Publicado em 25 de setembro de 2025 às 11:33
Foi o casamento da filha de um político nepalês que despertou a raiva de Aditya. >
Em maio, o jovem ativista de 23 anos navegava pelas redes sociais quando leu que a ostentosa cerimônia de casamento tinha provocado congestionamentos enormes na cidade de Bhaktapur.>
O que mais o irritou foram as reclamações de que a maior estrada estava bloqueada por horas para convidados VIP, entre eles, o primeiro-ministro do Nepal.>
Embora essas alegações nunca tenham sido verificadas, e o político em questão tenha negado que sua família tenha feito uso indevido de recursos do estado, Aditya já estava decidido.>
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Era "realmente inaceitável".>
Nos meses seguintes, ele passou a ver mais e mais postagens nas redes sociais de políticos com seus filhos — fotos mostrando férias exóticas, mansões, super carros e bolsas de grife.>
Uma foto de Saugat Thapa, filho de um ministro de província, viralizou. >
Ele mostrava uma pilha enorme de caixas de presente das marcas Louis Vuitton, Gucci, Cartier e Christian Louboutin, decoradas com luzes e enfeites de Natal e um chapéu do Papai Noel no topo.>
No dia 8 de setembro, irritados com o que tinham visto e lido online, Aditya e seus amigos se juntaram a milhares de jovens para protestar nas ruas da capital, Katmandu. >
À medida que os protestos anticorrupção se intensificavam, houve confrontos entre alguns manifestantes e a polícia, resultando em mortes.>
No dia seguinte, uma multidão invadiu o Parlamento e queimou escritórios do governo. O primeiro-ministro KP Sharma Oli renunciou. >
No total, cerca de 70 pessoas foram mortas.>
Esses acontecimentos no Nepal foram parte de uma onda de clamor por mudança que se espalhou pela Ásia nos últimos meses.>
Indonésios realizaram manifestações, assim como filipinos, com dezenas de milhares protestando na capital Manila no último domingo (21/9).>
Todos têm uma coisa em comum: foram impulsionados pela geração Z (nascidos entre 1995 e 2010), muito dos quais estão furiosos com o que consideram uma corrupção endêmica em seus países. >
Os governos na região afirmam que há risco dos protestos escalarem para violência. Mas Aditya, assim como muitos de seus colegas, acredita que esse é o começo de uma nova era de protestos com poder de mudança. >
Ele se inspirou nos protestos na Indonésia, assim como na revolução liderada pelos estudantes em Bangladesh no ano passado e no movimento Aragalaya, que derrubou o presidente do Sri Lanka em 2022. >
Ele argumenta que todos eles lutam pela mesma coisa: "o bem-estar e o desenvolvimento de nossas nações". >
"Nós aprendemos que não há nada que nós, essa geração de estudantes e jovens, não possamos fazer.">
Grande parte da indignação tem se concentrado nos chamados nepo babies ou nepo kids — jovens vistos como beneficiados pela fama e influência de seus pais, muitos dois quais são figuras do establishment.>
Para muitos manifestantes, os nepo babies são símbolo de uma corrupção sistêmica. >
Alguns dos alvos dessas críticas negaram as alegações. Saugat Thapa disse que era uma "interpretação injusta" considerar que sua família é corrupta. Outros preferiram não falar sobre o assunto. >
Mas por trás de tudo isso está um descontentamento com a desigualdade social e a falta de oportunidades. >
A pobreza continua sendo um problema persistente nesses países, que também sofrem com a baixa mobilidade social. >
Diversos estudos mostram que a corrupção reduz o crescimento econômico e aprofunda a desigualdade. >
Na Indonésia, a corrupção tem sido um obstáculo sério para o desenvolvimento do país, de acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. >
Desde o início do ano, manifestações têm ocorrido por lá contra cortes no orçamento do governo e, entre outras questões, preocupações com as perspectivas econômicas em meio à estagnação dos salários. >
Em agosto, vários protestos eclodiram contra os benefícios de moradia concedidos a parlamentares. >
Hashtags como #IndonesiaGelap (Indonésia Sombria) e #KaburAjaDulu (Fuja primeiro) circularam nas redes sociais, incentivando as pessoas a buscarem oportunidades em outros locais. >
Zikri Afdinel Siregar, um estudante universitário de 22 anos que vive no norte de Sumatra, na Indonésia, participou de uma manifestação no início do mês, revoltado com o fato de parlamentares locais receberem auxílios-moradia de 60 milhões de rúpias por mês (R$ 19.100), o que equivale aproximadamente 20 vezes a renda média da população. >
Na província de Riau, os pais de Zikri têm uma pequena plantação de borracha e fazem trabalhos agrícolas nas terras de outras pessoas, ganhando cerca de 4 milhões de rúpias por mês (R$ 1.275).>
Ele tem trabalhado como taxista de moto para ajudar a pagar as mensalidades da universidade e o custo de vida. >
"Ainda há muitas pessoas que têm dificuldade até para comprar itens básicos, especialmente comida, que continua cara hoje em dia", diz. >
"Mas, por outro lado, os governantes estão ficando cada mais ricos, e os benefícios deles só aumentam.">
No Nepal, um dos países mais pobres da Ásia, os jovens têm expressado desilusão semelhante com o que eles consideram um sistema injusto. >
Dois anos atrás, um caso chocou o país: um jovem empreendedor morreu depois de colocar fogo em si mesmo na frente do prédio do Parlamento. >
Em seu bilhete suicida, ele culpou a falta de oportunidades. >
Dias antes de os protestos começarem no Nepal, o governo anunciou a proibição da maioria das plataformas de rede social por não cumprirem com prazos de registro. >
O governo alegou que o objetivo era combater discurso de ódio e fake news, mas muitos jovens nepaleses viram isso como uma tentativa de silenciá-los. >
Aditya foi um deles. >
Ele e quatro amigos se reuniram em uma biblioteca em Katmandu com celulares e computadores, e usaram plataformas de inteligência artificial como ChatGPT, Grok, DeepSeek e Veed para criar 50 vídeos para redes sociais sobre os nepo babies e corrupção. >
Nos dias seguintes, eles publicaram os vídeos — principalmente no TikTok, que ainda não tinha sido banido — usando múltiplas contas e redes privadas virtuais para evitar de serem detectados. >
Eles chamaram o grupo de "Gen Z Rebels" (Rebeldes da Geração Z, na tradução literal para o português). >
O primeiro vídeo, com a música The Winner Takes It All, do Abba, era um clipe de 25 segundos do casamento que havia enfurecido Aditya semanas antes, com imagens da família do político e manchetes do evento. >
A gravação terminava com um chamado: "Eu vou me juntar. Eu lutarei contra a corrupção e o elitismo político. E você?">
Outros grupos do Nepal e do exterior também criaram clipes e compartilharam usando o Discord. >
A plataforma de bate-papo para gamers tem sido usada por milhares de manifestantes no Nepal, onde discutem os próximos passos e sugerem quem nomear como líder interino do país.>
Nas Filipinas mais de 30 mil pessoas contribuíram para uma discussão no Reddit conhecida como "lifestyle check", na qual muitos postam detalhes sobre os ricos e poderosos. >
O fato de jovens utilizarem a tecnologia para movimentos de massa não é algo novo. >
No início dos anos 2000, mensagens de texto impulsionaram a segunda Revolução de Poder Popular nas Filipinas, enquanto a Primavera Árabe e o movimento Ocupe Wall Street, na década de 2010, dependeram muito do Twitter. >
O que é diferente hoje é a sofisticação da tecnologia, com uso amplo de celulares, redes sociais, aplicativos de mensagens e, agora, da inteligência artificial, tornando mais fácil para as pessoas se mobilizarem. >
"É com isso que [a geração Z] cresceu, é assim que ela se comunica. A forma como essa geração se organiza é uma manifestação natural disso", diz Steven Feldstein, pesquisador sênior do Carnegie Endowment for International Peace.>
A tecnologia também tem ajudado a criar um senso de solidariedade entre manifestantes de diferentes países. >
Um logotipo de caveira no estilo de desenho de quadrinhos, popularizado por manifestantes indonésios, foi adotado também por protestantes filipinos e nepaleses, aparecendo em bandeiras de protestos, vídeos e fotos de perfil nas redes sociais. >
A hashtag #SEAblings — um trocadilho com a palavra siblings (irmãos, na tradução para o português) e as siglas em inglês de Sudeste Asiático (SEA) — também viralizou online, à medida que filipinos, indonésios e outras nações manifestavam apoio aos movimentos anticorrupção uns dos outros. >
É verdade que a Ásia já presenciou ondas semelhantes de solidariedade política na região, desde os levantes de Myanmar e nas Filipinas no fim da década de 1980 até a Aliança do chá com leite, que começou em 2019 com as manifestações de Hong Kong, segundo Jeff Wasserstrom, historiador da Universidade da Califórnia em Irvine. >
Mas ele afirma que desta vez é diferente. >
"[Hoje em dia] as imagens [dos protestos] circulam mais longe a mais rápido do que antes, então há uma saturação muito maior de imagens do que está acontecendo em outros lugares.">
A tecnologia também tem alimentado as emoções.>
"Quando você vê no celular as mansões, o carro de luxo, isso só faz com que [a corrupção] pareça mais real", diz Ash Presto, socióloga filipina da Universidade Nacional Australiana. >
O impacto é especialmente forte entre os filipinos, que estão entre os usuários mais ativos de redes sociais no mundo, ela acrescenta. >
Esses protestos têm levado a sérias consequências no mundo real.>
Prédios foram queimados, casas saqueadas e destruídas, e políticos arrancados de suas residências e espancados. >
Somente os danos a edifícios e comércios somam centenas de milhões de dólares. >
Mais de 70 pessoas foram mortas no Nepal e 10 pessoas morreram na Indonésia. >
Os governos têm condenado a violência. >
O presidente indonésio, Prabowo Subianto, criticou o que ele chamou de comportamento "tendendo à traição e ao terrorismo e à destruição de instalações públicas, saques em residências". >
Nas Filipinas, o presidente Ferdinand Marcos disse que os manifestantes têm razão em se preocupar com a corrupção, mas pediu que os protestos fossem pacíficos. >
Enquanto isso, a ministra filipina Claire Castro alertou que pessoas com "más intenções querem desestabilizar o governo" e estão se aproveitando da indignação popular. >
Os manifestantes, contudo, culpam "infiltrados" pela violência e, no caso do Nepal, muitos alegam que o alto número de mortos se deve à repressão excessiva por parte da polícia (algo que o governo afirmou que irá investigar). >
Em meio a tudo isso, os governos também reconheceram as preocupações dos manifestantes e, em alguns casos, concordaram com certas demandas. >
Na Indonésia, o governo revogou alguns dos incentivos financeiros para parlamentares, como o polêmico auxílio-moradia e viagens ao exterior. >
Nas Filipinas, foi criada uma comissão independente para investigar o possível uso indevido de verbas destinadas à prevenção de enchentes.>
A pergunta agora é: o que vem depois da fúria?>
Poucos protestos impulsionados pelo meio digital se traduziram em mudanças sociais fundamentais, apontam especialistas, especialmente em lugares onde problemas como corrupção estão profundamente enraizados. >
Isso se deve, em parte, à natureza sem liderança dessas manifestações, o que, por um lado, ajuda os manifestantes a escapar de repressões, mas também dificulta a tomada de decisões a longo prazo. >
"As redes sociais não foram feitas para promover mudanças a longo prazo... você depende de algoritmos, indignação e hashtags para manter o movimento vivo", pontua Feldstein. >
"A mudança exige que as pessoas encontrem uma forma de sair de um movimento online disperso para um grupo com visão a longo prazo, com laços tanto físicos quanto digitais. É preciso que surjam estratégias políticas viáveis, não apenas seguir com uma abordagem de 'tudo ou nada, vamos queimar tudo'.">
Isso ficou evidente em conflitos anteriores, inclusindo em 2006, quando millennials nepaleses participaram de uma revolução que derrubou a monarquia, após uma insurgência maoista e uma guerra civil de uma década. >
Mas o país acabou passando por um ciclo de 17 governos, enquanto sua economia estagnava. >
A geração anterior de manifestantes nepaleses "acabou se tornando parte do sistema e perdeu seu fundamento moral", argumenta Narayan Adhikari, cofundador do Accountability Lab, um grupo de combate à corrupção. >
"Eles não seguiram os valores democráticos e voltaram atrás em seus próprios compromissos.">
Mas Aditya promete que desta vez será diferente. >
"Estamos constantemente aprendendo com os erros de gerações anteriores", diz, com firmeza.>
"Eles idolatravam seus líderes como se fosse Deus. Agora, nesta geração, não seguimos ninguém como se fosse Deus.">
Reportagem adicional de Astudestra Ajengrastri e Ayomi Amindoni da BBC Indonésia, e Phanindra Dahal da BBC Nepal.>
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