Publicado em 22 de janeiro de 2025 às 15:45
Quando Donald Trump chegou à Casa Branca nesta segunda-feira (20/1), logo após sua cerimônia de posse, um detalhe da decoração chamou a atenção dos presentes: o retrato de Andrew Jackson no Salão Oval.>
Um retrato do polêmico sétimo presidente americano, que governou o país de 1829 a 1837 e de quem Trump se declara admirador, já decorava o gabinete de trabalho do republicano em seu primeiro mandato (2017-2021), mas havia sido retirado por Joe Biden.>
A volta de Trump ao poder, e o novo quadro de Jackson em destaque, fez ressurgir comparações entre os dois.>
Assim como Trump em 2020, Jackson perdeu a eleição de 1824. >
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Após a derrota, inspirou um movimento popular, criou um partido político à sua imagem e concorreu novamente quatro anos depois, sendo vitorioso no pleito de 1828.>
Primeiro presidente americano que não fazia parte da elite fundadora do país, Jackson era considerado um outsider em Washington.>
Ele defendia a ideia de que o governo pertencia ao povo, e não os ricos, e muitos historiadores o descrevem como "o primeiro populista" a chegar à Casa Branca.>
Seu impacto no cenário político dos Estados Unidos foi tão profundo que ele ganhou um período histórico batizado com seu nome: a Era Jacksoniana (de 1828 até cerca de 1854).>
Mas Jackson também é uma figura controversa, criticado por manter pessoas escravizadas e por ser responsável pelo deslocamento forçado e morte de dezenas de milhares de indígenas, em um episódio que ficou conhecido como "O Caminho das Lágrimas".>
A comparação com Trump vem desde a campanha de 2016 e foi incentivada pelo próprio republicano e por seus assessores.>
Em março de 2017, pouco tempo após tomar posse, Trump visitou o Hermitage, a propriedade de Jackson no Estado do Tennessee, e depositou uma coroa de flores em seu túmulo. "Visita inspiradora. Sou fã", disse Trump na ocasião.>
No entanto, assim como é possível encontrar semelhanças entre os dois presidentes, há diferenças marcantes.>
"Você pode notar algumas semelhanças, algumas meras coincidências, mas as diferenças podem ser igualmente importantes", diz à BBC News Brasil o historiador Daniel Feller, professor emérito da Universidade do Tennessee.>
"Acho que essa ideia de comparar Jackson a Trump é uma brincadeira boba", afirma Feller, que é especialista nesse período histórico e editor de um projeto para coletar e publicar todo o registro literário existente de Jackson.>
Segundo Feller, porém, a comparação serviu a um propósito político, tanto para Trump quanto para seus adversários.>
"Uma maneira de [resumidamente] descrever Jackson é que ele era um outsider em Washington, o establishment político o odiava, ele era considerado inapto para o cargo por muitos, mas as pessoas comuns o amavam", observa Feller.>
De acordo com o historiador, para um político buscando um modelo, como Trump em 2016, essa imagem de Jackson é perfeita. Mas ele lembra que os críticos de Trump também aceitaram a analogia, com propósito oposto.>
"Seus críticos disseram: 'sim, você é como Jackson, um tirano, intolerante, demagogo, racista'", ressalta Feller.>
Jackson cultivava a imagem de representante do "cidadão comum" e ficou conhecido como um "presidente do povo". >
Ele foi eleito com uma plataforma de rejeição às elites e a promessa de "limpar" Washington.>
Trump também chegou à Casa Branca em 2017 como um outsider, com a promessa de "drenar o pântano" e dar voz aos "deploráveis" — segundo o termo usado de forma pejorativa por sua adversária, Hillary Clinton, e posteriormente adotado com orgulho por seus seguidores.>
Mas as trajetórias de ambos até chegarem ao poder são bem diferentes.>
Trump vem de uma família rica e herdou milhões de dólares do pai, um empresário do setor imobiliário. Jackson também era rico quando chegou à Presidência, mas ele fez fortuna sozinho e tinha origem mais humilde.>
Quando Jackson nasceu, em 1767, na divisa entre os Estados da Carolina do Sul e da Carolina do Norte, seu pai já havia morrido. Sua mãe e seus dois irmãos morreram quando ele ainda era criança.>
Seu populismo, argumentam historiadores, não era motivado por oportunismo, e sim resultado de sua experiência de vida.>
Enquanto Trump escapou do serviço militar, Jackson lutou na Revolução Americana (1765–1783) ainda adolescente, e aos 13 anos de idade, chegou a ser capturado e mantido em cativeiro pelas forças britânicas.>
Ele fez carreira no Exército e colecionou vitórias como general. Após comandar a campanha vitoriosa contra os britânicos na Batalha de Nova Orleans, em 1815, se transformou em herói nacional.>
Nos campos de batalha, ganhou fama pela determinação e coragem e pela disposição de lutar e sofrer ao lado de seus homens. >
Sobreviveu a diversos ferimentos e doenças, entre elas reumatismo, disenteria, varíola e malária.>
Trump chegou a Washington em 2017 sem nenhuma experiência política, após uma vitória eleitoral que chocou o país.>
Jackson também era menosprezado pela elite de Washington, que o considerava um homem "ignorante" e "perigoso", que poderia colocar as instituições americanas em risco.>
No entanto, além de sua experiência militar, ele não era novato na política, com passagens pela Câmara e pelo Senado, além de uma carreira como juiz da Corte Superior do Tennessee.>
"Quando concorreu em 1824 e, novamente, em 1828, Jackson não tinha o currículo que se esperava de um candidato presidencial na época. Em particular, não tinha experiência como diplomata", lembra Feller.>
"Mas Jackson havia passado sua vida adulta inteira no serviço público. Trump foi eleito [em 2016] sem nunca ter ocupado ou concorrido a um cargo público", destaca o historiador.>
Jackson já era uma celebridade no país inteiro quando concorreu à Presidência, em 1824.>
Ele foi o candidato com o melhor desempenho tanto no voto popular (com 40,5%) quanto no Colégio Eleitoral (com 99 votos), mas ainda assim ficou abaixo da maioria necessária para garantir a vitória.>
Como o voto do Colégio Eleitoral ficou dividido entre quatro candidatos, nenhum com os 131 votos então necessários para vencer, a decisão final coube à Câmara dos Representantes — equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil.>
A votação na Câmara deu a vitória a John Quincy Adams, filho do ex-presidente John Adams (1797-1801) e então secretário de Estado, que havia recebido apenas 32,7% do voto popular e 84 votos no Colégio Eleitoral.>
Jackson e seus seguidores alegaram que a eleição havia sido "roubada" em uma manobra política do adversário, evitando que o escolhido do povo chegasse ao poder.>
Essa frustração impulsionou um movimento de base que transformou o cenário político no país. Jackson abandonou o Partido Democrata-Republicano e, com seus aliados, formou o Partido Democrata.>
O movimento liderado por ele levou a um aumento da participação popular e à democratização do processo de seleção de candidatos.>
Em vez de serem decididos por um pequeno grupo a portas fechadas, como antes, passaram a ser nomeados em convenções com a participação do eleitorado.>
Após vencer em 1828, Jackson quebrou várias das tradições que governavam Washington.>
O novo presidente instalou uma política de portas abertas na Casa Branca, onde qualquer pessoa era bem-vinda.>
Após sua cerimônia de posse, realizada em 4 de março de 1829 no Capitólio, milhares de apoiadores, muitos deles trabalhadores rurais vindos do interior do país, se dirigiram à Casa Branca para festejar.>
A imprensa da época traz relatos de móveis estragados e louças quebradas pela multidão.>
Durante seus dois mandatos, Jackson transformou o papel do presidente e expandiu os poderes do Executivo.>
Ele demitiu inimigos e nomeou aliados para posições no governo, alguns criticados por não terem as qualificações necessárias. Também passou a consultar um grupo de conselheiros sem cargos oficiais.>
Jackson muitas vezes tentou contornar controles institucionais. Ele ignorou decisões judiciais e protestos públicos e vetou um grande número de leis, levando cartunistas da época a descreverem o presidente como "Rei Andrew 1º".>
Apesar de ter sido inicialmente desprezado pela elite de Washington, Trump também acabou transformando o Partido Republicano à sua imagem.>
No momento em que começa o segundo mandato, após dois processos de impeachment e uma série de investigações e batalhas legais, seu domínio é completo, e aqueles que inicialmente resistiam a ele ou mudaram de posição ou abandonaram o partido.>
Trump não é o primeiro presidente americano a usar a imagem de Jackson como modelo. >
Jackson morreu em 1845 e, ao longo dos quase 200 anos desde que passou pela Casa Branca, serviu de inspiração para vários de seus sucessores.>
Tanto o democrata Harry Truman quanto o republicano Ronald Reagan estão entre os presidentes que decoraram o Salão Oval com imagens de Jackson.>
Theodore Roosevelt, Franklin Roosevelt, Lyndon Johnson e Reagan foram alguns dos que visitaram o Hermitage durante seus mandatos.>
No entanto, em décadas recentes a reputação de Jackson entrou em declínio, principalmente entre democratas, e alguns passaram a descrevê-lo como um símbolo do racismo.>
Ganharam destaque seu apoio à escravidão e seu tratamento brutal dos povos indígenas, especialmente com a Indian Removal Act, a lei de remoção sancionada por ele em 1830 e que forçou milhares a deixarem suas terras ancestrais.>
Dez anos atrás, durante o governo de Barack Obama, foi anunciado que a imagem de Jackson na nota de 20 dólares seria substituída pela da abolicionista Harriet Tubman. Até agora, porém, a mudança não foi realizada e não há previsão concreta de quando será feita.>
Feller salienta que, em sua época, Jackson se tornou um símbolo da democracia americana. "Um menino talvez não nascido pobre, mas sem vantagens [familiares], que por sua própria coragem se tornou um herói e depois presidente dos Estados Unidos", observa.>
"Para os americanos da época, o importante era que este era um país onde isso podia acontecer", ressalta Feller, lembrando que hoje há mais consciência de que essa possibilidade era, na época, reservada apenas a homens brancos.>
"Jackson se apresentava deliberadamente como a voz das pessoas comuns em Washington, o representante direto do povo americano no governo", diz Feller. >
"Hoje damos isso como certo, mas era novidade na época. Isso é parte de seu legado.">
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