, liberdade".>
Para Eltahawy, o que está acontecendo no Irã é mais do que apenas um apelo por mudanças políticas.>
"É verdade que o Estado oprime tanto homens quanto mulheres", afirma ela. "Mas a rua, o Estado e a casa, todos juntos, oprimem as mulheres e as pessoas queer – e a luta das mulheres iranianas contra o uso obrigatório do hijab é uma luta contra todos os três.">
A BBC conversou com diversas mulheres no Irã, de famílias religiosas e conservadoras. Elas contam que, depois dos recentes protestos, suas famílias começaram a apoiar sua decisão de abandonar o uso do hijab.>
Uma mulher muçulmana que encontrou inspiração nos protestos iranianos é a jornalista Bella Hassan, do Serviço Mundial da BBC. Ela nasceu e foi criada na capital da Somália, Mogadíscio, e usou o hijab pela maior parte da vida.>
Em 2022, morando há um ano em Londres, ela decidiu retirar o véu durante o pico dos protestos no Irã.>
"Tenho muitas amigas iranianas e elas me mantinham atualizada sobre as mulheres que defenderam seu direito de viver como quisessem", conta Hassan. "Aquilo realmente me inspirou.">
"Eu pensei: não estou mais em Mogadíscio, estou em Londres. Tenho a liberdade de fazer o que quiser", prossegue ela.>
A família de Hassan na Somália não ficou feliz, mas respeitou sua decisão de abandonar o hijab.>
Por ser jornalista da BBC, Bella Hassan é conhecida na Somália. Sua decisão de deixar de usar o hijab causou reação negativa no país e ela se pergunta se deveria ter esperado mais tempo.>
"Não me sinto mais aceita na minha própria comunidade e acredito que não tenho mais segurança", ela conta. "Depois que tirei meu hijab, comecei a receber ameaças de morte e estupro dos homens. Eles me criticaram, xingaram... homens que eu não conhecia.">
Hassan prossegue: "não existe punição específica para as mulheres que não usarem o hijab. O Alcorão diz que Deus irá cuidar delas, mas os homens muçulmanos do meu país decidiram cuidar de mim, no lugar de Deus.">
Bella Hassan afirma que o hijab tem raízes muito profundas na Somália e que muitas mulheres que não querem usar o véu simplesmente nunca conseguirão retirá-lo.>
"Espero que, um dia, as mulheres do meu país tenham a coragem e a disposição de fazer o que quiserem, sem ouvir apenas o que os outros querem, especialmente os homens", conclui a jornalista.>
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