Publicado em 19 de setembro de 2022 às 08:09
Em The Sims, é possível ser um cientista maluco, alienígena, político corrupto, celebridade ricaça ou garçom com contas a pagar - a variedade de personagens sempre foi um atrativo do jogo, cuja diversão é simular vidas em ambiente eletrônico. Com as infinitas possibilidades, a franquia lançada em 2000 se tornou um terreno fértil para diversidade, dando representação a pessoas LGBT+. >
Ciente de que está na contramão da indústria de games, um espaço historicamente hostil a minorias, a Electronic Arts (EA), distribuidora do jogo, turbinou as ferramentas de representatividade. Uma das diversões do game é poder criar o personagem do zero - e fica claro como diferentes tipos de pessoas podem se sentir abraçadas. Lançado em 2014, The Sims 4 disponibiliza cabelos diferentes, roupas sem gênero, vozes graves e agudas, uso de pronomes neutros, gravidez em homens e a possibilidade de mulheres fazerem xixi em pé.>
Em julho, a EA deu um novo passo e possibilitou aos jogadores definir a orientação sexual dos seus personagens, algo importante para construir relacionamentos na narrativa. Para a produtora, quanto mais opções, melhor.>
"Queremos que nosso sistema capture o maior número possível de histórias", explica ao Estadão Jessica Croft, desenvolvedora do jogo responsável por coordenar a ferramenta de orientação sexual "Houve um avanço em termos de representação, e estamos nos esforçando para estar à frente dessas demandas", diz ela. "E esse é o espírito dos tempos atuais.">
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É um posicionamento bastante bem-vindo. "O movimento do The Sims é significativo para um jogo desse tamanho", aponta Carolina Caravana, vice-presidente da Associação Brasileira de Games (Abragames) e membro do conselho de diversidade da organização. "A franquia é uma das expoentes no posicionamento pró-diversidade e no caminho para trazer mais representação e abrangência", acrescenta.>
A bandeira, claro, resulta também em situações difíceis para a franquia. Em fevereiro, a EA cancelou o início das vendas na Rússia do pacote de expansão The Sims 4: Histórias de Casamento. Isso porque o game trazia uma capa com duas mulheres de braços dados sob um arco de flores, o que desrespeita a legislação do país contra "propaganda gay". Dias mais tarde, após a comunidade de fãs se queixar da decisão, a distribuidora decidiu lançar o game por lá, mas com outra capa.>
"Sabemos que nem todos são abertos e receptivos. Mas não queremos desenhar esses recursos a partir do medo", diz Jessica. A desenvolvedora garante que o estúdio trabalha em mais novidades nesse sentido, mas não dá detalhes.>
O espaço para diversidade em The Sims é uma construção de mais de duas décadas - o primeiro sinal de apoio à população LGBT+ foi em 1999, um ano antes do lançamento do jogo.>
Na época, durante a Electronic Entertainment Expo (E3), principal evento de games no mundo, uma prévia do game exibiu de forma não planejada um beijo lésbico, o que causou enorme barulho. Durante a demonstração, a inteligência artificial do game permitiu o beijo entre duas personagens, sem o aval da chefia da obra. Mesmo assim, a EA decidiu seguir com a ideia adiante, sem alterar o código do game.>
Assim, The Sims abriu as portas para que muitos jogadores vivessem uma realidade "fora do armário" no mundo virtual.>
"Era um mundo paralelo para mim", conta o diretor de arte Elvis Couto, 31, criador do portal Cidade dos Sims, dedicado a notícias sobre a franquia. "O jogo era um escape", diz ele, que é gay e cita episódios em que não se sentia confortável para falar da própria orientação sexual com amigos e parentes durante a juventude.>
Segundo a pesquisadora Beatriz Blanco, membro do laboratório Cultpop, há também outro motivo para esse público mais diverso: a plataforma.>
No início dos anos 2000, a indústria focava a venda de consoles (como PlayStation e GameBoy) no público masculino, enquanto jogos para PCs dedicavam-se a um público mais infantil ou feminino. "Com The Sims, isso formou uma comunidade não tão centrada na masculinidade heterossexual e cisgênero como em outros nichos", explica.>
Assim, os fãs de The Sims acreditam que podem estar imunes ao preconceito no ambiente digital. "Não tem como ser um jogador preconceituoso de The Sims. A comunidade se defende", diz Couto.>
A influência de The Sims no resto da indústria em termos de representatividade se tornou inevitável. Os últimos anos foram marcados por avanços, com diferentes títulos inserindo personagens de origens e cores variadas.>
O maior deles, talvez, seja The Last of Us: Parte II, um dos principais games dos últimos anos. Apresentado para PlayStation 4, a história traz Ellie acompanhada da namorada, Dina, durante a busca da protagonista por vingança.>
O valor da franquia de simulação de vida, no entanto, é histórico. "Sempre ouço de jogadores mais novos que dizem que The Sims foi a única mídia onde se viram representados. E isso é uma história poderosa", diz a Jessica.>
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