Publicado em 30 de setembro de 2023 às 15:58
O Brasil não é o único país a sofrer com ondas de calor. >
Devido às mudanças climáticas, a temperatura global vem subindo gradativamente, e o impacto é sentido de diferentes formas em todo o mundo.>
A situação tende a ser pior nas grandes cidades, onde a imensidão de concreto e a falta de áreas verdes contribuem para uma sensação térmica acima da que os termômetros apontam.>
Algumas iniciativas, no entanto, vêm sendo implementadas para tentar contornar tal problema, que afeta a saúde de todos: o calor intenso pode causar exaustão, dificuldades respiratórias e insolação.>
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Um exemplo é Karachi, no Paquistão, a maior cidade do Paquistão.>
Em 2015, uma onda de calor elevou as temperaturas a 45 °C e 1,2 mil pessoas morreram. >
Muitos procuraram combater o calor com ar-condicionado. >
Mas, em um país extremamente desigual como o Paquistão, o acesso ao equipamento continua sendo um luxo para a imensa maioria da população. >
Além disso, não é ecossustentável. >
O ar-condicionado usa combustíveis fósseis, que liberam gases de efeito estufa, o que, por sua vez, contribui ainda mais para o aquecimento global.>
Mas um homem optou por outra solução: plantar florestas urbanas. >
"Cinco anos atrás, Karachi acabara de passar por uma onda de calor. Sonhei que poderíamos mudar o destino da cidade", disse o empreendedor Shahzad Qureshi à BBC em 2021.>
Qureshi usou financiamento coletivo para criar a primeira "floresta urbana" de Karachi, no parque público de Clifton, em 2016.>
O local foi projetado por um arquiteto paisagista alemão, tendo em mente a sustentabilidade a longo prazo e o máximo de benefícios para a comunidade.>
Na floresta urbana de Clifton, é possível ouvir o barulho dos pássaros entre as árvores onde antes havia uma montanha de lixo.>
"Começamos a pensar que deveríamos fazer 25 parques como esse na cidade", disse ele.>
"Nasci e cresci aqui. Jogava críquete nas ruas. Hoje, vemos a cidade se deteriorar diante dos nossos olhos. Daqui a alguns anos, ela vai se tornar inabitável se não fizermos nada", alertou ele.>
Desde então, a ONG de Qureshi criou oito pequenas florestas em Karachi e duas em Lahore usando o método Miyawaki. >
Batizado em homenagem ao botânico japonês Akira Miyawaki, o método envolve a preparação cuidadosa do solo e o plantio denso de uma variedade de plantas florestais nativas benéficas para a vida selvagem em uma área geralmente do tamanho de uma quadra de tênis.>
Mais de 9 mil pessoas plantaram mudas no parque público de Clifton e mais de 30 escolas participaram de uma viagem educacional para aprender sobre as espécies nativas.>
Agora, Qureshi planeja expandir o conceito por todo o Paquistão, convertendo a maior parte dos parques em florestas.>
Entre os objetivos, segundo ele, estão reverter as crescentes "ilhas de calor", que são geradas quando a cobertura natural do solo é substituída por superfícies que absorvem e retêm calor, como pavimentos e edifícios, e a escassez de água.>
Estudos mostram que florestas urbanas podem reduzir significativamente as temperaturas das cidades.>
Áreas com floresta ou cobertura hídrica significam temperaturas mais frias, até 12°C em algumas regiões.>
As árvores também absorvem CO2, mitigando as alterações climáticas.>
Em um estudo no ano passado, cientistas de Pequim usaram dados provenientes de mapas de calor via satélite para investigar os efeitos dos parques urbanos. >
Eles concluíram que os parques aquecem mais lentamente do que as regiões urbanas durante o dia e que os espaços públicos verdes que contém água têm um melhor efeito de arrefecimento tanto no interior do parque como na área ao redor. >
Pesquisadores brasileiros chegaram a conclusão semelhante ao analisar a influência das florestas urbanas na variação "termo-higrométrica" da área intraurbana da cidade de Curitiba.>
Anomalias termo-higrométricas são alterações que ocorrem na umidade e na temperatura e são oriundas do aquecimento diferenciado das diferentes características do ambiente urbano. >
Eles constataram que as regiões da cidade "com maior quantidade de áreas permeáveis, concentração de remanescentes florestais ou espaços verdes públicos apresentaram menores temperaturas e aumento da umidade relativa do ar".>
Outro estudo, realizado pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) em 2021 e publicado na prestigiada revista científica Journal of Exposure Science & Environmental Epidemiology, mostrou uma correlação entre a falta de cobertura verde na região metropolitana de São Paulo e o aumento de casos de ansiedade.>
"Nós vimos que pessoas que moram em áreas mais periféricas [bordas da cidade] convivem com 80% de verde ao redor da residência, enquanto pessoas que moram no Alto de Pinheiros, por exemplo, podem ter 50% ou 60% de verde nas proximidades", disse Tiana Moreira, engenheira agrônoma e pesquisadora no Departamento de Patologia da FMUSP, ao Jornal da USP.>
No entanto, aumentar a quantidade de cobertura verde sem considerar suas condições locais pode resultar em uma eficiência limitada na redução do aquecimento urbano, apontam especialistas. >
"Na maioria das condições, a mais de 100 metros de distância, esses efeitos (das áreas verdes) mal podem ser percebidos", escreve a arquiteta romena Maria-Cristina Florian em artigo para a plataforma de arquitetura Arch Daily.>
"As formas topográficas e geométricas de seus arredores podem determinar até que ponto o ar frio pode penetrar, pois as fontes de calor e os edifícios físicos geralmente formam barreiras que bloqueiam o fluxo de ar".>
"Em áreas urbanas densas com disponibilidade limitada de espaço, entender essas condições é crucial para criar uma estratégia eficaz", acrescenta ela.>
Florian destaca que, se por um lado, grandes áreas verdes são preferíveis para criar ilhas estáveis e frias, por outro, nem todas as cidades podem implementá-las — estudos mostram que pequenos aglomerados de áreas verdes também podem ajudar a distribuir ar frio e reduzir significativamente o calor urbano.>
Cientistas também alertam que se a implementação das áreas verdes não for feita com planejamento estratégico, pode acabar levando ao aumento do valor da propriedade e ao deslocamento de moradores a longo prazo. >
Por isso, defendem uma estratégia chamada "apenas verde o suficiente", de modo a criar intervenções estratégicas para apoiar as comunidades locais.>
Na última sexta-feira (22/9), o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) ampliou o alerta de "grande perigo" por causa das temperaturas acima da média para 11 estados e o Distrito Federal e estendeu o aviso até terça-feira (26/9).>
Segundo especialistas, a onda de calor que atravessa o país guarda relação direta com o fenômeno El Niño, muito mais rigoroso neste ano, e com a crise climática, devido à emissão de gases de efeito estufa, que aumenta a frequência de eventos climáticos extremos.>
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