Publicado em 24 de fevereiro de 2025 às 06:44
As eleições parlamentares deste domingo (23/2) apenas confirmaram o cenário que já se desenhava nos últimos anos: a direita radical está cada vez mais forte e tem cada vez mais apoio da população na Alemanha. >
O controverso Alternative für Deutschland (AfD, ou Alternativa para a Alemanha), ficou em segundo lugar nas urnas, com 20,6% dos votos. O conservador União Democrata-Cristã (CDU) foi o vencedor, com 28,6% dos votos.>
O partido foi alçado principalmente por seu forte discurso anti-imigração. Para os eleitores do AfD esse é o tema mais importante, com foco no aumento de refugiados e pedidos de asilo nas últimas décadas. >
Durante a campanha, a líder da legenda, Alice Weidel, chegou a apoiar oficialmente um projeto de "remigração", ou o "retorno" em massa de imigrantes e seus descendentes para seus países de origem.>
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O termo ganhou destaque pela primeira vez no cenário político alemão no início de 2024, quando a notícia de que políticos do AfD haviam participado de um encontro com neonazistas para discutir a deportação em massa de milhões de imigrantes e "cidadãos não assimilados" — independente de situação legal ou de possuírem cidadania alemã — escandalizou o país.>
O episódio provocou uma onda de protestos nacionais e levou o AfD a se distanciar da ideia de "remigração" — uma postura posteriormente abandonada ao longo da campanha. >
A possibilidade de um endurecimento das políticas migratórias — e o sentimento cada vez mais hostil em relação aos imigrantes — assusta brasileiros que moram na Alemanha. >
Gabriela Badain, estudante de 27 anos que mora há dois anos em Leipzig, no leste da Alemanha, diz se sentir impotente diante do avanço da direita radical.>
"Eu, assim como muitos outros imigrantes, estamos muito preocupados", diz a mestranda que estuda Alemão como Língua Estrangeira. "Sei o quanto o resultado dessa eleição pode influenciar meu futuro, mas não tive o que fazer além de tentar conversar com os eleitores alemães à minha volta, porque não posso votar.">
No país, apenas pessoas com cidadania alemã possuem direito ao voto em eleições nacionais. >
"Me sinto excluída totalmente do lugar onde vivo", lamenta a brasileira natural de São Paulo. >
O estado da Saxônia, onde a cidade em que Gabriela mora está localizada, se tornou um dos principais polos de crescimento do AfD nos últimos anos. >
Desde setembro do ano passado, o partido tem a segunda maior bancada no Parlamento local, com apenas um assento a menos do que a União Democrata-Cristã (CDU). >
A região leste da Alemanha, aliás, vem sendo considerada um bastião da direita radical. >
Também no ano passado, o AfD comemorou um "sucesso histórico" após conquistar quase um terço dos votos nas eleições locais do Estado de Turíngia. Foi a primeira vitória da direita radical em uma eleição para parlamento estadual na Alemanha desde a Segunda Guerra Mundial.>
Gabriela afirma nunca ter experimentado ataques xenofóbicos direcionados diretamente contra ela, mas lamenta o aumento dos casos em todo o país — segundo dados compilados pela Statista em 2024, 13,3% da população acredita que o país está em risco por causa dos estrangeiros.>
"Sou uma pessoa branca e muitas vezes só percebem que sou imigrante quando ouvem meu sotaque, mas já vivenciei situações muito tristes ao lado de colegas ou do meu namorado, que é libanês.">
A estudante relata um episódio específico em que, durante um encontro em um restaurante com o namorado e outros amigos de origem libanesa, um jovem alemão se aproximou da mesa onde estavam sentados e estendeu o braço em um movimento que pode ser comparado a uma saudação nazista.>
"Fiquei horrorizada e quis denunciar para a polícia, mas meus amigos disseram que não era a primeira vez que isso acontecia com eles e que não daria em nada.">
A própria AfD já foi acusada de defender ideias neonazistas e integrantes do partido foram condenados por apologia à ideologia. >
No ano passado, o partido foi expulso da coligação Identidade e Democracia (ID), formada por partidos da direta radical do Parlamento Europeu, depois que um político da sigla afirmou que os membros da SS nazista "não eram todos criminosos".>
A SS era uma força paramilitar nazista e foi uma das organizações responsáveis pelo Holocausto.>
Episódios como esse fizeram com que todos os demais partidos, incluindo a CDU e o Partido Social Democrata (SPD), do primeiro-ministro Olaf Scholz, prometessem nunca colaborar com a AfD, isolando a ultradireita através de um chamado "cordão sanitário".>
Mas a tentativa de Friedrich Merz de aprovar no Parlamento alemão um projeto que pedia restrições à reunificação familiar e a rejeição de imigrantes nas fronteiras, em janeiro deste ano, causou polêmica em todo o país. Isso porque, para aprovar a moção e as linhas gerais do texto serem discutidas, o líder da CDU contou com apoio da AfD.>
O projeto de lei acabou não sendo aprovado, mas Merz incluiu em sua lista de prioridades num eventual governo a implementação da medida — algo que também assusta muitos imigrantes. >
"Ver CDU compartilhando ideias com a AfD preocupou muita gente. Quando vi as notícias sobre isso só consegui pensar 'nossa, agora ferrou'", conta Gabriela Badain.>
A estudante relata ainda uma inquietação entre colegas estrangeiros que vivem na Alemanha com visto de estudante. "Já estive em várias conversas em que a ideia de terminar o mestrado em outro país surgiu", diz.>
Ela mesma afirma estar preocupada com seu futuro. "Trabalho meio período como professora de alemão para crianças imigrantes e não sei o quanto essa intolerância crescente pode afetar meu trabalho ou a busca por outras vagas", afirma.>
Por tudo isso, Gabriela afirma que pretende deixar a Alemanha caso a sensação de insegurança e a hostilidade em relação aos imigrantes cresça ainda mais.>
"As pessoas imigrantes já passam por muitas dificuldades e desafios por não estarem no próprio país. Então se eu me sentir ameaçada, mesmo eu estando em um lugar de privilégio, me faria não querer continuar morando nesse país — e eu acho que muitas pessoas do meu círculo também se sentem assim.">
Luciano Luz, 38, trabalha como entregador de comida por aplicativo desde que se mudou para a cidade alemã de Mannheim há seis anos. O paranaense não nega já ter sido tratado de forma diferente em seu dia a dia apenas por ser imigrante. >
Ele relata ao menos dois episódios em que se sentiu desrespeitado durante o trabalho. Em uma dessas ocasiões, estava pedalando sua bicicleta quando um carro se aproximou e o passageiro arremessou um copo de água com gelo em suas costas. >
"Quase 100% dos entregadores de aplicativo na minha cidade são imigrantes e não havia outro motivo para fazerem isso", conta. "Foi a primeira vez que senti medo por conta dessa onda anti-imigração.">
Natural de Foz do Iguaçu, Luciano imigrou para a Alemanha para ficar mais perto da única filha, nascida de um relacionamento com uma mulher alemã que ele conheceu quando ainda morava no Brasil. >
Mas apesar de ter sido ele mesmo vítima de preconceito, compartilha que está cada vez mais cultivando um sentimento de apatia diante do crescimento da direita radical.>
"Evito carregar comigo o sentimento de medo ou raiva diante de tudo que está acontecendo, porque não tem o que eu possa fazer e pensar demais nisso só vai me adoecer", diz. >
"Sinto que as pessoas que votam na AfD sempre cultivaram algum tipo de sentimento anti-imigrante ou anti-LGBT, mas estão se sentindo mais encorajadas e saindo do armário agora. E elas vão continuar pensando assim, não tem jeito.">
"Minha única esperança é saber que elas não são a maioria da população e que muito possivelmente não vão conseguir eleger um primeiro-ministro agora ou no futuro", afirma. >
Luciano diz que as pessoas que o acolheram com respeito na Alemanha e que demonstram compaixão em relação aos imigrantes têm ajudado a construir esse pequeno sentimento de confiança em relação ao futuro, mas não de forma suficiente para que ele pense em ficar no país para sempre.>
O entregador tem planos de voltar a viver no Brasil com a filha em breve. "A verdade é que a extrema direita está crescendo em todo lugar, na Alemanha, nos Estados Unidos e até no Brasil", diz. "Mas sinto falta da minha família e do clima do Brasil, então prefiro voltar.">
"E acho que nunca me senti totalmente bem-vindo na Alemanha. Sempre notei um tratamento diferente em relação a mim, mesmo falando alemão e respeitando todos os costumes.">
Já Éder Souza, 40, afirma não ter planos de deixar a Alemanha, apesar de também notar um crescimento inegável do sentimento nacionalista e anti-imigrante ao seu redor. >
"Enxergo uma outra parte da Alemanha que bate de frente com essa onda de direita nacionalista e xenofóbica", diz o paulista natural de Mauá, região metropolitana de São Paulo. "É por isso que eu fico.">
Éder deixou o Brasil ao lado da esposa em 2018 após receber uma proposta para trabalhar como consultor na área de software. Atualmente vive em Bruchsal, uma cidade localizada perto da fronteira com a França. >
Mas antes mesmo da mudança, o especialista em tecnologia já se sentia preocupado pela forma como seria recebido na Alemanha. >
"Comecei a aprender alemão alguns anos antes de me mudar e naquela época já ouvia relatos sobre a AfD e as políticas anti-imigração", diz. "Confesso que isso me fez sentir bastante receio sobre como seria recebido.">
O brasileiro diz ouvir constantemente relatos de colegas imigrantes sobre casos de xenofobia. "Amigos negros foram xingados na rua mais de uma vez", lamenta. "Mas felizmente eu e minha esposa nunca passamos por nenhuma situação de xenofobia diretamente.">
Para Éder, uma das posições mais difíceis de entender é a de imigrantes ou cidadãos alemães com origem estrangeira que apoiam a AfD e outros partidos com políticas anti-imigração.>
"Isso me causa muito espanto", diz. "Mas vejo o quanto a extrema direita usa um discurso populista, com o apoio de figuras como o Elon Musk, para atrair as pessoas.">
O bilionário sul-africano apoiou o AfD ao participar por videoconferência de um comício da legenda no final de janeiro. >
"É bom ter orgulho de ser alemão. Lutem por um futuro brilhante para a Alemanha", disse Musk, reiterando seu apoio ao partido que encarna, segundo ele, "a melhor esperança para a Alemanha".>
Dono da SpaceX e da rede social X (antigo Twitter), o bilionário também apoiou Donald Trump em sua campanha pela presidência americana. Ele atualmente comanda o Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês) dos EUA.>
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