Publicado em 22 de outubro de 2024 às 14:03
Nos belos e rigorosos planaltos desérticos do Estado americano do Novo México, é possível encontrar casas fantásticas e não convencionais que parecem ter saído de um filme de Star Wars.>
Algumas dessas residências são esculturalmente arredondadas e chegam a lembrar palácios. Outras se parecem com templos antigos.>
Elas foram criadas há quase 40 anos e ficam na cidade de Taos e arredores. São casas ecológicas, conhecidas como Earthships ("naves terrestres", em inglês) – residências net zero (que atingiram o equilíbrio entre a emissão e a absorção de carbono), projetadas de forma sustentável e construídas principalmente com materiais naturais e resíduos, como pneus velhos, garrafas de vinho vazias, madeira e barro.>
A construção das Earthships requer menos materiais de construção tóxicos ou emissores de carbono, como concreto e plástico. Elas também não consomem recursos naturais preciosos, como florestas, por exemplo. Por isso, a procura por essas residências diferenciadas vem crescendo em todo o mundo.>
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O valor de mercado das Earthships varia de cerca de US$ 500 mil a US$ 900 mil (cerca de R$ 2,8 milhões a R$ 5,1 milhões). Elas também são disponíveis para pernoite na região de Taos, por cerca de US$ 240 (cerca de R$ 1,4 mil) por noite.>
O movimento das Earthships começou em Taos nos anos 1970.>
O arquiteto Michael Reynolds, natural do Estado americano do Kentucky e fundador da empresa de construção ecológica Earthship Biotecture, mudou-se para a cidade em 1969. Seu objetivo era "praticar motocross, por diversão", segundo ele.>
Agora com 71 anos de idade, Reynolds conta que teve um momento de inspiração.>
"Eu vi [o âncora da TV americana CBS News] Walter Cronkite [1916-2009] falar sobre o desmatamento das florestas para extração de madeira, o que cria não só erosão, mas um problema de oxigênio, já que as árvores emitem oxigênio", contou ele à BBC.>
"Ele estava falando sobre o que chamamos, hoje, de mudanças climáticas e aquecimento global. Eu vi todas aquelas latas de cerveja jogadas fora e perguntei, 'por que não construímos com latas de cerveja em vez de árvores?'">
Reynolds construiu sua primeira casa de latas de cerveja em 1971, conquistando algum espaço no noticiário com sua singularidade.>
A casa foi exibida em várias partes do mundo, como o Museu do Louvre, em Paris, na França, e o Museu de Arte Moderna de Nova York, nos Estados Unidos.>
Reynolds destaca, com alguma incredulidade, que o Museu de Arte Moderna "simplesmente comprou um tijolo de latas de cerveja por US$ 4,5 mil (cerca de R$ 25,6 mil)." E, de fato, depois de usar um dos blocos de construção produzidos com latas de cerveja em uma exibição, o museu decidiu acrescentar um desses blocos à sua coleção permanente.>
Mas Reynolds ainda passou anos sendo basicamente considerado, quando muito, um maluco, não um arquiteto sério.>
"Era uma ideia meio que ridícula, pura fantasia, mas segui adiante e comecei a avançar naquela direção", ele conta.>
"Comecei a usar garrafas e pneus, e segui em frente. Continuo nesta direção há pelo menos 55 anos e, cerca de 36 anos atrás, dei a uma casa, pela primeira vez, o nome de Earthship.">
E levou ainda muito tempo até que sua ideia conseguisse a aceitação do público.>
"Sabe, elas pareciam muito esquisitas e ainda têm aparência estranha", ele conta. "Mas, agora, as pessoas estão entendendo.">
"E [muitas pessoas] também estão abertas porque estão a dois holerites [como são chamados os comprovantes de pagamento de salário em algumas regiões do Brasil] de serem despejadas – e ainda são prejudicadas pelas contas de energia elétrica e outros serviços públicos", explica Reynolds.>
Ele destaca o aspecto financeiramente empoderador de viver sem depender da rede elétrica. E, além disso, "as pessoas, agora, querem reverter as mudanças climáticas.">
A cidade de Taos atrai artistas e individualistas há muito tempo. A arquitetura da sua aldeia antiga e da cidade nova é surpreendente. São principalmente casas tradicionais de adobe, sustentadas por vigas de madeira, com tetos também de madeira e terra batida.>
Taos foi a incubadora perfeita para as Earthships, com suas grossas paredes de pneus cheios de terra.>
Uma margem de solo construída a propósito rodeia a Earthship em três lados. Ela fornece massa isolante, que controla a temperatura.>
Para a refrigeração, a casa utiliza janelas tradicionais, abertas em locais altos sobre vigas de sustentação para obter ventilação cruzada, além dos tubos de ventilação da própria construção.>
Reynolds acredita que cada pessoa deve ser capaz de cultivar seus próprios alimentos. Por isso, cada Earthship tem uma estufa, no lado norte ou sul, dependendo da localização.>
A maioria das Earthships consome apenas energia solar, mas algumas também têm turbinas eólicas como suplemento, ou um forno a lenha, como reserva.>
Em Taos, os invernos são frios e com neve. Muitas vezes, os verões são quentes e secos. Mas, na Earthship, a temperatura interna permanece perto de 21 °C por todo o ano, independente das condições meteorológicas externas.>
Reynolds conta que se mudou para sua primeira Earthship 35 anos atrás. Nela, ele criou sua família – e ainda vive na mesma casa. "É tão confortável que não queremos nos mudar", justifica ele, indiferente.>
Mas qual a sensação de estar dentro de uma Earthship? "Parece que você está dentro do útero", responde a gerente de construção da empresa, Deborah Binder.>
"Você se sente constantemente abraçado e aconchegado. A temperatura é sempre confortável. Às vezes, quando está muito frio no lado de fora, saio sem casaco sem perceber, porque está muito quente dentro de casa.">
Binder aderiu ao projeto 11 anos atrás, para gerenciar um projeto sem fins lucrativos no Maláui. Ela conta que não tinha nenhuma experiência na construção de casas.>
Ela não só ficou na empresa, como acabou se mudando para Taos. Atualmente, ela aluga uma Earthship, enquanto constrói a sua própria residência.>
Binder também leciona na Academia Earthship, que atrai alunos de todos os tipos para aprender os princípios do projeto das Earthships, sua filosofia e os métodos de sua construção.>
"A maioria das pessoas querem aprender por si próprias", conta Binder. "Algumas aprendem para construir para projetos comunitários.">
Apesar do seu apelo ambiental, as Earthships ainda não são aceitas como opção para reduzir a crise habitacional e combater as mudanças climáticas. "Elas ainda são marginalizadas", afirma Binder.>
"É muito importante que as pessoas fiquem em uma [Earthship]. A sensação que você tem ao morar nelas é única. E, em termos práticos, você não paga as contas de serviços. É incrível.">
"Quando as pessoas experimentam as casas, elas normalmente querem uma", acrescenta Reynolds. E a grande quantidade de testemunhos elogiosos nos livros de presença em cada aluguel das Earthships confirma esta afirmação.>
Reynolds acredita que o momento atual não poderia ser mais oportuno para fazer com que as Earthships se tornem padrão – e até com urgência. O objetivo do arquiteto é construir habitações comunitárias para aluguel, em resposta à falta de moradia e ao consumo de energia, que está devastando o planeta.>
"Não estou muito interessado em encomendas; ter um cliente só me faz ir mais devagar", segundo ele. "Preciso construir rápido e alugar para as pessoas por preços justos.">
Reynolds avança a todo vapor com seu recente modelo Earthship Refúgio, mais eficiente. Ele acredita que poderá ajudar a reduzir a pobreza e a falta de moradia, devido à simples economia de não precisar pagar enormes contas de serviços públicos todos os meses.>
"O Refúgio é o modelo com construção mais econômica, que iremos reproduzir em todo o mundo", defende ele, apaixonadamente.>
Além do Refúgio, existe também o curioso modelo Atlantis – uma Earthship azul-turquesa com curvas surpreendentes. Ela foi criada como exemplo do lado artístico e escultural das construções.>
"Existe nelas um lado artístico", explica Reynolds. "Usei as garrafas como vitral e existe o aspecto escultural. Elas são bonitas.">
Reynolds conseguiu cursar a faculdade de arquitetura trabalhando como artista. Para ele, "o que realmente é bonito é que elas cuidam das pessoas, enquanto cuidam do planeta.">
"Nada tem tanto significado na arte quanto uma casa.">
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel.>
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