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Prisão do deputado Luiz Durão abre debate no ES

Prisão do deputado Luiz Durão abre debate no ES

Caso é o 1º no Estado em que nova regra do STF pode ser aplicada

Publicado em 19 de janeiro de 2019 às 23:32

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Luiz Durão ao deixar a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) após depor. (Gazeta Online)

A prisão do deputado estadual Luiz Durão (PDT), acusado de estuprar uma adolescente de 17 anos, levou ao Judiciário capixaba, pela primeira vez de forma mais objetiva, o debate sobre a restrição do foro privilegiado de autoridades. Nos autos da prisão em flagrante, aos quais a reportagem teve acesso, Polícia Civil, Procuradoria-Geral de Justiça e Tribunal de Justiça do Estado (TJES) manifestaram-se de maneiras contrastantes sobre o tratamento processual adequado.

Em maio de 2018, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, no julgamento da ação penal 937, restringir o foro por prerrogativa de função para deputados federais e senadores. Esses parlamentares só seriam processados na Suprema Corte se os crimes a eles imputados tivessem relação com o exercício do mandato ou fossem praticados em função dele.

A decisão alterou profundamente o entendimento anterior: uma vez no cargo, o parlamentar ganhava a prerrogativa de foro especial, tanto para crimes antigos ou novos, com ou sem relação ao mandato.

Após a decisão do STF, ficou no ar a dúvida sobre o que aconteceria com as demais autoridades com foro especial. Aos poucos, por simetria, a medida começou a ser expandida. Ainda em maio, um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) enviou à primeira instância da Paraíba um caso envolvendo o governador daquele Estado.

No mês seguinte, a 1ª Turma do STF aplicou o entendimento no inquérito 4703 relacionado ao então ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PR-MT), e ao conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso Sergio Ricardo de Almeida. Ambos foram para o primeiro grau.

DE VOLTA AO CASO

O caso Luiz Durão é o primeiro de grande repercussão no Espírito Santo em que a inovação interpretativa do STF pode ser encaixada. Mas as visões dos atores envolvidos, até esta etapa, foram distintas.

Em despacho no dia 4 de janeiro, data da prisão, o delegado da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, Lorenzo Pazolini, mencionou a decisão do STF no inquérito 4703 ao sublinhar que o crime do qual Durão é acusado não guardava qualquer relação com o mandato.

“Entendemos pela inaplicabilidade da regra constitucional de prerrogativa de foro ao presente caso, com base na decisão da Suprema Corte”, escreveu o delegado, em documento que tramita em sigilo.

Em seguida, os autos chegaram ao desembargador de plantão no TJES, Telêmaco Antunes de Abreu Filho. Antes de decidir sobre a legalidade da prisão, pediu parecer da Procuradoria-Geral de Justiça.

Quem se manifestou foi o procurador Josemar Moreira, que discordou do delegado. “O delito em tese foi cometido no pleno e atual exercício do mandato de deputado estadual. (...) depreende-se dos depoimentos prestados, sobremaneira o do parlamentar estadual, que a vítima teria começado a desempenhar alguma espécie de atividade laborativa para o mesmo, surgindo aí liame com o mandato de parlamentar estadual”, destacou.

Os autos voltaram, enfim, para Telêmaco, que converteu a prisão em flagrante para preventiva, no dia 5. Apesar de uma ampla explanação sobre a nova interpretação do STF, ele decidiu com base na Constituição Estadual.

“Neste momento, em se tratando de atuação do Plantão Judiciário, considero prudente analisar o auto de prisão em flagrante atendendo a prerrogativa de foro ainda vigente em nossa Constituição Estadual”, destacou.

Telêmaco disse, ainda, que o TJES ainda não se debruçou sobre o tema do foro restringido. “Relevo desconhecer a existência de pronunciamento prévio desta Corte de Justiça acerca da matéria em hipótese assemelhada”, pontuou.

O desembargador também disse que a análise sobre o foro deveria ser feita pelo relator do caso. O sorteado foi o desembargador Ewerton Schwab Pinto Junior. Segundo o Gazeta Online publicou no dia 11 de janeiro, ele negou pedidos da defesa, mas sem apreciar a questão do foro.

No dia 11, a Procuradoria-Geral de Justiça ofereceu denúncia contra o deputado. Na oportunidade, descartou relação do crime do qual é acusado com o cargo de deputado e sugeriu a remessa da ação proposta para o primeiro grau, mas que a comunicação do flagrante fosse preservada no TJES.

Há expectativa para uma nova decisão de Schwab amanhã, em pedido da defesa para revogar a prisão.

"COMPETÊNCIA DE JULGADOR DEIXA ESPECIALISTAS DIVIDIDOS" 

Especialistas consultados por A GAZETA entendem que a defesa do deputado Luiz Durão pode questionar o fato de a prisão dele ter sido convertida em preventiva pelo segundo grau da Justiça. Seria um debate sobre a chamada “competência” do julgador.

Não é uma questão pacificada, porém. Outros juristas avaliam que, apesar do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o foro privilegiado, não há o que se rever sobre a conversão da prisão pelo desembargador.

Um dos advogados de Luiz Durão, Jovacy Peter Filho deseja que o desembargador relator envie o caso à primeira instância, como sugeriu recentemente a Procuradoria-Geral de Justiça.

“No que diz respeito ao deslocamento de competência, desde o princípio era muito claro que não havia qualquer utilização do cargo para a situação que está sendo objeto da investigação. Esse deslocamento era para ter sido realizado desde o primeiro contato que as autoridades tiveram com o caso. Não há prerrogativa de foro a justificar a competência do tribunal. É algo que me parece consolidado”, frisou.

Mas ele vai questionar a competência do desembargador que converteu a prisão? “Por ora, não”, disse o advogado, que já declarou que a defesa está focada apenas em fazer com que Luiz Durão responda ao processo em liberdade.

CONSTITUIÇÃO

O STF julgou apenas casos de parlamentares federais, à luz da Constituição Federal. Mas as Constituições dos Estados são baseadas na Carta Magna, com as devidas adaptações regionais. Portanto, como explicam os professores de Direito, além da simetria das normas constitucionais entre os dois conjuntos de leis, a interpretação das Constituições estaduais também deve ser feita à luz da interpretação pacificada da Constituição Federal. Logo, se o STF entende que o foro privilegiado de deputados federais só se aplica para casos especiais, os magistrados locais também devem adotar o mesmo entendimento para os deputados estaduais.

Doutor em Direito Constitucional, o professor da FDV Daury Cesar Fabriz é um dos que entendem que a defesa de Durão pode vir a questionar a competência do desembargador.

“Essa é uma questão processual. Uma vez fixada a competência no primeiro grau, a defesa poderá ingressar com um habeas corpus questionando a legalidade do decreto de prisão preventiva. Se o decreto de prisão preventiva foi proferido por autoridade que não tinha competência, o decreto de prisão cai. Nada impede que, ato contínuo, o juiz competente decrete novamente a prisão”, frisou.

Já para o mestre em Direito e professor da Faesa Dalton Morais, não há o que se questionar na decisão do desembargador Telêmaco Antunes. “No meu entendimento, não haveria campo para alegação de incompetência do desembargador que converteu a prisão, sob alegação que deveria ter sido produzida por juiz de primeiro grau. A decisão permaneceria válida porque foi produzida por julgador que se sentia competente. Permanece válida mesmo com a descida desse processo para a primeira instância”, disse.

O advogado constitucionalista Cláudio Colnago pensa diferente. “Aparentemente, o desembargador plantonista não quis entrar em questão jurídica complexa. E até entendo a posição por se tratar de questão urgente. O argumento pode vir a ser apresentado pela defesa, no que diz respeito a saber se o TJES era ou não competente para decretar a prisão preventiva. É uma questão complexa. De qualquer maneira, fixando-se a competência, nada impediria que a prisão preventiva fosse ratificada”, disse.

ENTENDA O CASO

Luiz Durão

Perfil

É um tradicional político de Linhares, com extensa carreira. Ficou como suplente na eleição de deputado estadual em 2014, mas assumiu o mandato em agosto de 2018, quando o então deputado Rodrigo Coelho virou conselheiro do Tribunal de Contas.

Prisão

Saindo de Motel

Luiz Durão foi flagrado saindo de motel, na Serra, com uma adolescente de 17 anos. Ela pegou carona com ele, a pedido da mãe, de Linhares para Vitória. Amigos da menina chamaram a polícia após serem avisados por ela, por mensagem.

Depoimento

Primeira versão

Luiz Durão disse à polícia que entrou no motel após sentir um desconforto intestinal.

Exames

Comprovação

A adolescente passou por exame de corpo de delito. A conjunção carnal foi comprovada.

Preventiva

Conversão da prisão

No dia seguinte à prisão, o desembargador plantonista do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), Telêmaco Antunes, converteu a prisão em flagrante para preventiva.

Denúncia

Maria da Penha

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A Procuradoria-Geral de Justiça denunciou o deputado por estupro e ainda considerou a proximidade dele com a família da vítima como um agravante, com base na Lei Maria da Penha.

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