Publicado em 14 de novembro de 2023 às 17:48
Em decorrência das altas temperaturas, 15 Estados brasileiros e o Distrito Federal estão sob alerta de "grande perigo", segundo diferentes agências de metereologia.>
A onda de calor, que pode persistir em algumas localidades durante toda a semana, deve levar a recordes históricos de temperatura em diversas cidades — há locais em que os termômetros podem marcar até 13 ºC a mais do que esperado para esta época do ano.>
A sensação térmica também pode ultrapassar os 50 ºC em algumas cidades.>
Mas o que explica o fenômeno? Uma conjunção de fatores — como o El Niño, a formação de um "domo de calor"e as mudanças climáticas — ajudam a entender o que está acontecendo agora no Brasil.>
>
Estudos publicados recentemente também revelam que as ondas de calor do tipo estão se tornando cada vez mais comuns no país.>
A má notícia é que eventos como esse podem se tornar ainda mais frequentes e intensos daqui em diante — e, de acordo com os especialistas, é urgente discutir planos de mitigação e adaptação a eventos climáticos extremos, como verões muito intensos e chuvas torrenciais.>
Entenda todo estes pontos ao longo desta reportagem.>
Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que a atual onda de calor não configura um fenômeno isolado no Brasil: segundo um relatório do Instituto Nacional de Metereologia (Inmet), vinculado ao Ministério da Agricultura e Pecuária, a temperatura média bateu recordes no país nos últimos quatro meses.>
O levantamento, publicado em 8 de novembro, usa dados das estações meteorológicas espalhadas por todo o território nacional.>
Os resultados mostram que, entre julho e outubro de 2023, as temperaturas ficaram acima da média registrada para esses períodos em anos anteriores.>
Em julho, por exemplo, a temperatura média era de 21,9 ºC. Mas, em 2023, esse número ficou em 23 ºC — um desvio de 1 ºC em relação ao que era esperado.>
Esse desvio se repetiu em agosto (1,4 ºC), setembro (1,6 ºC) e outubro (1,2 ºC) — e, diante da onda de calor mais recente, deve manter-se acima da média histórica também em novembro.>
"O cenário indica que o ano de 2023 será o mais quente desde da década de 1960", aponta o relatório do Inmet.>
"Estes resultados corroboram as perspectivas encontradas por outros órgãos de meteorologia internacional, pois, segundo pesquisadores do Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus da União Europeia, é improvável que os dois últimos meses deste ano revertam este recorde, tendo em vista que a tendência é de altas temperaturas em todo o mundo até novembro", conclui o instituto.>
E aqui vale lembrar que as ondas de calor não foram um problema exclusivo do Brasil nos últimos meses.>
Um estudo divulgado pela organização Climate Central em 9/11 faz um balanço dos "12 meses mais quentes já registrado na História".>
Segundo os autores, que avaliaram dados de 175 países (incluindo o Brasil), houve uma elevação média de 1,3 ºC nos quatro cantos do planeta.>
"Durante todo esse período, 90% das pessoas (7,3 bilhões) experimentaram pelo menos 10 dias de temperaturas fortemente afetadas pelas alterações climáticas, e 73% (5,8 bilhões) passaram mais de um mês nessas condições", estima a pesquisa.>
O texto ainda aponta que, entre as nações do G20 (o grupo que reúne as maiores economias do planeta), nove tiveram problemas com ondas de calor entre maio e outubro de 2023 — na lista, o Brasil aparece como o sétimo mais afetado, atrás de Arábia Saudita, México, Indonésia, Índia, Itália e Japão, e na frente de França e Turquia.>
Mas como essa situação de momento se compara com o passado? Temos de fato mais ondas de calor agora do que nas últimas décadas?>
Segundo um levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a resposta é sim: o número de eventos climáticos extremos — como temperaturas muito altas, secas ou chuvas intensas — aumentou consideravelmente no Brasil de 1960 para cá.>
Para fazer essa afirmação, os pesquisadores levantaram estatísticas metereológicas de 1961 a 2020, que foram divididas em quatro grandes períodos: de 1961 a 1990, de 1991 a 2000, de 2001 a 2010 e de 2011 a 2020.>
O primeiro dado que chama a atenção tem a ver com as "anomalias positivas de temperatura máxima". Entre 1991 e 2000, essas ondas de calor não ultrapassavam um limite de cerca de 1,5 °C em comparação com a média histórica. >
Elas, porém, praticamente dobraram e atingiram 3 °C a mais em alguns locais — especialmente no Nordeste — entre 2011 e 2020.>
"No período de referência, a média de temperatura máxima no Nordeste era de 30,7 °C e subiu, gradualmente, para 31,2 °C em 1991-2000, 31,6°C em 2001-2010 e 32,2 °C em 2011-2020", detalha o Inpe, órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.>
Os autores também observaram mudanças significativas no regime de chuvas. O cenário é contrastante: houve uma queda na taxa média de precipitação (entre 10 e 40%) no Nordeste, em partes do Sudeste e no Brasil central.>
Já no Sul e em partes dos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, aconteceu o contrário: um aumento de 10 a 30% nas chuvas.>
Outros dois dados permitem entender esse contexto. Entre 1961 e 1990, parte do Nordeste e do Brasil central tinham entre 80 a 85 dias consecutivos sem chuva por ano. Esse número subiu para 100 dias mais recentemente, entre 2011 e 2020.>
Enquanto isso, no Sul, a precipitação máxima ocorrida em cinco dias ficava na casa dos 140 milimetros de água entre 1961 e 1990 — mais recentemente, a taxa subiu para 160 mm.>
O número de dias com "anomalias de ondas de calor" também sofreu um salto dramático. >
No período de referência (1961-1990), o número de dias com ondas de calor não passava de sete ao ano. "Para o período de 1991 a 2000, subiu para 20 dias; entre 2001 e 2010 atingiu 40 dias; e de 2011 a 2020, o número de dias com ondas de calor chegou a 52", revela o artigo.>
Ou seja: em três décadas, houve um salto de sete vezes na quantidade de dias no ano em que os brasileiros vivem sob uma temperatura bem alta.>
Vale destacar que a análise do Inpe vai até o 2020 — e, com isso, ainda não leva em conta os fenômenos de calor de 2023.>
"O mais recente relatório do IPCC [o painel sobre mudanças climáticas das Nações Unidas] destacou que as mudanças climáticas estão impactando diversas regiões do mundo de maneiras distintas", destacou Lincoln Alves, pesquisador do Inpe e coordenador do estudo.>
"Nossas análises revelam claramente que o Brasil já experimenta essas transformações, evidenciadas pelo aumento na frequência e na intensidade de eventos climáticos extremos em várias regiões desde 1961, que irão se agravar nas próximas décadas proporcionalmente ao aquecimento global”, complementou ele, em nota publicada no site da instituição.>
Segundo especialistas e relatórios publicados, a onda de calor atual não pode ser explicada por um único fator. Ela é resultado de uma série de fenômenos e mudanças que, juntas, fazem a temperatura subir.>
Em seu artigo, o Inmet chama a atenção para o El Niño, em que ocorre um aquecimento acima da média das águas do Oceano Pacífico nas proximidades da Linha do Equador (veja mais no infográfico abaixo).>
Quando essa porção do mar fica mais quente, há uma elevação da temperatura em varias regiões do planeta, inclusive em partes do Brasil.>
Mas, de acordo com o estudo da Climate Central, o El Niño "está apenas começando a aumentar as temperaturas e, com base nos padrões históricos, a maior parte do efeito do fenômeno será sentido no ano que vem".>
"Com base nos registros, é altamente possível que os próximos 12 meses sejam ainda mais quentes", antevê a instituição.>
A geógrafa Karina Lima, doutoranda e pesquisadora de clima na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), acrescenta que boa parte do território brasileiro se encontra agora sob uma espécie de "domo de calor".>
"Nesse fenômeno, forma-se uma área de alta pressão atmosférica que permanece numa mesma região e aprisiona o ar quente", explica ela.>
"Também há uma instabilidade de chuvas na periferia dessa massa de ar", complementa.>
Mas será que esse cenário atual é um prenúncio do que virá pela frente?>
Lima pondera que o El Niño turbina as temperaturas globais e favorece o aparecimento de ondas de calor.>
"Tudo isso está conectado. Observamos aumento na frequência e na intensidade dos eventos extremos. Há muita energia e calor acumulado no nosso sistema", avalia a pesquisadora.>
Por outro lado, a tendência é que o El Niño tenha um pico em 2024 — o que indica um verão bem quente pela frente. Depois, porém, o fenômeno que ocorre no Oceano Pacífico deve entrar numa fase neutra.>
"É provável que nem todos os anos sejam tão intensos como 2023. Mas a tendência é que, independentemente do El Niño, continuemos a experimentar eventos extremos relacionados à temperatura ou às chuvas", projeta Lima.>
Entre fenômenos globais e locais, não dá para ignorar aqui os efeitos das mudanças climáticas na frequência e na intensidade das ondas de calor.>
O relatório da Climate Central avalia que os recordes de temperatura registrados nos últimos meses em várias partes do mundo "não surpreendem" e fazem parte da "tendência de aquecimento alimentada pela poluição de carbono".>
"Enquanto a humanidade continuar a queimar carvão, petróleo e gás natural, as temperaturas continuarão a subir, e os impactos disso vão acelerar e se espalhar", alerta a entidade.>
Para lidar com o problema — ou ao menos mitigar seus efeitos na economia e na saúde de bilhões de pessoas — especialistas apostam justamente na transição energética rumo a fontes menos poluentes e na preservação das florestas. >
Os acordos políticos e diplomáticos que tentam viabilizar esse processo — discutidos anualmente nas cúpulas do clima organizadas pelas Nações Unidas — tentam assegurar que a subida dos termômetros pelos próximos anos não ultrapasse certos limites (como um aumento de até 1,5 °C em relação aos níveis pré-Revolução Industrial), para minimizar as consequências deletérias.>
A ideia, por exemplo, envolve substituir os combustíveis fosseis — que geram os gases por trás do efeito estufa e do consequente aquecimento do planeta — por fontes de energia sustentáveis e renováveis.>
Outro aspecto fundamental dessa equação está em reduzir drasticamente o desmatamento, especialmente de florestas tropicais como a Amazônia. Isso porque essas reservas contêm grandes quantidades de carbono e ajudam a frear a subida da temperatura global.>
"Essa mitigação não é simples, mas precisa ser feita para conseguirmos ficar no melhor cenário possível. Isso exige cortes drásticos, mudanças na matriz energética e alterações estruturais na nossa sociedade", pontua a geógrafa.>
"Cada décimo de grau a mais que evitarmos importa e faz toda a diferença, inclusive na ocorrência de eventos extremos.">
Lima ainda explica que, além da mitigação, é necessário discutir também a adaptação de cidades e bairros para esses cenários de calor extremo.>
"Nós não estamos preparados para a realidade de agora e para lidar com eventos de chuvas fortes ou calor intenso", observa ela.>
"Precisaremos repensar as cidades, aumentar a vegetação em locais estratégicos, como os pontos de ônibus e os locais em que as pessoas ficam expostas por um tempo prolongado, investir no isolamento térmico das casas, pintar telhados com cores mais claras, garantir o acesso a água potável e ao protetor solar, fazer campanhas de conscientização, evitar exposições ao calor que não sejam absolutamente necessárias...", lista ela.>
"Não damos o devido valor à urgência deste problema. As mudanças climáticas são uma questão transversal, que afeta todas as áreas da nossa vida, da segurança alimentar à saúde e a economia.">
"E esse é o maior desafio da Humanidade", conclui ela.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta