Para os olhos da infância, a cozinha é um palco de encantamentos. Crédito: Abdulmajeed Hassan/Pixabay
Em meio à agitação do mundo moderno, onde as conexões se dão por telas e as identidades se constroem digitalmente, existe um refúgio atemporal: a cozinha de mãe, onde panelas e afetos fervilham lado a lado. Longe de ser apenas um local de preparo de refeições, ela pulsa como um coração afetivo, um palco onde memórias se sedimentam em nossos paladares e moldam, de forma singela e profunda, os laços que nos definem.
Quem não se lembra da sinfonia borbulhante do caldo nos dias frios, do perfume inebriante do bolo assando, ou do crepitar da cebola no azeite, alicerce de tantos pratos que embalaram nossa infância?
A cozinha doméstica é um universo sensorial que se instala em nossa memória afetiva antes mesmo de encontrarmos palavras para descrevê-lo. Ali, entre panelas e temperos, somos nutridos em corpo e alma.
Como bem capturou Paulo Leminski, em versos que parecem ecoar a própria magia dessa cozinha:
“Minha mãe dizia
– Ferve, água!
– Frita, ovo!
– Pinga, pia!
E tudo obedecia.”
De fato, para os olhos da infância, a cozinha é um palco de encantamentos, onde ingredientes humildes se transformam em sustento e em celebração. Aquele bolo de aniversário, feito com esmero, carregava em cada pedaço a materialização do amor. Aquela sopa, oferecida com cuidado nos dias de febre, era um afago líquido que acalmava o corpo e o espírito.
Essa cozinha afetiva transcende sua função utilitária. Ela se torna um cordão umbilical invisível que nos liga às nossas raízes, à nossa história familiar. As receitas ali perpetuadas são mais que meras instruções; são narrativas silenciosas, repletas de tradições, segredos e o toque único de quem as prepara. Cada prato é um capítulo da nossa história, temperado com lembranças da infância, rituais familiares e conversas à mesa que edificaram nossos valores e nossa visão de mundo.
É nesse ambiente acolhedor que os laços que nos acompanham pela vida se fortalecem. As refeições compartilhadas, mesmo as mais simples, são instantes de convívio genuíno, de troca e aprendizado. Entre garfadas, sorrisos e disputas, construímos nossas primeiras relações sociais, aprendemos a partilhar, a esperar e a expressar nossos gostos.
A figura materna, frequentemente no centro dessa dinâmica, age como uma regente, harmonizando os sabores e os afetos que nutrem a família.
Mesmo quando a distância nos afasta fisicamente da cozinha de casa, seu legado reside em nós. Um aroma familiar sentido ao acaso, um sabor reencontrado em outro lugar, um gesto repetido ao preparar uma receita aprendida com a mãe – tudo nos transporta de volta àquele espaço mágico, reacendendo memórias e fortalecendo os elos que nos unem à nossa essência.
Portanto, a cozinha materna se configura como um lugar primordial, um ventre simbólico onde somos nutridos integralmente. Ela é a guardiã de um afeto que se perpetua através das gerações, modelando nossas vidas de maneiras sutis, porém profundas. Que possamos honrar esses santuários de afeto, onde o aroma da comida se entrelaça para sempre com a fragrância eterna da memória.
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