Publicado em 9 de setembro de 2023 às 14:38
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), prometeu diminuir o limite de velocidade para os carros em avenidas na orla das praias da cidade — 70 km/hora é o máximo permitido hoje. >
O anúncio de Paes ocorreu após o atropelamento do ator Kayky Brito, na madrugada do último sábado (2/9), na avenida Lúcia Costa, na Barra da Tijuca.>
Brito teve politraumatismo e traumatismo craniano. O artista segue internado em estado grave na UTI do Hospital Copa D’Or.>
Imagens de vigilância divulgadas neste domingo (3/9) mostram que o motorista do veículo tentou frear e desviar do ator, mas acabou o atingindo de frente. A polícia constatou que o condutor não havia ingerido bebidas alcoólicas.>
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As investigações ainda devem apontar se o motorista, que trabalha com aplicativos de transportes, estava dirigindo acima da velocidade permitida na avenida, justamente 70 km/hora. >
Em publicação nas redes sociais, Eduardo Paes, que está no penúltimo ano de seu terceiro mandato como prefeito do Rio, classificou como um “absurdo” o limite máximo de 70 km/hora em avenidas da orla da cidade.>
“O atropelamento do ator Kayky Brito mostra bem que a velocidade permitida em muitas vias da cidade é excessiva. Imaginar que nossa Orla — um lugar de contemplação, lazer e paz — tem velocidade máxima de 70 km é um absurdo”, escreveu Paes.>
O prefeito completou a publicação afirmando que vai pedir um estudo sobre o assunto:>
“Independentemente de responsabilidades no caso em questão, não é admissível manter isso. Já determinei que a CET-Rio (Companhia de Engenharia de Tráfego) me apresente ainda essa semana uma mudança no limite da Orla do Rio. E vamos avançar com essas mudanças em outras vias da cidade!”>
No X, antigo Twitter, alguns cariocas criticaram a medida, afirmando principalmente que a diminuição pode piorar os congestionamentos na cidade.>
“O trânsito no RJ tem milhares de outros problemas que poderiam ser resolvidos, mas tu quer mexer onde funciona”, escreveu um seguidor. >
“Se o trânsito da orla já é péssimo a 70, imagina se essa velocidade cair com radares, etc”, escreveu outro.>
Na verdade, a readequação dos limites de velocidade é uma demanda antiga de especialistas em mobilidade, cicloativistas e médicos que atuam com vítimas da violência do trânsito no Brasil. >
A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a velocidade máxima permitida deve ser igual ou inferior a 50 km/h em vias urbanas.>
Segundo o DataSus, que compila dados do Sistema Único de Saúde, em 2021 morreram 33.813 mil pessoas em acidentes de trânsito, um crescimento de 3,5% em relação ao ano anterior. >
Segundo relatório da OMS, existem dois tipos de velocidade no trânsito: a excessiva e a inadequada.>
A velocidade excessiva ocorre quando o motorista está acima do limite permitido para a via. E infringir esse limite é considerado um “mau comportamento” no trânsito, passível de multa e penalidades mais severas, como perda da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).>
“A inadequada é quando o motorista obedece a velocidade, mas o próprio limite estipulado não é adequado para o contexto daquela via”, explica Dante Rosado, coordenador do programa de segurança viária da Vital Strategies (ONG internacional que promove a saúde pública). >
Para Rosado, 70 km/h na orla do Rio de Janeiro é um limite “que coloca em risco motoristas, pedestres e ciclistas que trafegam por essas movimentadas artérias da cidade.” >
“A orla do Rio de Janeiro não é um exemplo de boa prática. É um absurdo que vias com grande interação tenham um limite de 70 km. A velocidade é o maior fator de risco. Ou seja, quanto maior a velocidade, maior a chance de se envolver em um sinistro. E também maior a chance de danos e lesões graves”, diz.>
Nos últimos anos, especialistas em tráfego passaram a utilizar com mais frequência o termo “sinistro” para se referir a acidentes envolvendo veículos. >
“A palavra acidente dá a entender que é algo que não poderia ter sido evitado, que tinha de acontecer. Na verdade, a grande maioria poderia ser evitada, porque sempre envolve o erro humano: velocidade excessiva, abuso do álcool, atravessar fora da faixa de pedestre, etc”, explica o médico Antonio Meira, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet).>
Tanto Meira como Dante Rosado citam uma escala de velocidade, produzida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e utilizada internacionalmente, que é determinante em casos de atropelamento.>
Em um atropelamento a 60 km/h, a chance de sobrevivência da vítima é de apenas 2%, aponta o estudo. >
“Acima disso, é praticamente um milagre a pessoa sobreviver”, diz Meira.>
Se o carro estiver a 50 km/h, a chance de sobrevivência aumenta para 15%. A 30 km/h, a vítima tem 90% de chance de sobreviver, segundo a publicação. >
Dante Rosado explica outro fator: quando o motorista está a 70 km/h, o mesmo limite da via onde Kayky Brito foi atropelado, sua percepção da pista e tempo de reação é muito menor do que se estivesse em uma velocidade mais baixa. >
“Quanto maior a velocidade, menor a visão periférica do motorista sobre o que está acontecendo na via. E, mesmo que ele perceba, o tempo que ele tem para frear é muito menor. Quando se está a 50 km, é possível reduzir para 30 km rapidamente. Mas quando se está a 70 km;h, há pouco tempo para frear e chegar a 50 km;h, por exemplo, o que aumenta a chance de morte da vítima”, explica Rosado.>
“É uma questão óbvia: quanto maior a velocidade, maiores serão o impacto, o dano e as lesões”, diz. >
Diminuir os limites de velocidade é uma medida recomendada pela OMS e é considerada uma tendência mundial.>
No Brasil, há uma série de exemplos de cidades que conseguiram reduzir o número de mortes no trânsito com a diminuição da velocidade máxima permitida, embora o país como um todo ainda esteja em um patamar muito alto de acidentes com vítimas.>
A partir de 2010, a cidade de São Paulo passou a gradativamente diminuir a velocidade em muitas vias do município. Em casos de ruas com muito movimento de pedestres, o limite caiu para 30 km/h. Em vias arteriais, como a avenida Radial Leste, o limite caiu para 50 km/h. >
Segundo dados da prefeitura, 1.357 pessoas morreram no trânsito da cidade em 2010. Onze anos depois, em 2021, esse número diminuiu para 720, uma queda de 46%.>
Porém, há alguns anos, a redução da velocidade virou uma grande polêmica em São Paulo e influenciou uma eleição para prefeito.>
Em 2015, a gestão do então prefeito Fernando Haddad (PT) reduziu os limites do principal corredor expresso da metrópole, formado pelas marginais Pinheiros e Tietê. A velocidade passou de 90 km/h para 70 km/h nas pistas expressas, de 70 km/h para 60 km/h nas centrais; e de 60 km/h para 50 km/h nas pistas locais.>
A medida, que chegou a zerar mortes no trânsito nas marginais, foi duramente criticada por parte da população e setores da imprensa, que argumentaram que os congestionamentos iriam piorar, algo que nunca ficou provado.>
No ano seguinte, o principal adversário de Haddad na eleição para prefeito, o tucano João Doria, utilizou a redução para fazer campanha contra a gestão petista.>
Doria usou o slogan “Acelera São Paulo” em referência à diminuição, e prometeu reverter a medida se ganhasse a eleição. O tucano venceu no primeiro turno e cumpriu a promessa nos primeiros dias de mandato. Depois da velocidade voltar ao que era antes, o número de mortes nas vias também voltou a crescer. >
Já Fortaleza também é apontada como exemplo positivo da redução da velocidade, processo que vem acontecendo gradativamente nos últimos anos. Segundo a prefeitura, a quantidade de acidente com mortes diminuiu 70% nas vias onde o limite foi alterado.>
Um estudo da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) de Fortaleza, divulgado pelo jornal O Povo, apontou que a diminuição da velocidade máxima alterou em apenas 6 segundos o tempo médio de deslocamento dos veículos da cidade.>
Porém, um dos problemas apontados por especialistas e ativistas é que o próprio Código Brasileiro de Trânsito prevê que, para algumas vias e avenidas dentro de cidades, o limite pode ser superior a 60 km/h. >
Há alguns projetos de lei no Congresso para mudar essa regra, mas eles ainda tramitam sem previsão de votação.>
“O código fala que o poder público tem autonomia para determinar os limites. Então, muitos prefeitos preferem não mexer nisso. Há uma cultura da velocidade no Brasil, que é promovida pela indústria automotiva. Perceba como nos comerciais de carro, os veículos sempre aparecem em alta velocidade trafegando por vias urbanas ou estradas totalmente livres”, diz Rosado.>
Para Ana Carboni, da União de Ciclistas do Brasil (UCB), a mudança citada por Eduardo Paes deve ser comemorada. >
“É impressionante o número de pessoas que transitam pelas avenidas da orla. Essa mudança é urgente. A velocidade dos carros em uma cidade precisa ser compatível com a vida”, diz Carboni, que é de Niterói, mas por anos trabalhou e frequentou a orla do Rio de Janeiro.>
Segundo ela, não basta apenas mudar a velocidade, mas também “conscientizar as pessoas de que 33 mil mortes no trânsito todos os anos é algo inaceitável, e que diminuindo a velocidade elas não estão perdendo fluidez, e sim ganhando mais segurança para todos”. >
Para o médico Antonio Meira, da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), campanhas educativas, fiscalização e intervenções nas vias, como sinalização e iluminação, também são importantes. >
“Não é só diminuir a velocidade, e sim fazer a gestão da velocidade. Entender que ciclistas e pedestres são os mais vulneráveis no trânsito, mas que a segurança também é para os motoristas”, explica.>
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