Publicado em 14 de outubro de 2024 às 19:00
Combater a desigualdade é importante, mas não é suficiente para o Brasil fortalecer sua democracia sob o novo governo, acredita o economista Daron Acemoglu, coautor do best-seller Por que as nações fracassam e que está prestes a lançar no país seu novo livro Poder e progresso. >
"Ao menos que Lula encontre uma forma de atrair uma parcela significativa da população que se desencantou com a democracia brasileira, não será um caminho fácil", diz Acemoglu, professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na sigla em inglês), em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, concedida em setembro de 2023. >
Nesta segunda-feira (14/10), o economista ganhou o Prêmio Nobel de Economia 2024 ao lado de Simon Johnson e James A. Robinson por suas pesquisas que analisam as disparidades de prosperidade entre as nações.>
Para Acemoglu, o presidente brasileiro precisa ir além dos programas sociais para vencer a polarização do país.>
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"É preciso criar melhores oportunidades de emprego para a classe média trabalhadora, para pessoas do setor agrícola", sugere o economista turco-americano, de etnia armênia.>
"O mesmo vale para os Estados Unidos – não acredito que você vá trazer de volta os eleitores de [Donald] Trump criando um programa de transferência de renda maior. Mas há uma chance maior de trazê-los de volta mostrando que um governo democrático cria empregos para eles, lhes dá melhores escolhas e lhes permite viver suas vidas da forma que eles quiserem.">
Em Por que as nações fracassam (de 2012, relançado no Brasil pela editora Intrínseca em 2022), Acemoglu e James A. Robinson analisaram os motivos que levam alguns países a enriquecer e outros a permanecer na pobreza. Em O Corredor Estreito (de 2019 e publicado pela Intrínseca em 2022), os mesmos autores avaliam por que alguns países conseguem conquistar a liberdade e a democracia, enquanto outros vivem em tiranias ou autocracias.>
Já no recém-lançado Poder e progresso (de 2023, lançado no Brasil pela Objetiva em abril deste ano), Acemoglu e o também economista e seu colega de Nobel Simon Johnson analisam como, ao longo da história, diferentes escolhas levaram o avanço tecnológico a servir ao interesse das elites ou a um crescimento inclusivo, garantindo também a melhora de vida dos trabalhadores. >
Para os economistas, é possível um futuro onde a inteligência artificial (IA) e as novas tecnologias digitais sejam usadas para empoderar os trabalhadores, e não para a vigilância e automação crescentes. Mas, para isso, é preciso fazer escolhas que levem as novas tecnologias nessa direção.>
À BBC News Brasil, Acemoglu falou sobre a recente expansão do Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e como ela representa, na visão dele, uma "oportunidade perdida" para os países emergentes assumirem uma voz independente nesse debate.>
Para o economista, países como o Brasil têm um duplo desafio: o de regulamentar as novas tecnologias para que elas não prejudiquem suas populações, sem prejudicar o avanço delas – num contexto em que as nações emergentes ainda estão atrasadas na curva tecnológica. >
Acemoglu diz ainda não acreditar na renda básica universal como uma solução para a ameaça que a inteligência artificial representa ao futuro do trabalho.>
"Não acho que estamos condenados a substituir o trabalho humano", afirma o economista.>
"Há um caminho alternativo e esse caminho é usar a inteligência artificial de maneira mais em favor do ser humano, em favor do trabalhador. Ao colocar tanta ênfase na renda básica universal, assumimos uma postura derrotista", defende.>
Confira abaixo os principais trechos da entrevista. >
BBC News Brasil – Em anos recentes o senhor esteve pessimista em relação ao Brasil, tendo dito que estávamos sob risco de destruir nossa democracia. O senhor acredita que esse risco passou?>
Daron Acemoglu – É claro que eu estou muito feliz que [Jair] Bolsonaro não foi reeleito. E estou cautelosamente otimista que agora há espaço para reconstruir a democracia brasileira. >
Mas sigo preocupado com o fato de que o Brasil ainda é um país muito polarizado. E que essa polarização pode atrapalhar o fortalecimento da democracia.>
Acho que eu nunca fui pessimista ao ponto de pensar que o Brasil estava "condenado" a destruir sua democracia. Mas talvez minhas falas refletissem o fato de que, dez anos atrás, eu acreditava que a democracia brasileira estava muito segura, apesar de todos os escândalos de corrupção e todos os problemas que estavam acontecendo. >
[Eu acreditava] que o Brasil nunca voltaria a uma ditadura militar. Mas, sob o governo Bolsonaro, houve momentos em que passei a temer. Quando o presidente de vocês começou a pedir intervenção militar e a dizer que ele sentia saudade do tempo em que os militares mandavam no país. E ele se manteve muito popular, quase 50% dos brasileiros o apoiavam.>
Então eu acredito que isso é a polarização.>
Veja, Lula ter sido eleito é ótimo. Mas, ao menos que ele encontre uma forma de atrair uma parcela significativa da população que se desencantou com a democracia brasileira, não será um caminho fácil. >
O mesmo acontece nos EUA. Eu gosto de muitas das políticas da gestão [Joe] Biden, mas não acredito que elas sejam suficientes para ganhar de volta as pessoas que votaram em Trump e que se tornaram muito desiludidas com o sistema americano.>
BBC News Brasil – Então o que deve ser feito para assegurar que não voltemos àquele caminho de sentirmos que a democracia está sob ameaça? O senhor acredita que endereçar a questão da desigualdade no Brasil é uma das formas de garantir isso? >
Acemoglu – [Combater a] desigualdade é uma forma de garantir isso. Mas não pode ser apenas através de programas sociais. Acredito que é preciso criar melhores oportunidades de emprego para a classe média trabalhadora, para pessoas do setor agrícola... >
O mesmo vale para os EUA – não acredito que você vá trazer de volta os eleitores de Trump criando um programa de transferência de renda maior. Mas há uma chance maior de trazê-los de volta mostrando que um governo democrático cria empregos para eles, lhes dá melhores escolhas e lhes permite viver suas vidas da forma que eles quiserem.>
Acredito que os EUA e o Brasil têm muito em comum: são muito heterogêneos, têm sociedades muito diversas. É preciso respeitar essa diversidade e tentar criar mais e mais oportunidades para que as pessoas tenham boas condições de vida, e bons resultados econômicos dentro dessa diversidade. >
E eu acho que tanto a história do Brasil, como a dos EUA, mostra que, se você tenta eliminar essa diversidade de um jeito ou de outro, isso sai pela culatra.>
BBC News Brasil – O senhor também disse recentemente que o Brasil provavelmente não vai conseguir um crescimento significativo baseado apenas na exportação de commodities para a China. E que o país precisará em algum momento encontrar um outro caminho. O que o senhor vê para o futuro do Brasil?>
Acemoglu – O Brasil aspirou nos anos 1950 e 1960 a ser uma potência industrial. O país tem uma grande parcela de sua mão de obra educada. Tem uma quantidade de setores em que investiu muito no passado. Então acredito que o país precisa encontrar formas de estimular o setor privado. >
E o governo não pode fazer isso. O governo pode dar incentivos e ser um facilitador. Mas, no fim das contas, o setor privado precisa liderar um crescimento que não seja baseado apenas na exportação de commodities. No momento, eu não vejo isso acontecendo o suficiente.>
BBC News Brasil – O senhor acredita que o boom de industrialização que estamos vendo no México e na Índia pode ser exemplo para o Brasil?>
Acemoglu – Exatamente, mas talvez através de outros setores. O México tem vantagens comparativas em algumas coisas, facilitadas pela proximidade com os EUA. A Índia está apostando em outro conjunto de setores. Então o Brasil precisa encontrar em quais setores tem capital humano, conhecimento especializado e que façam sentido diante da sua posição geopolítica.>
BBC News Brasil – E o momento político para isso é agora?>
Acemoglu – Certamente, porque essa é a forma de criar empregos melhores para as pessoas, considerando que algumas delas se tornaram muito desiludidas com o modelo de crescimento brasileiro. Acredito que isso é parte da razão pela qual elas apoiaram Bolsonaro.>
BBC News Brasil – Recentemente o senhor escreveu um artigo afirmando que a expansão do Brics anunciada em agosto é "a expansão errada do Brics". Por que o senhor pensa assim?>
Acemoglu – Fiquei muito surpreso e entristecido pela forma como essa expansão aconteceu, porque acredito que os países que foram adicionados estão em grande medida sob influência de Rússia e China. >
Então isso transforma o Brics em um eixo amplamente controlado pela China, quando eu penso que o que o mundo precisa é um agrupamento de economias emergentes que deveria ter um papel maior na diplomacia internacional, mas também ter voz em questões relacionadas ao comércio internacional, tecnologia, respostas globais na área de saúde. >
Então países como Brasil, Índia, Indonésia, Malásia, Turquia vão ter uma perspectiva que é muito diferente daquela da China – ou deveriam ter uma perspectiva muito diferente da China. >
Pense em todas as grandes questões que devem surgir nos próximos dez anos. >
Por exemplo: democracia. A China é a maior ameaça à democracia em nível global. É nisso que os países do Brics deverão trabalhar junto à China? >
Com relação à globalização, por exemplo, haverá grandes tensões entre EUA e China. E precisamos de uma voz do mundo emergente que seja neutra em relação a esses dois poderes hegemônicos. >
Isso não vai acontecer enquanto o grupo estiver sob influência de China e Rússia. >
Na tecnologia, serão necessárias grandes decisões sobre como a inteligência artificial deverá ser usada. E a China é a maior impulsionadora do uso da IA para vigilância, mas não é disso que o mundo em desenvolvimento precisa.>
BBC News Brasil – No seu artigo, o senhor reforça que as economias emergentes deveriam buscar influenciar o futuro da inteligência artificial e de outras tecnologias digitais. Por que isso é importante e por que o senhor avalia que isso não será possível sob a nova formação do Brics?>
Acemoglu – Porque a China tem interesses muito distintos em se tratando do uso da tecnologia.>
Por exemplo, algumas das grandes decisões sobre o futuro da inteligência artificial serão o quanto dela irá na direção de ferramentas autoritárias, censura, monitoramento, vigilância, reconhecimento facial versus ferramentas que vão de fato ajudar as pessoas comuns a se comunicarem e talvez até se engajarem em atividades dissidentes, incluindo organizações da sociedade civil, mídia de oposição, mídia crítica ao governo. A China está em uma das pontas dessa escolha.>
Outra grande escolha, que é muito relevante para Índia, Indonésia e Brasil, é como as tecnologias de IA serão usadas na produção. Elas serão mais pró-trabalhador ou mais contrárias ao trabalhador?>
Aí também a China tem claros incentivos, nesse caso, muito alinhados com o setor americano de tecnologia, de usar mais e mais [a inteligência artificial] para automação. >
Isso em parte porque a mão de obra chinesa está envelhecendo, mas também porque a China está muito preocupada com o descontentamento trabalhista. Então usar IA e outras tecnologias de automação é muito atrativo para as autoridades chinesas por esses motivos. >
Mas isso não é do interesse do Brasil, que tem uma imensa força de trabalho, que deveria ser uma de suas vantagens competitivas. Mas não será se a inteligência artificial e as tecnologias digitais forem direcionadas para mais automação.>
Acredito que o Brasil poderia ter tido um papel de liderança nisso. Penso que um grupo independente nas relações internacionais seria de grande valor e que foi uma oportunidade perdida. >
BBC News Brasil – Ainda no tema da China, como senhor vê a atual crise econômica por lá e isso pode, do seu ponto de vista, se tornar uma crise política maior e mudar de alguma forma a trajetória autoritária daquele país?>
Acemoglu – Acredito que estamos apenas no começo desse processo. >
Não espero que isso se transforme numa crise política no futuro próximo. Precisamente pela forma como a censura [chinesa] usa ferramentas de IA e como outras tecnologias repressivas têm sido utilizadas ao longo da última década na China, acredito que o espaço para protestos é limitado.>
Então, se você comparar a sociedade civil chinesa hoje com aquela que prevalecia nos anos 2010, há uma grande diferença. Há muito menos liberdade, muito menos organização.>
[Naquele momento] havia pessoas defendendo os diretos dos trabalhadores rurais, de proprietários de terras, tratando de questões ambientais. Havia uma pequena quantidade de imprensa "semi livre", havia [protestos pela democracia em] Hong Kong. E tudo isso foi suprimido.>
Então eu não espero que a crise econômica leve imediatamente a uma crise política. Mas a China está enredada em um impossível paradoxo.>
BBC News Brasil – O que o senhor quer dizer com isso?>
Acemoglu – Eu explico. O impossível paradoxo é que eles querem crescimento econômico, mas estão muito preocupados que, à medida em que a economia cresce, a classe média fará mais demandas, enfraquecendo o controle do Partido Comunista da China. >
Assim, junto com o crescimento, há mais e mais controle governamental. Mas isso, por sua vez, cria ineficiências tanto no curto, quanto no longo prazo. Reduz a independência das empresas, desencoraja o verdadeiro potencial de inovação, leva a mais e mais má alocação de capital.>
Então a solução criada pelo governo é mais intervenção governamental na economia e ainda mais repressão, para que o descontentamento gerado por isso não resulte em oposição ao Partido Comunista. É, portanto, uma "bola de neve" e é essa a natureza do paradoxo.>
Agora, eu não acredito que isso possa durar para sempre. Então creio que, em cerca de dez anos, haverá uma crise política. Mas, no momento atual, eu não acredito que a sociedade civil, a imprensa ou qualquer tipo de organização seja forte o suficiente para que isso aconteça. >
BBC News Brasil – Mudando de assunto para seu novo livro, Poder e progresso. Nele, o senhor diz que o mundo está vivendo uma "ilusão da inteligência artificial". O que significa isso?>
Acemoglu – Deixe-me primeiro fazer uma introdução, dizendo que eu acredito que as tecnologias de IA, incluindo a recente IA generativa [inteligência artificial capaz de gerar textos, imagens ou outras mídias em resposta a solicitações em linguagem comum, como o ChatGPT da OpenAI e o Bard da Google] são promissoras. Então não estou questionando que haja valor social e econômico a serem obtidos a partir dessas tecnologias. >
Mas a ilusão é acharmos que podemos substituir e escantear os seres humanos. Isso é sintetizado pela busca por uma inteligência artificial geral [AI que teria a capacidade de aprender e desempenhar qualquer tarefa realizada por um ser humano] ou superinteligência.>
É sintetizado também pelo esforço incessante por automatizar o trabalho e resumir e capturar toda a sabedoria humana em tecnologias simples como o ChatGPT.>
As razões por que isso é uma ilusão são duas. >
A primeira é que eu acredito que, no fim das contas, mesmo com mais avanços, a criatividade humana será central e muito importante, tanto para a dignidade do trabalho humano e dos seres humano, como também para a eficiência produtiva.>
Em segundo lugar, ainda mais no curto prazo, essas tecnologias têm muitas limitações, então escantear os humanos leva a um caminho de ineficiência. E não estaremos obtendo os benefícios que poderíamos a partir dessas tecnologias.>
BBC News Brasil – O senhor também acredita que há um certo otimismo, certo? Quer dizer, haveria uma crença de que tudo isso será para o bem. E você diz que não necessariamente, que é preciso intervir para que essas tecnologias tragam resultados positivos. O senhor pode explicar isso melhor?>
Acemoglu – Toda essa busca por uma inteligência artificial geral vem combinada com um profundo "tecno otimismo". E esse tecno otimismo tem alguns desdobramentos. >
Primeiro, ele acredita que as máquinas se tornarão muito melhores do que os seres humanos rapidamente. Segundo, que isso vai gerar valor econômico. E terceiro, que isso também vai criar soluções tecnológicas para muitos problemas.>
Então essa combinação faz muitos líderes do Vale do Silício e outras figuras de liderança defenderem uma perspectiva de adesão total: "Não se preocupem com problemas, privacidade, coleta de dados, desemprego, porque é tudo para o bem. Vamos rapidamente chegar a bons lugares. Vamos criar mais produção, soluções para os problemas climáticos, para as pandemias globais, para o câncer" e assim por diante.>
Mas, quando combinamos isso com minha afirmação anterior de que, na verdade, as capacidades da IA são exageradas no curto prazo e não vão se realizar nem no médio prazo – a não ser que elas sejam usadas para ampliar as capacidades e o poder de agência humano – então você percebe que isso não está caminhando para nenhum bom lugar. >
Estamos desempoderando as pessoas mais e mais e não chegaremos às soluções ou obteremos o valor econômico prometido.>
Então eu não sou um completo pessimista, mas digo que há formas melhores de usar essas tecnologias e é por isso que precisamos de uma intervenção. >
Porque a indústria americana e, por motivos distintos, a indústria chinesa, com a liderança do Partido Comunista, caminham para uma direção que não é boa. Não é democrática, não vai trazer em nenhum momento próximo os benefícios econômicos prometidos e há caminhos muito melhores disponíveis.>
BBC News Brasil – No livro, o senhor aponta que impor limites ao poder das grandes empresas de tecnologia e regulá-las são passos cruciais para um futuro melhor para as tecnologias digitais. Mas, no Brasil, tivemos uma experiência recente de o Congresso tentar passar uma lei contra a desinformação nas redes sociais e voltar atrás, sob pressão de empresas como Google e Facebook, com o Google chegando a postar anúncios contra a lei na página principal do seu buscador. É realmente possível os governos regularem as big techs no cenário atual?>
Acemoglu – Google, Facebook, Amazon vão fazer o que podem para barrar regulações, mesmo quando dizem ser a favor de regulações razoáveis, como disseram recentemente aos congressistas americanos. >
E sim, em lugares onde os limites quanto ao uso de propaganda são mais frouxos, como no Brasil, eles vão usá-la de forma mais abusiva. >
Mas acredito elas serem tão resistentes é uma prova de que é possível regular essas empresas. Se de fato a regulação não tivesse nenhum efeito, elas não estariam gastando milhões de dólares para lutar contra isso.>
E há um país que mostra como efetivamente as big techs podem ser reguladas: a China. >
Veja, eu não sou a favor do caminho chinês, me oponho fortemente ao Partido Comunista Chinês e não gosto dos seus métodos ou seus objetivos. Mas a China provou nos últimos cinco anos que eles podem de forma muito bem-sucedida regular as big techs.>
Então eu espero que não precisemos copiar os chineses – certamente não deveríamos copiar seus métodos antidemocráticos ou seus objetivos. Mas é uma prova de que regular é possível. >
Mas deixe-me dizer algo sobre Brasil, Índia, Turquia e outros países como estes. >
O problema aí é muito mais difícil porque, por um lado, você quer fazer o mesmo tipo de regulação e garantir que as mazelas dessas novas tecnologias não afetem a população. Mas, diferentemente dos EUA, por exemplo, esses países estão atrasados na curva tecnológica.>
Então, ao mesmo tempo, é preciso garantir que empresas e indivíduos tenham incentivos para adotar e aprender essas tecnologias rapidamente. Mas, ao fazer isso, é preciso não repetir os erros cometidos nos EUA. Então é um problema bastante difícil. >
BBC News Brasil – E por que o senhor acredita que a renda básica universal não é a solução para a ameaça que a inteligência artificial representa ao futuro do trabalho?>
Acemoglu – Se eu estivesse convencido de que não há nada que possamos fazer e muitos empregos irão desaparecer; de que existe acordo político para uma renda básica universal; e de que, numa sociedade sem uma renda básica universal, pessoas que recebessem uma renda básica não seriam classificadas como cidadãos de segunda classe, eu seria mais favorável a uma renda básica universal. >
Mas todas essas condições não se aplicam. >
Primeiro, eu não acho que estamos condenados a substituir o trabalho humano. Há um caminho alternativo e esse caminho é usar a IA de maneira mais em favor do ser humano, em favor do trabalhador.>
Ao colocar tanta ênfase na renda básica universal, assumimos uma postura derrotista, fechando as portas para esse caminho muito mais atraente.>
Segundo, mesmo se decidíssimos pelo caminho da renda básica, não acredito que o equilíbrio político permitiria uma renda básica universal generosa. Elon Musk, Mark Zuckerberg e os executivos da Google, que são tão resistentes a um pouquinho de regulação, não vão dizer: "Tudo bem, peguem metade da minha riqueza e destinem para uma renda básica universal.">
E terceiro, mesmo que isso acontecesse, essa ainda seria uma sociedade de duas castas. Teríamos 10%, 15% ou 20% da população que seriam os grandes advogados, engenheiros, inovadores e designers, que ganhariam todo o dinheiro e então dariam uma fração dele para o cuidado com as outras pessoas. E as pessoas que receberiam não fariam nada, só ficariam com as migalhas dos super ricos. Essa seria uma sociedade muito desigual e acho que não queremos isso.>
BBC News Brasil – Então o senhor acredita que a forma de lidar com o impacto da IA sobre o trabalho é mudar sua direção?>
Acemoglu – Exatamente. Redirecionar a mudança tecnológica, regular a forma como usamos a inteligência artificial e garantir mais controle governamental sobre as direções em que estamos colocando nossos esforços. >
Esta entrevista foi publicada em setembro de 2023 e atualizada em 14/10 de 2024 para refletir o Prêmio Nobel de Economia vencido por Acemoglu e dois outros economistas.>
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