Publicado em 7 de novembro de 2025 às 10:04
Imponente edifício de estilo neoclássico, o Theatro da Paz tornou-se símbolo do ciclo da borracha que, nos anos 1800, tanto contribuiu para o desenvolvimento econômico da região amazônica, onde fica Belém. Passados dois séculos, a casa lírica, circundada pela vida citadina, quer incentivar outra relação da humanidade com a natureza, além do extrativismo.>
Durante a COP30, vai abrigar a estreia mundial de "I-Juca Pirama", ópera de Gilberto Gil, Paulo Coelho e Aldo Brizzi, inspirada no poema de Gonçalves Dias, homenageado com um busto logo no foyer do teatro. Também será palco de shows de música popular brasileira, espelhando o frenesi cultural que já toma conta das ruas da capital paraense, com mostras de cinema e de artes plásticas.>
As iniciativas integram um movimento mais abrangente, que tem o objetivo de chamar a atenção dos participantes da conferência para as mudanças climáticas. "O que nos interessa é mostrar que os portugueses chegaram aqui, destruíram tudo e, depois de tanto tempo, as florestas ainda pegam fogo", diz Brizzi, maestro italiano, radicado na Bahia.>
Ele conta que Coelho propôs o tema da ópera e passou a escrever o libreto. Depois, Gil compôs a música. O maestro participou de todo o processo criativo, elaborando inclusive a encenação. É curioso pensar que Gil, compositor popular dedicado à ourivesaria da canção, tenha se virado a outros gêneros musicais, seis décadas depois de ter começado a sua carreira.>
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A rigor, é um movimento iniciado há três anos, quando apresentou, em Paris, "Amor Azul", sua primeira ópera com Brizzi, inspirada em poemas do hinduísmo. Naquela época, o compositor justificou seu aceno à música clássica pelo desejo de trabalhar com árias, o que só evidenciou as diversas matrizes que compõem a sua musicalidade.>
O maestro afirma que em termos de função dramática há uma evolução de "Amor Azul" para "I-Juca Pirama". A ideia, antes, diz Brizzi, era fazer uma ópera com DNA da MPB. Não por acaso, a primeira obra mais parecia um ciclo de canções, até por não ter sido apresentada ao público com uma encenação. A nova ópera conta a história do guerreiro I-Juca Pirama, interpretado pelo tenor Jean William, que tem a terra devastada e erra pelos territórios à procura de um sentido existencial.>
Capturado pelos timbiras, é condenado ao rito antropófago. Na ópera, a ação se desenrola em duas eras: a antiga, da criação de Gonçalves Dias, e a moderna, quando o desmatamento e as queimadas fazem o herói reviver sua jornada. A entidade Espírito da Terra, papel da soprano Graça Reis, faz a mediação entre as duas temporalidades e narra o destino de I-Juca Pirama.>
Participam da montagem, além da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz regida por Brizzi, o Grupo Indígena do Povo Huni Kuin, do Acre, o Coro Carlos Gomes, de Belém, e o Grupo Vocal Lírico-Popular do Núcleo de Ópera da Bahia.>
Um dos símbolos do indianismo romântico, o poema carregava uma visão idealizada das populações originárias, o que tenta ser subvertido agora, com a presença indígena em cena e na música. Brizzi diz que o violão de Gil, de onde surgiu a música da ópera, tem aquele pulsar da monofonia ameríndia. "Esse violão tem uma hipnose rítmica, e a orquestra é uma explosão do instrumento dele", afirma.>
"I-Juca Pirama" integra a 24ª edição do Festival de Ópera do Theatro da Paz, em um momento de debates sobre a descentralização de produções do gênero, além do sudeste. "Eu espero que a COP30 lembre o Brasil que nós existimos", afirma Nandressa Nuñes, diretora de produção do festival. "O Theatro da Paz foi erguido antes mesmo do Municipal de São Paulo e do Rio de Janeiro.">
Nas semanas da COP30, a casa receberá também shows de MPB, com as apresentações de Ney Matogrosso e Lenine, que buscam arrecadar fundos para o Pantanal. Já Fafá de Belém traz o espetáculo "Amazônica", também beneficente, com canções de autores paraenses. Em paralelo à cúpula, Belém vive um frenesi, com uma série de eventos culturais.>
Nas artes visuais, os destaques são as mostras "Amazônia", com quase duas centenas de fotografias de Sebastião Salgado, expostas no recém-inaugurado Museu das Amazônias, e "Espíritos da Floresta", do Movimento dos Artistas Huni Kuin (MAHKU), na Caixa Cultural, que também ganhou uma sede na capital paraense às vésperas da COP. A valorização da arte e do saber ancestral dos povos indígenas é uma tendência que perpassa a produção cultural da atualidade. Em especial, essa tendência é sentida nas mostras de cinema em cartaz em Belém.>
Comemorando duas décadas de existência, a Mostra de Cinema da Amazônia exibirá "A Queda do Céu", filme de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, inspirado no livro do líder yanomami Davi Kopenawa e do antropólogo francês Bruce Albert. A programação tem ainda o novo documentário de João Moreira Salles, "Minha Terra Estrangeira".>
"Nossa ideia é formar público e levar cinema a quem tem pouco acesso", diz Eduardo Souza, organizador do festival, que ocorre em quatro salas. Em paralelo, Belém recebe a 2ª edição da Mostra Pan-Amazônica de Cinema, com 13 curtas e 8 longas, além de conferências sobre a sétima arte.>
Entre as atrações, estão o curta "Boiuna", de Adriana de Faria, que arrematou três Kikitos no Festival de Gramado deste ano, e o longa "Não Haverá Mais História Sem Nós", de Priscila Brasil. "De todas as mostras que estão ocorrendo durante a COP, essa é a única seleção que está privilegiando realizadores da Amazônia, e não temas da Amazônia", afirma o curador Gustavo Soranz.>
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