Publicado em 6 de julho de 2025 às 20:39
Questionado no mês passado se estava planejando se juntar a Israel no ataque ao Irã, o presidente dos EUA, Donald Trump, disse: "Posso fazer isso. Posso não fazer isso. Ninguém sabe o que vou fazer".>
Ele deixou o mundo acreditar que havia concordado com um cessar-fogo de duas semanas para permitir que o Irã retomasse as negociações. E então ele bombardeou os iranianos mesmo assim.>
Um padrão está surgindo: a coisa mais previsível sobre Trump é sua imprevisibilidade. Ele muda de ideia. Ele se contradiz. Ele é inconsistente.>
"[Trump] montou uma operação de formulação de políticas altamente centralizada, indiscutivelmente a mais centralizada, pelo menos na área de política externa, desde Richard Nixon", diz Peter Trubowitz, professor de relações internacionais na London School of Economics.>
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"E isso torna as decisões políticas mais dependentes do caráter, das preferências e do temperamento de Trump.">
Trump aprendeu a usar sua imprevisibilidade para fins políticos, tornando-a um ativo estratégico e político fundamental.>
Ele elevou a imprevisibilidade ao status de doutrina. E agora a característica de personalidade que ele trouxe para a Casa Branca está impulsionando a política externa e de segurança.>
Isso está mudando a forma do mundo.>
Cientistas políticos chamam isso de Teoria do Louco, na qual um líder mundial busca persuadir seu adversário de que é temperamentalmente capaz de qualquer coisa, para extrair concessões. Usado com sucesso, pode ser uma forma de coerção e Trump acredita que está dando frutos, colocando os aliados dos EUA onde ele quer.>
Mas será uma abordagem que pode funcionar contra inimigos? >
O problema poderia ser que, em vez de ser um truque de mágica projetado para enganar adversários, é fruto de traços de caráter bem estabelecidos e que são analisados e registrados. Ou seja, seu comportamento se torna mais fácil de prever?>
Trump iniciou sua segunda presidência abraçando o presidente russo Vladimir Putin e atacando os aliados da América. Ele insultou o Canadá dizendo que deveria se tornar o 51º estado dos EUA.>
Ele disse que estava preparado para considerar o uso de força militar para anexar a Groenlândia, um território autônomo da Dinamarca, aliada dos EUA. E ele disse que os EUA deveriam retomar a propriedade e o controle do Canal do Panamá.>
O Artigo 5 da carta da OTAN compromete cada membro a defender todos os outros. Trump colocou em dúvida o compromisso da América com isso. "Acho que o Artigo 5 está sobrevivendo por aparelhos", declarou Ben Wallace, ex-secretário de defesa do Reino Unido.>
Uma série de mensagens de texto vazadas revelou a cultura de desprezo na Casa Branca de Trump pelos aliados europeus. "Compartilho plenamente o seu nojo de aproveitadores europeus", disse o Secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, a seus colegas, acrescentando "PATÉTICO".>
Em Munique, no início deste ano, o vice-presidente de Trump, JD Vance, disse que os EUA não seriam mais o garantidor da segurança europeia.>
Isso pareceu virar a página em 80 anos de solidariedade transatlântica. "O que Trump fez foi levantar sérias dúvidas e questões sobre a credibilidade dos compromissos internacionais da América", diz Trubowitz.>
"Qualquer que seja o entendimento que esses países [na Europa] tenham com os Estados Unidos, em segurança, em questões econômicas ou outras, agora eles estão sujeitos a negociação em cima da hora.">
"Minha sensação é que a maioria das pessoas na órbita de Trump pensa que a imprevisibilidade é uma coisa boa, porque permite que Donald Trump alavanque a influência dos EUA para o ganho máximo", diz.>
"Esta é uma de suas lições ao negociar no mundo imobiliário.">
A abordagem de Trump deu frutos. Há apenas quatro meses, o premiê britânico Keir Starmer disse ao Parlamento que o Reino Unido aumentaria os gastos com defesa e segurança de 2,3% do PIB para 2,5%.>
No mês passado, em uma cúpula da Otan, esse percentual já havia aumentado para 5%, um aumento enorme, agora igualado por todos os outros membros da aliança.>
Trump não é o primeiro presidente americano a empregar uma Doutrina da Imprevisibilidade. Em 1968, quando o presidente dos EUA, Richard Nixon, tentava acabar com a guerra no Vietnã, ele achou o inimigo norte-vietnamita intratável.>
"Em um determinado momento, Nixon disse ao seu Conselheiro de Segurança Nacional, Henry Kissinger: 'você deveria dizer aos negociadores norte-vietnamitas que Nixon é louco e você não sabe o que ele vai fazer, então é melhor chegar a um acordo antes que as coisas fiquem realmente loucas'", diz Michael Desch, professor de relações internacionais na Universidade de Notre Dame.>
"Essa é a teoria do louco.">
Julie Norman, professora de política da University College London, concorda que agora existe uma "Doutrina da Imprevisibilidade".>
"É muito difícil saber o que está por vir dia a dia", ela argumenta. "E essa sempre foi a abordagem de Trump.">
Trump aproveitou com sucesso sua reputação de volatilidade para mudar o relacionamento de defesa transatlântico. E, aparentemente para manter Trump do seu lado, alguns líderes europeus bajularam e se curvaram.>
A cúpula da Otan do mês passado em Haia foi um exercício de cortejo obsequioso. O secretário-geral da Otan, Mark Rutte, havia enviado anteriormente a Trump (ou "Caro Donald") uma mensagem de texto, que Trump vazou.>
"Parabéns e obrigado por sua ação decisiva no Irã, foi realmente extraordinário", ele escreveu. Sobre o próximo anúncio de que todos os membros da Otan concordaram em aumentar os gastos com defesa para 5% do PIB, ele continuou: "Você alcançará algo que NENHUM presidente em décadas conseguiu fazer.">
Anthony Scaramucci, que atuou anteriormente como diretor de comunicações de Trump em seu primeiro mandato, disse: "Sr. Rutte, ele está tentando envergonhar o senhor. Ele está literalmente sentado no Air Force One rindo de você.">
E isso pode ser a fraqueza no coração da Doutrina da Imprevisibilidade de Trump: suas ações podem ser baseadas na ideia de que Trump anseia por adulação. Ou que ele busca vitórias de curto prazo, preferindo-as a processos longos e complicados.>
Se esse for o caso e sua suposição estiver correta, então isso limita a capacidade de Trump de realizar truques para enganar adversários - em vez disso, ele tem traços de caráter bem estabelecidos e claramente documentados dos quais eles se tornaram cientes.>
Então, há a questão se uma Doutrina da Imprevisibilidade ou a Teoria do Louco pode funcionar em adversários.>
O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, um aliado que recebeu um sermão de Trump e Vance no Salão Oval, mais tarde concordou em conceder aos EUA direitos lucrativos para explorar os recursos minerais ucranianos.>
Vladimir Putin, por outro lado, aparentemente permanece convicto em resistir aos encantos e ameaças de Trump. Na quinta-feira, após um telefonema, Trump disse que estava "decepcionado" por Putin não estar pronto para encerrar a guerra contra a Ucrânia.>
E o Irã? Trump prometeu à sua base que encerraria o envolvimento americano em "guerras eternas" no Oriente Médio. Sua decisão de atacar as instalações nucleares do Irã foi talvez a escolha política mais imprevisível de seu segundo mandato até agora. A questão é se terá o efeito desejado.>
O ex-secretário de Relações Exteriores britânico, William Hague, argumentou que fará precisamente o oposto: tornará o Irã mais, e não menos propenso a buscar a aquisição de armas nucleares.>
O Prof. Desch concorda. "Acho que agora é altamente provável que o Irã tome a decisão de buscar uma arma nuclear", diz ele. "Então, eu não ficaria surpreso se eles se mantiverem discretos e fizerem todo o possível para completar o ciclo completo de combustível e conduzir um teste [nuclear].>
"Acho que a lição de Saddam Hussein e Muammar Khadafi não é perdida para outros ditadores que enfrentam os EUA e uma potencial mudança de regime...>
"Então, os iranianos sentirão desesperadamente a necessidade do impedimento final e olharão para Saddam e Khadafi como exemplos negativos e Kim Jong Un da Coreia do Norte como o exemplo positivo.">
Um dos cenários prováveis é a consolidação da República Islâmica, de acordo com Mohsen Milani, professor de política na Universidade do Sul da Flórida e autor de Iran's Rise and Rivalry with the US in the Middle East" (A Ascensão do Irã e a Rivalidade com os EUA no Oriente Médio, em tradução livre).>
"Em 1980, quando Saddam Hussein atacou o Irã, seu objetivo era o colapso da República Islâmica", diz ele. "Aconteceu o exato oposto. Essa era a mesma avaliação israelense e americana... Que se nos livrássemos dos líderes, o Irã se renderia rapidamente ou todo o sistema entraria em colapso.">
Olhando para o futuro, a imprevisibilidade pode não funcionar contra os inimigos, mas não está claro se as recentes mudanças que ela produziu entre os aliados podem ser sustentadas.>
Embora possível, este é um processo construído em grande parte por impulso. E pode haver uma preocupação de que os EUA possam ser vistos como um mediador não confiável.>
"As pessoas não vão querer fazer negócios com os EUA se não confiarem nos EUA nas negociações, se não tiverem certeza de que os EUA os apoiarão em questões de defesa e segurança", argumenta Norman. "Então, o isolamento que muitos no mundo MAGA [Make America Great Again, Faça a América Grande de Novo em tradução livre, nome do movimento trumpista] buscam, eu acho, vai sair pela culatra.">
O chanceler alemão Friedrich Merz, por exemplo, disse que a Europa precisa agora se tornar operacionalmente independente dos EUA.>
"A importância do comentário do chanceler é que é um reconhecimento de que as prioridades estratégicas dos EUA estão mudando", diz Trubowitz. "Elas não vão voltar a ser como eram antes de Trump assumir o cargo. Então sim, a Europa terá que se tornar mais operacionalmente independente.">
Isso exigiria que as nações europeias desenvolvessem uma indústria de defesa europeia muito maior, para adquirir equipamentos e capacidades que atualmente apenas os EUA possuem, argumenta Desch. >
Por exemplo, os europeus têm alguma capacidade sofisticada de inteligência global, diz ele, mas grande parte dela é fornecida pelos EUA.>
"A Europa, se tivesse que agir sozinha, também exigiria um aumento significativo em sua capacidade de produção de armamentos independente", ele continua. >
"A mão de obra também seria um problema. A Europa Ocidental teria que olhar para a Polônia para ver o nível de mão de obra de que precisaria.">
Tudo isso levará anos para ser construído.>
Então, os europeus realmente foram assustados pela imprevisibilidade de Trump, a ponto de fazer a mudança mais dramática na arquitetura de segurança do mundo ocidental desde o fim da Guerra Fria?>
"Isso contribuiu", diz Trubowitz. >
"Mas, mais fundamentalmente, Trump desencadeou algo... A política nos Estados Unidos mudou. As prioridades mudaram. Para a coalizão MAGA, a China é um problema maior do que a Rússia. Isso talvez não seja verdade para os europeus." >
E de acordo com Milani, Trump está tentando consolidar o poder americano na ordem global. "É muito improvável que ele mude a ordem que foi estabelecida após a Segunda Guerra Mundial. Ele quer consolidar a posição da América nessa ordem porque a China está desafiando a posição da América nessa ordem." >
Mas tudo isso significa que os imperativos de defesa e segurança enfrentados pelos EUA e pela Europa estão divergindo. Os aliados europeus podem estar satisfeitos que, por meio de lisonjas e mudanças políticas reais, eles mantiveram Trump amplamente ao seu lado; afinal, ele reafirmou seu compromisso com o Artigo 5 na mais recente cúpula da OTAN. >
Mas a imprevisibilidade significa que isso não pode ser garantido - e eles parecem ter aceitado que não podem mais depender complacentemente dos EUA para honrar seu compromisso histórico com sua defesa. >
E nesse sentido, mesmo que a Doutrina da Imprevisibilidade venha de uma combinação de escolha consciente e dos traços de caráter muito reais de Trump, ela está funcionando, pelo menos em algumas situações.>
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