Publicado em 10 de março de 2024 às 09:43
Stephanie Shirley foi para muitos (e por muitos anos) apenas "Steve".>
Foi com esse nome que ela assinou centenas de cartas para conduzir seu pioneiro negócio de programas de computador. Afinal, quando ela usava seu nome real – revelando seu gênero –, ninguém lhe dava importância.>
Nas décadas de 1950 e 1960, Shirley lutou contra o sexismo, criou postos de trabalho exclusivamente para mulheres e adotou ideias revolucionárias, como o trabalho remoto.>
Shirley tem hoje 91 anos e ninguém nunca acreditou que ela pudesse ter sucesso. Ainda assim, ela acumulou uma fortuna de quase £150 milhões (cerca de R$ 940 milhões).>
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Ela se tornou a primeira programadora independente do mundo e a primeira magnata do mundo tecnológico, tão lucrativo hoje em dia.>
Stephanie Shirley nasceu em Dortmund, na Alemanha, onde recebeu o nome de Vera Buchthal.>
Filha de um juiz judeu, ela precisou se separar dos pais em 1939, com apenas cinco anos de idade, frente à crescente ameaça nazista.>
Ela e sua irmã Renata, então com nove anos, tomaram o trem Kindertransport, que trouxe milhares de crianças judias refugiadas para o Reino Unido.>
"Eu agarrei a mão da minha irmã e ela, coitada, precisou cuidar de mim e dos seus próprios problemas", contou Shirley à BBC em 2019.>
As duas irmãs chegaram à região central da Inglaterra e lá foram adotadas. Elas mantiveram contato com os pais, mas Shirley conta que nunca recuperou totalmente sua relação com eles.>
Ela reconhece que a separação da família e a fuga da Alemanha definiram a pessoa que ela se tornou. E, em vez de paralisá-la, essa situação serviu para deixá-la mais forte.>
Desde criança, Stephanie Shirley se destacou pelo seu rendimento escolar, particularmente em matemática. Ela chegou a ser transferida para uma escola para meninos, que oferecia aulas mais avançadas de matemática.>
Ao terminar seus estudos, Shirley foi trabalhar na Escola de Pesquisa do Escritório dos Correios, que era líder no desenvolvimento e uso de computadores no Reino Unido. Foi nessa época que ela mudou o primeiro nome pra Stephanie. Uma das poucas funcionárias mulheres, ela ajudou a escrever programas de computador, o que era bastante incomum na época.>
Para evitar que seus pretendentes se espantassem, Shirley dizia que trabalhava nos correios. Sua esperança era que eles pensassem que ela vendia selos e que não competiria com eles.>
Foi ali que ela conheceu o físico Derek Shirley, com quem se casou. Ela então mudou seu sobrenome para Shirley.>
Ela adorava o trabalho no Escritório dos Correios, mas conta que, também ali, o sexismo a derrubou.>
"Meu chefe não me propôs uma promoção porque eu era mulher", contou ela à BBC em 2019.>
"Fiquei totalmente farta do sexismo", relembra ela. "Aprendi a ficar de costas para a parede para que ninguém pudesse passar e beliscar minhas nádegas. E aprendi a me manter fora do caminho de certas pessoas. Com o tempo, ganhei o suficiente e saí.">
Em 1962, Shirley decidiu abrir sua própria empresa de computação, a Freelance Programmers.>
O plano não parecia ter muita chance de dar certo. Primeiro, porque ela era mulher em um mundo que ainda era controlado pelos homens. Segundo, porque só tinha US$ 10. Ela também não tinha um escritório, mas apenas a sala de jantar da sua casa.>
E, para completar, sua ideia era vender programas de computador, que na época pareciam algo sem valor. As máquinas é que eram e sempre seriam importantes, na opinião dos especialistas.>
"Eles literalmente riram de mim", recordou ela, na entrevista à BBC. "Naquela época, os programas eram oferecidos de graça, de forma que tentar vendê-los era uma ideia nova.">
"Eles também riram de mim, sobretudo, porque eu era mulher. Mas sou uma pessoa orgulhosa e não gostei daquilo. De forma que fiquei determinada a sobreviver.">
E, com certeza, ela sobreviveu.>
Shirley começou a trabalhar muito. Ela escreveu centenas de cartas para possíveis clientes, tentando convencê-los de que, para poder realmente aproveitar um computador, era preciso desenvolver programas que dissessem às máquinas o que elas deveriam fazer.>
A indústria foi hostil e muitas das suas cartas foram ignoradas. Até que seu marido deu uma ideia: e se ela assinasse as cartas com o nome de um homem?>
Foi então que ela adotou o pseudônimo de Steve Shirley. Depois disso, as respostas logo começaram a chegar.>
Desde o primeiro dia, Stephanie Shirley prometeu que, sempre que fosse possível, a empresa só empregaria mulheres. E, de fato, dos seus primeiros 300 funcionários, 297 eram mulheres.>
Ela dava prioridade às que tinham filhos, já que elas teriam dificuldade para encontrar trabalho de outra forma.>
Shirley permitia que as mulheres trabalhassem em casa para se adaptarem mais facilmente à rotina com a criança. Foi uma decisão totalmente revolucionária nos anos 1960.>
As mulheres escreviam os programas de computador com lápis e papel e enviavam pelo correio. A empresa foi crescendo exponencialmente e chegou, no seu auge, a empregar mais de 4 mil mulheres.>
Em 1975, com a aprovação da Lei de Discriminação Sexual do Reino Unido, a empresa de Shirley foi obrigada a contratar homens. Ironicamente, uma empresa criada para combater o sexismo no trabalho subitamente corria o risco de infringir uma regulamentação que tinha exatamente a mesma finalidade.>
"É assim que deve ser", afirmou Shirley. "Uma força de trabalho mista é muito mais criativa.">
Na década de 1980, a empresa era mundialmente conhecida e criava a programação de grandes corporações. Algumas dessas criações foram emblemáticas, como a da caixa preta do avião Concorde.>
Stephanie Shirley dirigiu a Freelance Programmers por 25 anos. A empresa passou a ser cotada na Bolsa de Valores de Londres em 1996, com o nome Xansa.>
Naquele ano, Shirley surpreendeu novamente: ela deu uma parte das suas ações aos funcionários, que passaram a ser donos de mais da metade da companhia.>
Desde os anos 2000, Shirley se dedica à filantropia. Uma parte considerável do seu tempo e fortuna foi destinada ao estudo do autismo, já que seu filho Giles tinha sido diagnosticado com uma forma grave do transtorno. Ele morreu em 1998, aos 35 anos de idade.>
No ano 2000, o Reino Unido outorgou a Stephanie Shirley o título de "Dama" pelos seus "serviços na área da tecnologia da informação". Mas os amigos mais próximos a chamam, até hoje, de "Steve".>
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