Publicado em 7 de outubro de 2024 às 08:44
Esquecido por séculos, Kilmartin Glen, na região de Argyll, é uma das paisagens arqueológicas mais importantes do Reino Unido, mas a maioria das pessoas nunca ouviu falar dela.>
Na estrada a noroeste de Glasgow (Escócia) através das colinas de Argyll, a civilização fica para trás e a paisagem se torna mais vazia de vida e histórias, mas apenas para olhos destreinados.>
À medida que a estrada curva-se para o norte a partir da vila de Lochgilphead, a grande extensão de Kilmartin Glen aparece. >
Essa já foi a Escócia vista pelos reis dos séculos 6 e 7 do antigo reino gaélico Dál Riata, e o pântano elevado recebe o visitante com colinas enrugadas, campos ocupados por ovelhas Blackface e florestas plantadas com carvalhos profundamente enraizados.>
>
Mas olhe mais de perto — muito mais de perto ainda, à medida que a estrada curva em direção ao norte até a cidade portuária de Oban — e logo fica claro que Kilmartin Glen é um lugar onde há história em grande abundância. Pois este é o cenário de uma coleção pré-histórica de monumentos henge, marcos funerários, pedras eretas, câmaras de cisto, círculos de pedra e a mais densa concentração de sítios de arte rupestre na Reino Unido, com mais de 800 relíquias antigas na última contagem.>
Essa multitude foi construída antes que os romanos e gregos chegassem, antes que as primeiras pirâmides fossem construídas há cerca de 4.700 anos e antes de Stonehenge, o outro grande monumento pré-histórico do Reino Unido. >
As interpretações de Kilmartin Glen feitas por vários arqueólogos e antiquários concordam que se trata de um dos maiores tesouros da Reino Unido.>
No entanto, o mais estranho é que a maioria das pessoas nunca ouviu falar dele.>
E, como descobri, as glórias do vale são o resultado de mais de 5.000 anos de história, mas também de uma batalha de décadas entre preservação e as forças da própria natureza.>
Conheci o arqueólogo do museu, Aaron Watson, na entrada do novo Museu Kilmartin, que reabriu ao público no final de abril após uma reforma de 7,5 milhões de libras (cerca de R$ 50 milhões). >
Logo depois, começamos nossa jornada de volta no tempo, sozinhos, e com um silêncio assustador se instalando sobre o vale.>
"Ao contrário de tantos locais de patrimônio nessa escala, está tudo aberto e esperando para ser descoberto", disse Watson, enquanto saíamos do museu por uma trilha usada por caçadores-coletores neolíticos, agora pisoteada por vacas e pelo fazendeiro da vila em um quadriciclo. >
"A sobreposição de paisagens ao longo do tempo é uma segunda natureza para os arqueólogos, mas é mais difícil de entender com novos olhos. Então, o que você está vendo tem 4.000 anos de história e, embora seja difícil imaginar hoje, já foi um local de sepultamento e ritual.">
Vestido com uma jaqueta à prova de vento e água — parecendo um Indiana Jones escocês — Watson tem decodificado Kilmartin Glen desde que chegou para trabalhar aqui em meados da década de 1990 e é um guia entusiasmado para o tesouro de histórias pré-históricas de Argyll. Seu deleite com o que muitos veriam como pedras comuns varridas pelo vento e pela chuva era contagiante. A cada passo, ele imbuía a paisagem com um novo significado.>
Ao lado de Kilmartin Glebe Cairn, um dos cinco grandes montes funerários que formam um vasto cemitério linear através do vale, discutimos rituais antigos de vida e morte. >
Mais adiante em nosso circuito, no Temple Wood Stone Circle, que antecede o sepultamento do Rei Tutancâmon, falamos sobre os motivos espirais semelhantes a serpentes esculpidos na rocha. Em seguida, em uma reunião de pedras alinhadas, como dominós para gigantes, fiz a pergunta inevitável: por que colocar os monólitos de 3 metros de altura aqui?>
"Para ser franco, há tantas coisas que ainda não sabemos", respondeu Watson. "Mas quanto mais trabalho aqui, mais percebo e mais ideias encontramos. É o vale que continua dando.">
Por fim, em Nether Largie South Cairn, um memorial pré-histórico que parece uma covinha na paisagem, descemos para dentro de sua câmara funerária de pedra e entramos em um novo mundo de presságios, pistas e significados ocultos.>
"Esta é a arqueologia da experiência sensorial", disse Watson, enquanto nos abaixamos para dentro da tumba de 5.000 anos. "Você pode ver como a luz muda. Ouça os ecos. Isso não é um monte de pedras. Provavelmente, é um antigo espaço transdimensional para transformar os vivos em outra coisa. E a nossa tarefa é trazer histórias como essas de volta à vida." >
O que mais me impressionou foi o silêncio.>
Mesmo que a sensação de ser carregado por Kilmartin Glen pelas forças do tempo seja forte, muitas dessas maravilhas arqueológicas só começaram a ser descobertas há relativamente pouco tempo. Os antiquários se interessam pela área desde 1800, mas foi somente na década de 1960 que dois voluntários locais, Marion Campbell e Mary Sandeman, realizaram o primeiro levantamento arqueológico.>
Os olhos fixos no chão e eles descobriram locais esquecidos por séculos e coletaram um arquivo de artefatos neolíticos e da Idade do Bronze, incluindo vasos, potes de béquer, cerâmica, machados e pontas de flechas.>
Desde então, a herança de Kilmartin Glen continuou a ser extraída do solo, centímetro por centímetro, e a maior parte dessas descobertas agora ajuda a traçar a linha do tempo dentro do novo museu. >
A fundação começou no início dos anos 1990, quando Campbell passou sua coleção ao museu original e, desde então, extraordinários 22.000 artefatos foram reunidos.>
Visitei as galerias com a diretora do museu, Sharon Webb, em uma prévia antes da reabertura, ambos um pouco desconcertados pelas salas de exposição sem visitantes. >
De certa forma, o museu em si parecia um depósito esquecido: vitrines cobertas de poeira projetavam sombras, as luzes piscavam, iluminando cruzes medievais esculpidas e os ossos de um esqueleto humano de 4.000 anos. Para mim, não podia ser mais assustador. Entre outros destaques estavam ferramentas de quartzo e símbolos raramente vistos dos reis escoceses pré-históricos.>
As exibições também pareciam uma história de advertência sobre a natureza frágil da existência humana e como devemos honrar as histórias de nossos ancestrais. Apropriadamente, os falantes de gaélico têm um provérbio para cavar no passado, e estava escrito em negrito em um painel informativo próximo: Cuimhnich air na daoine on dànaig u (Lembrar daqueles de quem você veio).>
"O museu anterior era pequeno demais para conter todas essas histórias e as exibições agora ajudam a contextualizar a jornada que você pode fazer lá fora – então este é, em última análise, um museu do lugar", disse Webb, enquanto estávamos em frente a um copo que brilhava dourado. >
"É engraçado quando falo com os moradores locais – eles frequentemente tropeçam em artefatos da Idade do Bronze enquanto caminham na floresta. Então nossa coleção continua crescendo.">
De todos os detalhes estranhos sobre Kilmartin Glen, talvez o mais interessante seja que a maioria de seus sítios estão firmemente agrupados em um raio de seis milhas da vila de Kilmartin. >
Mais evidências da civilização pré-histórica do vale existem em Achnabreck, um afloramento meio escondido que coroa uma colina sete milhas ao sul do novo museu. >
Construído para se alinhar com o pôr do sol do meio do inverno, quando a luz baixa revela uma série de espirais com chifres, rosetas e marcações de anéis, Achnabreck é um dos maiores sítios de arte rupestre de seu tipo. É também um espaço que gera ainda mais perguntas.>
Alguns especulam que as esculturas pré-históricas estão vivas com forças sobrenaturais e, novamente, não pude deixar de pensar de novo em Indiana Jones; desta vez, especificamente, Os Caçadores da Arca Perdida.>
"Nossos ancestrais que esculpiram esses símbolos de pedra tinham uma compreensão do mundo muito diferente da nossa", Watson me disse, antes de eu deixar o museu. >
"Acho que eles selecionaram rochas que poderiam aproveitar melhor a luz do inverno, mas isso é impossível conhecer, e essa discussão é frequentemente tão interessante quanto chegar a uma única interpretação.">
Parado ali, apertando os olhos para ver a luz do inverno iluminar a rocha, suas formas surgindo como que por mágica, passei minha mão pelas texturas e assinaturas antigas da pedra fria. >
Um estranho feitiço persistiu. Talvez, pensei, um deus celta estivesse lançando um olhar sobre mim neste refúgio de mito. Talvez, também, as histórias dos mortos surgissem de suas ondulações.>
Então, um pouco assustado, refiz meus passos de volta para a estrada e toda essa pré-história mistificadora desapareceu de vista mais uma vez.>
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.>
>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta