Publicado em 3 de junho de 2023 às 14:22
Beijar na boca é um ato tão natural e comum em várias sociedades atuais que é facilmente banalizado.>
Mas, na verdade, não está claro se as pessoas sempre se beijaram ou se isso só começou a acontecer em um passado relativamente recente.>
O fato é que a história e os motivos do beijo são mais complexos do que se poderia imaginar.>
Em artigo publicado na revista científica Science, analisamos quantidades significativas de evidências negligenciadas que desafiam as crenças atuais de que o primeiro registro de beijo romântico-sexual aconteceu na Índia, por volta de 1500 a.C..>
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Em vez disso, o beijo na boca foi documentado na antiga Mesopotâmia — atual Iraque e Síria — desde pelo menos 2500 a.C..>
Isso significa basicamente que a história registrada do beijo romântico-sexual é pelo menos 1.000 anos mais antiga do que a data mais antiga conhecida anteriormente.>
Antropólogos evolucionistas sugeriram que o beijo na boca evoluiu para avaliar a adequação de um parceiro em potencial, por meio de sinais químicos transmitidos na saliva ou na respiração.>
Outros propósitos sugeridos para o beijo incluem provocar sentimentos de apego e facilitar a excitação sexual.>
O beijo na boca também é observado entre nossos parentes vivos mais próximos, os chimpanzés e bonobos. Isso sugere que o comportamento pode ser muito mais antigo do que as primeiras evidências atuais em humanos.>
A população na antiga Mesopotâmia pode ter inventado a escrita, embora sua invenção no antigo Egito também tenha sido mais ou menos contemporânea.>
A escritura mesopotâmica mais antiga é de cerca de 3.200 a.C., da cidade de Uruk, agora no sul do Iraque.>
Essa escrita, chamada cuneiforme, era inscrita em tabuletas de argila úmida com o auxílio de estiletes de bambu em forma de cunha.>
Originalmente, a escrita era usada para fazer anotações em sumério, uma língua sem relação conhecida com nenhuma outra.>
Mais tarde, foi adaptada para escrever em acádio, uma antiga língua semítica.>
Embora os primeiros textos que encontramos estejam principalmente ligados a práticas administrativas e reflitam amplamente a mecânica da burocracia, as pessoas desenvolveram esse modo de escrita nos séculos subsequentes para incluir outros gêneros de textos.>
Na primeira metade do terceiro milênio antes de Cristo, mitos e feitiços se materializam nesses textos e, mais tarde, em documentos privados sobre pessoas comuns.>
Algumas das fontes mais antigas que mencionam o beijo na boca podem ser encontradas em textos mitológicos sobre atos dos deuses que datam de aproximadamente 2.500 a.C..>
Em um dos exemplos mais antigos, descrito no chamado Cilindro de Barton, um artefato de argila da Mesopotâmia com inscrições cuneiformes, diz-se que duas divindades tiveram relações sexuais e se beijaram: "... com a deusa Ninhursag, ele teve relações sexuais. Ele a beijou. E preencheu seu ventre com o sêmen de sete gêmeos".>
Fontes posteriores, como provérbios, um diálogo erótico entre um homem e uma mulher e um texto jurídico, dão a impressão geral de que beijar no contexto do sexo, da família e da amizade era provavelmente uma parte comum da vida cotidiana em áreas centrais do antigo Oriente Médio, do final do terceiro milênio antes de Cristo em diante.>
Ainda assim, parece que o beijo romântico-sexual na rua pode ter sido malvisto, e é possível que fosse praticado preferencialmente entre casais casados.>
A sociedade provavelmente tinha uma série de normas sociais do tipo em relação ao comportamento ideal.>
Mas o fato de tais normas existirem aponta para uma prática generalizada.>
Evidências sugerem que o beijo na boca era praticado pelo menos no antigo Oriente Médio e na Índia. >
Isso se contrapõe a observações prévias sobre a história mais antiga de beijo da humanidade.>
Um manuscrito da Índia datado de cerca de 1.500 a.C., por exemplo, foi usado anteriormente para sugerir que o beijo foi trazido para o ocidente como uma prática cultural de lá. >
As evidências mais antigas da Mesopotâmia indicam que podemos descartar esse cenário.>
Considerando a ampla distribuição geográfica do beijo romântico-sexual na Antiguidade, acreditamos que o beijo teve múltiplas origens.>
E mesmo que alguém procurasse um único ponto de origem do beijo, teria que buscá-lo milênios atrás, em tempos pré-históricos.>
Um estudo antropológico recente mostrou que o beijo romântico-sexual não é universal.>
No entanto, existe documentação escrita antiga sugerindo uma tendência para sua prática em sociedades com hierarquias sociais complexas.>
Isso levanta uma questão sobre o quão amplamente usado era o beijo sexual no mundo antigo, especialmente em sociedades que não podem ser rastreadas porque não usavam a escrita.>
Embora algumas sociedades possam não ter praticado o beijo romântico-sexual, argumentamos que ele devia ser conhecido na maioria das culturas antigas, devido a contatos culturais, por exemplo.>
Mas se pesquisas futuras mostrarem que o beijo na boca não pode ser considerado quase universal no mundo antigo, será interessante considerar as razões pelas quais essa não era uma prática comum.>
Surpreendentemente, a história e a cultura do beijo são complexas, com muitos aspectos ainda a serem revelados.>
* Sophie Lund Rasmussen é pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de Oxford, no Reino Unido.>
Troels Pank Arbøll é professor assistente de assiriologia na Universidade de Copenhage, na Dinamarca.>
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).>
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