Publicado em 19 de setembro de 2024 às 19:00
O X, antigo Twitter, parece estar mudando sua posição e iniciando um processo de cumprimento das ordens judiciais do Supremo Tribunal Federal (STF).>
A plataforma do bilionário Elon Musk retirou do ar contas que o ministro Alexandre de Moraes determinou que fossem suspensas, que já não estão disponíveis no Brasil nesta quinta-feira (19/9).>
Por uma decisão do ministro do STF, a rede social teve seu funcionando suspenso no país em 31 de agosto. Mas a plataforma voltou a funcionar nesta quarta (18) após uma mudança técnica que teria "driblado" os bloqueios impostos pelos provedores de telefonia e internet do Brasil.>
Após a reviravolta, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) afirmou "a conduta da rede X demonstra intenção deliberada de descumprir a ordem do STF". >
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Alexandre de Moraes também multou a plataforma em R$ 5 milhões por dia pelo que classificou como uma "dolosa, ilícita e persistente recalcitrância" em desobedecer às determinações.>
Em nota, porém, o X afirmou que restauração foi involuntária e tentou mostrar espírito de colaboração. >
"Continuamos os esforços para trabalhar com o governo brasileiro para que ela retorne o mais breve possível para o povo brasileiro", disse a plataforma na quarta. >
Ainda segundo reportagem da CNN Brasil, os advogados que representam a plataforma no Brasil afirmaram que o corpo jurídico do empresário nos Estados Unidos foi convencido de que, para voltar a atuar no país, seria necessário cumprir as decisões do ministro Alexandre de Moraes.>
De acordo com essas fontes, Musk concordou e, por isso, os perfis alvos das ordens judiciais começaram a ser bloqueados.>
Também segundo a CNN, um novo representante legal da empresa no Brasil será anunciado em breve.>
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Os últimos acontecimentos seguem um longo embate entre Elon Musk e o STF, que culminou na suspensão da plataforma no Brasil no fim de agosto.>
A decisão foi tomada após o X anunciar que não acataria uma decisão anterior da corte, que determinava o bloqueio de determinadas contas que, segundo inquérito brasileiro, disseminavam fake news e discurso de ódio. >
Além disso, a empresa fechou seu escritório e deixou de nomear um representante legal no país. As leis brasileiras exigem que um representante legal seja indicado.>
Elon Musk chegou a acusar Moraes de ser "um juiz falso e não eleito" e afirmou que a decisão do STF fere o direito à liberdade de expressão. Mas as últimas informações parecem indicar uma mudança de tom. >
Afinal, o que pode ter levado a essa alteração posição do X e de Musk? Especialistas consultados pela BBC News Brasil apontam três motivos que podem estar por trás disso.>
O advogado constitucionalista Felipe Autran Dourado, da Autran Dourado Advocacia e Consultoria, afirma que, do ponto de vista jurídico, todos os recursos disponíveis para que a plataforma seguisse em sua recusa de cumprir as ordens judiciais foram esgotados. >
"Todos os recursos fora a cooperação foram esgotados", disse. "Não se trata mais de uma decisão individual do ministro Alexandre de Moraes, mas do STF por meio de sua primeira turna", diz.>
"Essa questão chegou a um ponto em que se o X não tomar a atitude de cooperar, o bloqueio vai continuar de forma definitiva", argumenta Dourado. >
A decisão de manter a suspensão determinada por Moraes foi confirmada pela primeira turma do tribunal por unanimidade no início do mês. >
Nos seus votos no plenário virtual, os ministros justificaram por que concordam com a decisão de Moraes de bloquear o X.>
"A liberdade de expressão é um direito fundamental que está umbilicalmente ligado ao dever de responsabilidade. O primeiro não vive sem o segundo, e vice-versa, em recíproca limitação aos contornos de um e de outro", disse o ministro Flávio Dino em seu voto.>
"Com a imperativa moldura da soberania, não é possível a uma empresa atuar no território de um país e pretender impor a sua visão sobre quais regras devem ser válidas ou aplicadas.">
Para Bruna Santos, da Digital Action, uma organização global que advoga por melhores padrões digitais dos governos e das Big Tech, a recente disputa em torno da volta ao ar da plataforma também pode ter feito o X recuar.>
O retorno da rede foi possível graças a uma mudança técnica que teria "driblado" os bloqueios impostos pelos provedores de telefonia e internet do Brasil.>
Segundo a Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), o X passou a usar endereços de IP vinculados a servidores da Cloudflare — ma empresa que fornece serviços e pode atuar como um intermediário entre o servidor de um site e o usuário —, e não mais a uma infraestrutura própria.>
Ao fazer isso, o bloqueio anteriormente feito pelas operadoras brasileiras passou a não surtir mais efeito.>
A rede social disse que a mudança foi feita porque a infraestrutura para fornecer o serviço na América Latina ficou inacessível para sua equipe após o bloqueio no Brasil. >
Segundo a companhia, a alteração causou uma "restauração involuntária e temporária do serviço para usuários brasileiros".>
Mas a resposta de Moraes e da Anatel à violação do bloqueio pode ter pressionado o X, diz Bruna Santos.>
"Se de fato for comprovada uma mudança de posição, eu diria que questão da reorganização dos IPs possa ter escalonado ainda mais a situação a ponto do X dar uns passos para trás", afirma.>
Ainda segundo a especialista da Digital Action, pode ter havido pressão por parte dos investidores do X e de outras empresas ligadas a Musk por uma resolução do conflito.>
"A plataforma ainda depende em algum nível de investidores e, claro, de sua imagem pública", afirma.>
Musk comprou o Twitter em 2022 por US$ 44 bilhões. Segundo a revista Forbes, ele possui cerca de 74% da empresa, agora chamada X.>
"E tudo o que vem acontecendo também não fez muito bem para a imagem da plataforma, que teve também um êxodo considerável de anunciantes", completa Bruna dos Santos.>
Uma pesquisa publicada no início de setembro pela empresa dados Kantar, com base em entrevistas feitas com 18.000 consumidores e 1.000 profissionais de marketing ao redor do mundo, indicou que 26% dos profissionais da área estão planejando cortar gastos com anúncios no X em 2025.>
Segundo a análise, esse recuo estaria ocorrendo em decorrência de preocupações sobre a associação das marcas com conteúdos extremistas.>
Felipe Autran Dourado lembra ainda que outra empresa associada à Musk no Brasil, a Starlink, foi afetada pelas decisões judiciais do STF. >
A empresa do setor de internet via satélite teve suas contas bancárias e ativos financeiros bloqueados para pagamento de multas devidas pelo X à Justiça.>
Temores de que as atividades da Starlink no Brasil poderiam ser suspensas pelo STF também circularam depois que a empresa não cumpriu em um primeiro momento as ordens para impedir que seus clientes pudessem acessar a rede social de Musk a partir das suas conexões via satélite.>
A Starlink posteriormente anunciou que estava cumprindo as ordens e a possibilidade de suspensão do serviço de internet da empresa foi dissipada. Mas o mero receio de que a companhia pudesse ser tirada do ar no Brasil deixou clientes e especialistas preocupados.>
Em pouco mais de dois anos de operação, a empresa se transformou em líder no setor de internet via satélite no país. Neste período, passou a ser fornecedora de importantes órgãos públicos do governo federal como o Exército, a Marinha, os ministérios da Saúde e Educação além da gigante Petrobras.>
"O X e a Starlink são duas empresas diferentes, apesar de Musk ser sócio de ambas", diz Dourado. "Mas a Starlink está sendo prejudicada também e ali Musk tem que responder ainda mais aos acionistas do que no caso do X.">
Ao mesmo tempo, os especialistas apontam as duras críticas recebidas por Musk e pelo X no Brasil e no exterior como um fator que pode ter desmotivado a empresa a seguir com a mesma posição. >
"Talvez Musk estivesse apostando em um apoio internacional à sua campanha que nunca aconteceu", sugere o advogado Felipe Autran Dourado.>
"Tivemos reações mistas à decisão do STF de bloquear o X, mas a grande maioria de apoio à Justiça brasileira ou condenação das ameaças de Musk à democracia do Brasil e outras nações.">
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Para Bruna Santos, a carta aberta assinada por pesquisadores de diversos países em apoio ao Brasil é um sinal dessa falta de apoio político de Musk no país e no exterior. >
No documento divulgado nesta semana, mais de 50 intelectuais de diversos países, entre eles Argentina, França, EUA, Austrália, Reino Unido, Espanha, Suíça e Itália, convidam "todos os que defendem valores democráticos" a apoiarem o Brasil.>
Os que assinam a carta, entre eles nomes internacionalmente importantes que atuam no campo das pesquisas sobre tecnologia, economia e Big Techs, relatam situação de alerta sobre a soberania digital brasileira.>
"O caso brasileiro tornou-se o principal front no conflito global em evolução entre as corporações digitais e aqueles que buscam construir um cenário digital democrático e centrado nas pessoas, focado no desenvolvimento social e econômico", diz o texto. >
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