Publicado em 8 de setembro de 2025 às 16:33
O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — e também de sete outros réus que integraram seu governo, todos réus por tentativa de golpe de Estado — começa nesta terça-feira (2/9).>
O Supremo Tribunal Federal (STF) reservou uma sequência de sessões, em 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro, na qual a Primeira Turma decidirá o futuro dos acusados.>
A condenação de Bolsonaro foi pedida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que o acusou de liderar organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. >
O ex-presidente e os demais réus negam as acusações.>
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Mas, se for condenado, quais recursos podem ser utilizados pela defesa do ex-presidente para recorrer à decisão?>
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Independentemente do placar, se Bolsonaro for condenado, sua defesa pode apresentar embargos de declaração. Trata-se de um recurso que, como regra geral, não muda o mérito, mas pode levar a uma redução de pena, por exemplo.>
Maíra Fernandes, advogada criminalista e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), explica que os embargos declaratórios podem ser usados em caso de omissão, obscuridade ou contradição.>
Se a decisão deixar de responder a algum fato ou ponto levantado pela defesa, cabem embargos declaratórios por omissão.>
"A decisão tem que abordar todos os pontos levantados pela defesa", diz ela.>
As alegações finais da defesa do ex-presidente foram apresentados ao Supremo no último dia 13, quando os advogados protocolaram um documento de 197 páginas afirmando que a acusação da PGR é "absurda" e que não há provas que liguem o ex-presidente aos planos para matar autoridades "e muitos menos aos atos de 8 de janeiro".>
A defesa também argumentou que a delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, deve ser anulada, classificando-o como um "delator sem credibilidade".>
A decisão, que caberá à Primeira Turma, composta pelos ministros Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Flávio Dino, também deve ser clara. Caso não seja, a defesa pode entrar com embargos declaratórios por obscuridade. >
Fernandes menciona como exemplo a solicitação que a defesa fez por esclarecimentos diante da decisão de Moraes proferida em julho, determinando que o ex-presidente não aparecesse nas redes sociais.>
Mas se a decisão for contraditória, capaz de gerar dúvida ou de levar a conclusões diferentes, a defesa pode interpor embargos declaratórios por contradição.>
Os embargos declaratórios podem ser apresentados por somente uma ou mais razões, e são julgados pela mesma turma na qual o julgamento ocorreu.>
"Raríssimas vezes esse embargo tem a capacidade de alterar o mérito do que foi decidido", afirma David Tangerino, advogado criminalista e professor de direito da FGV-SP. "Você completa lacunas, esclarece pontos, mas o resultado permanece o mesmo.">
A pena, neste caso, só começa a ser cumprida após trânsito em julgado - ou seja, após esgotados todos os recursos.>
Mas, segundo a assessoria de imprensa do Supremo, pela jurisprudência do caso Mensalão - que julgou o pagamento de mesadas a parlamentares em troca de apoio no Congresso - a pena pode ser executada antes. >
Isso ocorrerá se, após o esclarecimento da corte, a defesa apresentar novos embargos declaratórios que forem considerados protelatórios. Ou seja, cujo objetivo é atrasar o andamento do processo. Neste caso, pode ser determinada a execução da pena.>
Havendo condenação, e se ela não for por unanimidade, a defesa pode entrar com embargos infringentes. Este é o único recurso capaz de modificar a pena.>
O regimento interno do Supremo prevê que, dos onze ministros, ao menos quatro precisam votar favoravelmente para o acusado, no sentido de absolvê-lo, para que caibam os embargos infringentes. >
Ou seja, o recurso não cabe para votos divergentes relacionados, por exemplo, à dosimetria da pena ou em questões processuais. >
No caso de processos julgados por uma das duas turmas - compostas por cinco ministros cada - são necessários dois votos pela absolvição, segundo a assessoria de imprensa da corte. >
Mas a regra não menciona a quantidade de votos necessários no caso de julgamentos em turmas. >
O entendimento de agora pode ter sido baseado na jurisprudência, segundo Tangerino.>
Ele explica que essa foi uma questão debatida recentemente, após o julgamento do ex-prefeito de São Paulo e ex-deputado, Paulo Maluf (PP-SP), condenado pela Primeira Turma em 2017 por lavagem de dinheiro. >
Na época, a defesa interpôs os embargos infringentes, baseando-se no voto do então ministro Marco Aurélio, que, por entender que havia prescrição no caso, votou por sua anulação - e não pela absolvição do réu. >
No plenário, os ministros rejeitaram o recurso, entendendo ser necessário ao menos dois votos a favor do réu em julgamentos nas turmas, para serem cabíveis embargos infringentes. >
"Não existe uma regra expressa", diz Tangerino. "Mas eu acho que a defesa vai tentar, mesmo se houver somente um voto absolvendo Bolsonaro, dizer que, na ausência de regra, vale a do Código do Processo Penal, de que basta um [voto a favor do réu]". >
O jurista se refere a casos julgados em segunda instância, quando é necessário somente um voto a favor do réu.>
Neste processo, o ministro Luiz Fux é o único que já apresentou divergências em relação a decisões de Moraes.>
Em março, o voto do ministro foi o único favorável ao pedido da defesa de Bolsonaro para que seu julgamento fosse realizado pelo plenário, e não pela turma. >
Já em julho, o ministro novamente divergiu, e foi o único a votar contra as medidas restritivas impostas por Moraes, como o uso da tornozeleira eletrônica e o veto ao uso das redes sociais.>
"Não à toa, a defesa de Bolsonaro parece ter focado muito no [ministro Luiz] Fux, que durante o julgamento havia dado declarações contrárias ao Moraes", observa Fernandes.>
Cabendo o recurso, a decisão será julgada novamente, mas, desta vez, pelos onze ministros no plenário. >
Sobre os prazos, caso Bolsonaro seja condenado pela Primeira Turma do STF, o passo seguinte é a publicação do acórdão da decisão, que pode ocorrer em até 60 dias após o julgamento.>
Depois dessa publicação, as defesas têm cinco dias para apresentação dos embargos declaratórios e 15 dias para os embargos infringentes.>
Como o STF tem jurisprudência para vedar habeas corpus contra decisões próprias - salvo em casos de flagrante ilegalidade ou abuso de poder - os embargos infringentes e declaratórios seriam os únicos recursos para a defesa na corte. >
Mas há outros caminhos para a defesa do ex-presidente que não passam pelo Supremo. Ao menos não completamente. >
Um deles é o indulto, um benefício previsto no Código Penal, que pode ser concedido pelo presidente da República por meio de um decreto.>
De maneira geral, os indultos costumam ser concedidos coletivamente, como os natalinos ou para gestantes de alto risco. No entanto, o presidente também pode indultar alguém individualmente, e, neste caso, o termo técnico é graça. >
Em 2022, quando Bolsonaro era presidente, ele assinou um decreto concedendo o benefício ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). >
Silveira havia sido condenado a oito anos e nove meses de prisão, multa, perda do mandato e suspensão dos seus direitos políticos pelos crimes de coação em processo judicial e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União.>
Os crimes, segundo a denúncia, aconteceram entre 2020 e 2021, quando ele divulgou vídeos em redes sociais atacando o STF e o Estado Democrático de Direito, defendendo uma intervenção militar e ofendendo pessoalmente membros da corte.>
Mas em maio de 2023, o Supremo anulou o indulto por unanimidade, entendendo que houve desvio de finalidade na concessão do benefício, dado somente porque o ex-deputado era aliado político de Bolsonaro.>
Além disso, os ministros entenderam que as ameaças proferidas pelo ex-deputado configuram crime político, contra o Estado Democrático de Direito, e, por este motivo, não é passível do benefício.>
Já a anistia seria outra maneira de se recorrer à pena. A discussão do tema está no Congresso por meio de um projeto de lei que prevê perdão aos que participaram dos atos golpistas de 8 de janeiro e de manifestações antes ou depois da data, contanto que sejam relacionadas ao evento.>
A oposição vem pressionando o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) para colocar o projeto na pauta, algo que ainda não ocorreu. >
Mas na hipótese de ser aprovado, ainda caberá ao Supremo decidir se o pedido de anistia é válido ou não.>
Nos dois caminhos - indulto ou anistia - o benefício é concedido e, posteriormente, o Supremo julga sua constitucionalidade. E isso pode levar um tempo, como ocorreu no caso de Daniel Silveira, cuja decisão da corte de anular o benefício ocorreu mais de um ano após sua condenação. >
Bolsonaro está em prisão domiciliar desde o dia 4 de agosto, decretada por Alexandre de Moraes.>
A medida cautelar foi determinada pelo ministro no âmbito do inquérito que apura a conduta do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) pelos crimes de coação no curso do processo, obstrução de investigação da chamada trama golpista e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.>
O inquérito foi aberto em maio, a pedido da PGR. Segundo a Procuradoria, Eduardo Bolsonaro, que vive nos Estados Unidos, tem feito declarações públicas e postagens em redes sociais afirmando que atua para o governo norte-americano impor sanções a ministros do STF e a integrantes da PGR e da Polícia Federal.>
A prisão domiciliar do ex-presidente foi determinada, portanto, em uma ação diferente da que começa a ser julgada agora.>
Por isso, teoricamente, o tempo que ele está cumprindo em casa não poderia ser descontado de uma eventual condenação agora.>
Mas Maíra Fernandes explica que, caso Bolsonaro seja condenado nos dois processos, a pena se unifica. >
Assim, a defesa pode entrar com um recurso chamado detração do tempo, que abate o tempo que ele já cumpriu de prisão domiciliar do tempo total das penas. >
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