Publicado em 5 de agosto de 2022 às 08:27
Jô Soares, morto nesta sexta-feira (5), foi um artista híbrido, de talentos diversos e um exibido assumido. Quando criança, já chamava a atenção, com suas imitações e ousadias. Ele se pendurava na cobertura do anexo do Copacabana Palace, onde morava no Rio de Janeiro, ameaçando pular na piscina, só para rir com a reação dos turistas ao sol.>
Estudou na Suíça e nos Estados Unidos, aprendeu a falar seis línguas, pensou em ser diplomata e acabou no showbusiness, encarnando personagens caricatos de bordões memoráveis na televisão brasileira para depois consolidar o maior programa de entrevistas do país.>
José Eugênio Soares nasceu no Rio de Janeiro em 1938. Filho único de uma família rica que perdeu a fortuna de repente. O pai era operador da Bolsa de Valores, e a mãe, dona de casa e leitora assídua. Ela teve o filho aos 40 anos, nada comum para a época.>
Na escola, Jô não era chamado de gordo apesar do tamanho. Ele tinha o apelido de poeta, por escrever poesias. Passou sua vida mais gordo do que magro e odiava o adjetivo gordinho ou forte, por considerar os dois pejorativos. Usou o peso a seu favor, como uma marca registrada do artista. Gostava de junk food, em especial sanduíches e assumia assaltar a geladeira de madrugada para comer feijão gelado com azeite.>
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Ele se casou três vezes, com a atriz e poeta Tereza Austragésilo, a atriz Silvia Bandeira e a designer gráfica Flavia Junqueira, com quem manteve uma amizade profunda depois do divórcio. Teve um filho com Austragésilo, Rafael, autista de "alto nível" parecido com o do personagem de Dustin Hoffman em "Rain Man", como Jô costumava dizer nas poucas vezes que falou do filho em público.>
Jô Soares também era dado a paixões -livros, filmes, teatro, motos, música, em especial jazz e blues, quadrinhos, charutos cubanos (ele chegou a lançar uma marca própria deles), refrigerante diet (dizem ser o que tinha na sua caneca), artes plásticas e futebol (torcia pelo Fluminense).>
Notívago, costumava dormir tarde e acordar tarde. Morava em São Paulo, no bairro de Higienópolis, num apartamento de dois andares, um para sua moradia e outro para escritório, conectados por um elevador a vácuo.>
Apelidou o lugar de "Espaço Cultural Jô Soares", onde tinha uma réplica de dois metros de altura do Superman, uma jukebox Wurlitzer, um piano de cauda, uma estante cheia de brinquedos e bonecos de réplicas suas que recebia dos fãs e amigos, uma parede de cartazes feitos por Ziraldo para seus espetáculos e quadros pintados por ele mesmo.>
Ele se considerava uma pessoa mística, acreditava num outro plano de existência e era devoto de Santa Rita de Cássia. Mas não se dizia católico por não concordar com muitas posições da Igreja.>
Jô Soares tinha o humor como visão de mundo. E com ele se estabeleceu como um dos artistas mais conhecidos do Brasil, à disposição todas a noites na casa das pessoas, entretendo e informando, para sempre se despedir com o beijo do gordo.>
Jô Soares trabalhou como office boy num escritório de exportação de café e noutro de turismo vendendo passagens aéreas. Estudou para ser diplomata, mas repensou a decisão quando escutou de Silveira Sampaio que, independentemente do que ele fizesse, ia acabar no showbusiness.>
Foi o que aconteceu. Jô passou a frequentar grupos teatrais, namorando Tereza Austragésilo, até que em 1958, aos 19 anos, estreou na televisão a convite de Adolfo Celi, no programa "TV Mistério" da TV Rio, ao lado de Tônia Carrero e Paulo Autran.>
Depois, passou a escrever e atuar em programas da TV Continental e da TV Tupi. Em 1959, estreou no teatro como o bispo de "Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna.>
Sua fama nacional como comediante foi conquistada em 1967, como o mordomo da "Família Trapo", na TV Record, programa que também ajudava a escrever.>
Em 1970, foi para a TV Globo, atuando em programas como "Faça Humor, Não Faça Guerra", que estreou naquele mesmo ano, "Satiricom", de 1973, e "Planeta dos Homens", de 1982, até ter seu próprio programa, o "Viva o Gordo", também de 40 anos atrás.>
Jô deu vida a mais de 200 personagens, como o Capitão Gay e a cantora Norminha, marcando bordões como "vai para casa Padilha", "não me comprometa" e " macaco tá certo".>
Em 1987, mudou para o SBT para realizar o sonho de ter um programa de entrevistas inspirado nos talk shows americanos, o Jô Soares Onze e Meia, e manteve seu programa de humor, agora chamado de "Veja o Gordo". Houve ressentimento na Globo com a saída do comediante, travando uma guerra de audiência e a proibição na Globo dos anúncios do espetáculo que Jô tinha em cartaz na época e de comerciais de todos os que trabalhavam em seu programa semanal.>
Em 2000, ele voltou para a Globo com o Programa do Jô, levando os 23 integrantes da atração, incluindo a camareira e o office boy. Justificou o retorno com a vontade de usar o departamento jornalístico da Globo a favor de seu talk show.>
Jô Soares foi escritor, jornalista, dramaturgo, diretor e ator de cinema e de teatro, músico e artista plástico.>
Ele escreveu para a revista Manchete, para o jornal O Globo, o Jornal do Brasil, além deste jornal, e foi colaborador da revista Veja por sete anos.>
Lançou cinco romances policiais, "O Xangô de Baker Street", de 1995, "O Homem que Matou Getúlio Vargas", de 1998, "Assassinato na Academia das Letras", de 2005, e "As Esganadas", de 2011, além de uma autobiografia em dois volumes, lançada há cinco anos.>
Chegou a vender mais de 1 milhão de cópias, alcançando o topo da lista dos mais vendidos, e foi editado nos Estados Unidos e na Europa. O escritor gostava de misturar ficção com fatos e fazer referências a personagens verídicos.>
Jô tocava bongô, piano, piston, saxofone, trompete e violão. Compunha prefixos musicais para seus espetáculos e já teve programas musicais em rádios.>
Pintava acrílico sobre tela, chegando a fazer exposições individuais no Brasil e no exterior. Uma mostra em São Paulo, em 2004, por exemplo, contou com 54 obras suas. Ele participou ainda da Bienal de São Paulo, em 1967.>
No teatro, contracenou com Cacilda Becker, recebendo elogios de Décio de Almeida Prado. "Seu talento é tão vasto quanto sua circunferência", disse o crítico. Jô ainda dirigiu autores nacionais e estrangeiros, como Shakespeare, Nelson Rodrigues, Neil Simon e Edward Albee, e encabeçou diversos espetáculos solos, escritos, produzidos e interpretados por ele, como "Na Mira do Gordo" e "Remix em Pessoa".>
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