Publicado em 24 de agosto de 2024 às 17:28
A disputa pela Prefeitura de São Paulo na eleição de outubro tornou-se um dilema antes improvável para Jair Bolsonaro e seu grupo político. >
Enquanto o ex-presidente declarou formalmente apoio ao atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), um nome tem dominado os comentários de seus seguidores nas redes sociais: Pablo Marçal, o candidato do PRTB.>
"Sou Bolsonaro e estou com Marçal", escreveram dezenas de eleitores do ex-presidente.>
Os comentários de certa forma ilustram o que as últimas pesquisas de intenção de voto na capital paulista têm mostrado, a contragosto da família Bolsonaro.>
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A mais recente pesquisa do Datafolha, divulgada na quinta-feira (22/8), mostra que o empresário e influenciador Pablo Marçal cresceu em intenção de votos entre os bolsonaristas, o que o ajudou a já superar Nunes nos números. >
No resultado geral, o deputado federal Guilheme Boulos (PSOL) lidera numericamente com 23%, seguido por Marçal, com 21%, e o atual prefeito com 19%. Como a margem de erro da pesquisa é de três pontos percentuais, para mais ou para menos, os três estão tecnicamente empatados. >
A divulgação da pesquisa aconteceu em meio a trocas de farpas públicas entre Marçal e os Bolsonaro.>
Após dar alguns sinais de que a candidatura de Marçal tinha sua simpatia, o ex-presidente e seus filhos têm mostrado cada vez mais distanciamento do candidato do PRTB e reforçado o apoio a Nunes. >
O auge do movimento aconteceu nesta semana, quando o empresário, Jair Bolsonaro e seus filhos exibiram os desencontros em diálogos nas redes sociais.>
Para analistas políticos consultados pela BBC News Brasil, as rusgas públicas entre o candidato de direita mais bem posicionado na pesquisa em São Paulo e a família Bolsonaro mostram um receio do grupo político do ex-presidente de "perder o controle" ou o poder de influência preponderante sobre os eleitores da direita e da direita radical. >
"Marçal pode ser uma espécie de pós-Bolsonaro. Os Bolsonaro estão muito assustados e com razão", diz a cientista política Camila Rocha, pesquisadora no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que tem se dedicado a estudar a direita no Brasil.>
Entenda abaixo os contornos da disputa e o que está em jogo neste xadrez político que mira não apenas outubro, mas também 2026.>
Empresário de 37 anos nascido em Goiânia, Pablo Marçal é dono de um patrimônio milionário e de um império digital que conquistou antes de se lançar na política. >
Influenciador e vendedor de cursos de treinamento motivacional e estratégias de marketing digital e de geração de renda ("como gerar riqueza do zero" é um dos motes), ele tem no Instagram quase 13 milhões de seguidores, enquanto no TikTok tem 2,6 milhões e no YouTube, 3,5 milhões.>
Foi com esse cabedal que Marçal se candidatou pelo PRTB para governar a maior cidade do Brasil com uma plataforma que usa as mesmas bases de discurso de sua carreira como palestrante:>
"Deus vai mudar nossa sorte. A gente está sozinho. Nós, o povo, e Deus. [... ] Eu construi riqueza e você também vai construir. Chegou a hora do povo de São Paulo prosperar", disse em um programa de TV. >
Até o começo do mês, a convivência entre Bolsonaro e o candidato, com quem compartilha o discurso religioso e a retórica anti-esquerda e contrária aos políticos tradicionais, era cordial. Havia até demonstração pública de afinidade. >
Em entrevista à Folha após um encontro com Marçal, Bolsonaro disse apenas que "a essa altura do campeonato, eu não tenho como apoiá-lo". >
O ex-presidente deixou claro o compromisso com o atual prefeito Ricardo Nunes, mas deixou portas abertas em uma eventual presença de Marçal no segundo turno>
Também neste mês, em uma entrevista à rádio 96 FM de Natal (RN), Bolsonaro elogiou o influenciador: "pessoa inteligente". >
Antes, em junho, o ex-mandatário entregou a Marçal uma medalha de "imbrochável", termo que usou na campanha de 2022. >
Até esta semana, parecia que esse cenário de certa forma continuaria: com Bolsonaro apoiando Nunes, mas sem romper com Marçal. >
No entanto, a situação deu um giro, com o influenciador, o ex-presidente e seus filhos trocando acusações.>
Já em ascensão nas pesquisas, Marçal usou o Instagram para exibir uma aproximação com Bolsonaro. Em uma postagem do ex-presidente escreveu: "Pra cima, capitão. Como você disse: eles vão sentir saudades de nós.”>
Bolsonaro respondeu com uma pergunta irônica: "Nós? Abraços".>
Marçal rebateu dizendo: "Isso mesmo presidente. Coloquei 100 mil na sua campanha, te ajudei com os influenciadores, te ajudei no digital, fiz você gravar mais de 800 vídeos. Por te ajudar, entrei para a lista de investigados da PF. Se não existe o nós, seja mais claro.">
O ex-presidente diria ainda ao portal Metrópoles que Marçal "não tinha caráter". o influenciador, por sua vez, atacou o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) chamando-o de "retardado".>
Já o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) gravou um vídeo em que relembrou críticas de Marçal a seu pai no passado. >
Em 2022, o influenciador tentou ser candidato a presidente, sem sucesso, e disse que havia pouca diferença entre Bolsonaro e o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. >
No vídeo publicado nas redes, Eduardo alertou a seus seguidores que "no momento mais crucial [nas eleições de 2022]", Marçal não "tomou partido" e declarou: "Não existe direita no Brasil, existe Bolsonaro".>
"A direita não tem dono. A liberdade não tem dono", respondeu Pablo Marçal, dizendo respeitar o ex-presidente.>
Se o tamanho da influência dos Bolsonaro nas eleições municipais já era um dos principais temas da campanha e um foco de interesse dos cientistas políticos, a contenda aberta entre Marçal e o ex-presidente catapultou o debate.>
No começo deste ano, a cientista política Camila Rocha, do Cebrap, desenvolveu com outras duas autoras uma pesquisa com eleitores bolsonaristas justamente para saber como eles se posicionariam nas eleições municipais e colheu algumas pistas.>
Feito por meio de entrevistas qualitativas, uma das principais conclusões do estudo, chamado de "Bolsonarismo sem Bolsonaro?”, apontou na direção de que o apoio de Bolsonaro segue "importante" para os eleitores, mas nao é "fundamental".>
"O que as pessoas nos disseram foi que o mais importante era a adesão dos candidatos aos 'princípios do bolsonarismo'. Ou seja, que fale abertamente ser conservador, cristão, que acredita na meritocracia e que tenha compromisso com tudo isso", disse Rocha, em entrevista à BBC News Brasil.>
Esse "descolamento" se acentuou principalmente após Bolsonaro ser declarado inelegível pelos próximos 8 anos em decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) , segundo Rocha.>
Para o cientista político Claudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o cenário mostraria que o "bolsonarismo está sofrendo uma consequência adversa do seu próprio sucesso".>
"Eles firmaram o ideário reacionário e de extrema direita fortemente entre os eleitores do Brasil, de tal forma que esse ideário independe da liderança de Bolsonaro e sua família. O bolsonarismo em si não precisa ser o único operador da extrema direita", diz Couto. >
Para Camila Rocha, a postura de Marçal até agora indica que o candidato do PRTB compreeende a importância e a força que Bolsonaro ainda tem.>
"Ele não pode entrar em rota de colisão direta com Bolsonaro. Agora, com os filhos, tudo bem, porque as pessoas não gostam deles", diz Rocha, ressaltando que a imagem negativa dos filhos de Bolsonaro entre bolsonaristas é identificada em suas pesquisas.>
"Você tem meu respeito e admiração capitão, obrigado pelo que você fez pelo Brasil, em 2026 eu vejo você presidente, Tarcísio governador e eu prefeito, juntos governaremos esse país", escreveu Marçal em tom conciliador na sexta-feira.>
Claudio Couto concorda com Rocha que, para o candidato a prefeito, não é estratégico "implodir a relação" com Bolsonaro se ele quer galgar um espaço para se colocar como "substituto" dele.>
"O que ele não precisa é ser encarado como traidor e desafeto de Bolsonaro. Para ele, é positivo se colocar como alternativa e atacar as 'más influências', como os próprios filhos, mas preservando o alinhamento", avalia Couto .>
O pesquisador não descarta ainda que a família Bolsonaro, também à frente de milhares de seguidores nas redes, dê um passo atrás nas críticas à Marçal.>
Para os analistas, um dos pontos a ser notado na eleição em São Paulo é a escolha política de Bolsonaro em apoiar um candidato que não é "bolsonarista raiz", no caso o prefeito Ricardo Nunes, que é filiado a um partido de centro, o MDB.>
Coube ao PL de Bolsonaro indicar o vice de Nunes, o ex-coronel da Rota da PM Ricardo de Mello Araújo.>
Em entrevistas, Bolsonaro chegou a dizer que Nunes "não era seu candidato dos sonhos".>
Esses sinais mostrariam uma ambiguidade ao eleitor de direita que, segundo Camila Rocha, permite enxergar Marçal como o "bolsonarista de fato".>
"O Nunes é da política tradicional. Então, é o Marçal que pode se vender como o 'antissistema'", comenta.>
Claudio Couto concorda que Nunes não é encarado como um "candidato autêntico da extrema direita" pelo eleitorado.>
"Eu brinco que de um lado temos um bolsonarista envergonhado, que é o Nunes, e do outro um bolsonarista não correspondido, que é o Marçal".>
Segundo a mais recente pesquisa Datafolha, 44% dos eleitores de Bolsonaro escolhem Pablo Marçal em Sao Paulo, contra 30% do mesmo grupo que dizem que vão votar no atual prefeito Ricardo Nunes. Entre os que se declaram bolsonaristas, 46% escolhem Marçal.>
Mas, para saber se Marçal realmente vai se firmar no campo da direita, é preciso aguardar próximas pesquisas, para avaliar se o crescimento é sustentado, dizem os analistas.>
Ao decorrer da campanha, pode haver mudanças na intenção de voto na medida em que as propostas ficam mais conhecidas, os outros candidatos ficam mais expostos e os eleitores parem para pensar quem de fato vão escolher. >
Mas, caso Marçal consiga se eleger prefeito, os dois cientistas políticos apostam que a família Bolsonaro terá que "recalcular a rota". Outros analistas lembram que, mesmo se não sair exitoso, a experiência pode mostrar o potencial de super influenciadores em eleições majoritárias.>
Camila Rocha lembra que Marçal já deixou claro que o objetivo dele é se tornar presidente.>
"Acredito que, se ele se tornar prefeito, ele já vai estar mirando a eleição de 2026. E os Bolsonaro vão ter que lidar com isso".>
Já Claudio Couto acredita que a decisão de eleitores nesse pleito municipal pode mudar o jogo eleitoral em 2026, mas avalia que é preciso lembrar que o fenômeno Marçal só está sendo testado na cidade de São Paulo - ainda que o público do influenciador Marçal, com seus milhares de seguidores, seja nacional.>
“Ele é alternativa aos bolsonarismo nesse momento em São Paulo, é o produto mais parecido àquilo que eles buscavam nesse campo. Não quer dizer necessariamente que vai ser um fenômeno nacional.”>
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