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Eleições: há 30 anos Brasil voltava às urnas para escolher presidente

Eleições: há 30 anos Brasil voltava às urnas para escolher presidente

Brasileiros ficaram 29 anos sem votar, e no feriado da República, em 1989, participaram das eleições que contaram com o maior número de candidatos da história, com 29 ao todo

Publicado em 15 de novembro de 2019 às 08:39

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Candidatos à presidência da República de 1989 em programa de televisão. (Divulgação)

A sensação de estar contribuindo para decidir o futuro do país, através da escolha do presidente, foi algo que ficou adormecido, para muitos brasileiros, durante 29 anos. Mas há exatos 30 anos, em 1989, os brasileiros conseguiram retomar, e em alguns casos, sentir pela primeira vez, como era ir às urnas.

Naquela época, a disputa do 1º turno foi realizada no feriado de 15 de novembro, uma quarta-feira, como uma forma de vinculação entre República e democracia. A última vez que os brasileiros haviam votado para presidente havia sido em 1960.

Quando o voto foi retomado, alguns iniciantes nem eram mais tão jovens assim. Artelírio Bolsanello, de 72 anos, votou pela primeira vez em 1989, aos 42 anos. Na época, era professor universitário e havia participado da campanha das "Diretas Já" na esperança de um dia poder ajudar a escolher o presidente. A empolgação dele era tanta que há 30 anos ele chegou a passar horas esperando o candidato Leonel Brizola no aeroporto.

Artelírio Bolsanello votou pela primeira vez aos 42 anos. (Acervo pessoal)

"Era uma sensação de felicidade e entusiasmo para exercer esse direito. Em 1960 ainda era muito novo, tinha 12, 13 anos, e passamos aqueles 21 anos com vontade de sentir aquele gostinho de votar. Foram anos que não podem se repetir. Poder votar foi uma festa. Era uma figurinha fácil no comício dos candidatos", lembra Artelírio.

Naquele ano, eram fortes os componentes de empolgação e de envolvimento com as eleições. A cabeleireira aposentada Lyzete Benício, de 76 anos, chegou a experimentar o gosto das urnas na década de 1960, quando Jânio Quadros foi eleito, um pouco antes dos militares tomarem o poder.

"Senti muita falta de participar do processo eleitoral, de ouvir os candidatos, do clima das eleições. Foi muito bom poder voltar a votar", afirmou a aposentada, que se arrepende, no entanto, da sua escolha. "Votei naquele Collor que depois mostrou que não valia nada", conta.

Fernando Collor de Mello (PRN) tinha sido prefeito de Maceió e governador de Alagoas. Ficou conhecido nacionalmente como "Caçador de Marajás". Foi o presidente mais jovem da história do país, eleito aos quarenta anos de idade(Divulgação)

Em 1989, todos queriam participar da corrida presidencial, de políticos a eleitores, que assistiam aos debates como se fosse novela. Isso ficou claro, inclusive, com a quantidade de candidatos a presidente: 22. Por serem relativamente novos, os partidos políticos estavam pouco mobilizados. Havia 82 milhões de eleitores no país, e no dia do pleito, houve 66,2 milhões de votos válidos.

Promulgada a Constituição de 1988, houve a retomada da prática das eleições presidenciais diretas, coroando o ciclo da transição democrática. A essa altura, o país estava melhor em termos de cidadania política, mas também de regras institucionais. Todas as antigas restrições ao direito de voto haviam sido removidas, com a permissão para que idosos com mais de 70 anos votassem, e foi alcançado o sufrágio universal, rebaixando a idade mínima para 16 anos de idade.

Em 1989, os brasileiros também votaram, pela primeira vez, em dois turnos para presidente com a vitória de Fernando Collor de Mello, então no partido nanico PRN (Partido da Reconstrução Nacional).

CONJUNTURA

O direito de livre escolha da população foi restabelecido depois de 21 anos de ditadura militar (1964-1985) e de um governo civil eleito indiretamente. Economicamente, o problema mais latente era a inflação, que chegou a quatro dígitos, alcançando 1.972,91% naquele ano. No entanto, estava chegando ao fim a chamada "década perdida" e com a ligeira recuperação, o nível de desemprego estava baixo, como detalha o mestre em História e professor da UVV, Rafael Simões.

"Desde 1974, a inflação vinha em alta. No período de 1979 a 1982, ainda na ditadura, houve uma recessão imensa, mas em 1983 a gente renova as expectativas com o movimento das "Diretas Já", que depois fracassa, mas dá um empurrão para a candidatura de Tancredo Neves nas eleições indiretas. Mas a população se frustra com a morte dele", afirma.

Simões cita que a população experimentou novamente essa sensação de expectativas em "altos e baixos", com o início do governo José Sarney (MDB), o Plano Cruzado, e depois a Constituinte, que renovou as esperanças, apesar da hiperinflação.

O hiato democrático entre as eleições de 1960 e 1989 transformou a corrida à Presidência da República em um pleito intenso e disputado. Todas as forças políticas, econômicas e sociais acreditavam ser capaz de conquistar os brasileiros, fazendo o primeiro presidente da República após o longo período de ditadura militar.

Desde nomes importantes no cenário político brasileiro das últimas décadas, como Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Aureliano Chaves, Paulo Maluf, passando por forças políticas em ascensão, como Luiz Inácio Lula da Silva, Mário Covas, Afif Domingos, Fernando Collor de Mello, até nanicos que se notabilizaram pela excentricidade, como Enéas Carneiro, Marronzinho e Lívia Maria, a primeira mulher a concorrer à Presidência da República na história do país.

"O futuro do país estava em aberto. Havia uma expectativa de que o presidente eleito poderia fazer muita coisa e mudar o país de forma avassaladora. Muitas vezes as pessoas se espantavam com as palavras usadas nos debates, mas tudo isso era muito novo, inclusive para os candidatos. Em 1960, eleição presidencial anterior, ainda não tinha a televisão como veículo em massa. Em 89, foi a primeira eleição também com TV. E todo mundo estava tateando como apresentar suas ideias. Os candidatos demonstravam o estilo da campanha sem muitas regras comunicativas pensadas. Isso acabava estimulando um ambiente de mais confronto", analisa Simões.

FORÇAS

Naquela eleição, Lula e Brizola dividiram os votos da esquerda, enquanto Collor aglutinava a preferência da classe média brasileira. Mas chegaram ao 2º turno Collor, o caçador de marajás, o jovem que iria transformar o Brasil em uma nação de primeiro mundo e Lula, o líder operário que prometia uma democracia do proletariado.

"Houve um ambiente de festa e comemoração até mesmo entre os derrotados, no caso o PT e os grupos mais à esquerda. Isso porque foi uma eleição muito representativa. Principalmente para o PT que era um partido pequeno e chegou ao segundo turno, ultrapassando uma lenda que era o Brizola. Depois disso, Lula recebeu o apoio dele, do PSDB. Só não se aproximou do PMDB de Sarney, pois Collor estava fazendo muitas críticas ao governo dele, e estrategicamente, o PT não quis essa aliança. Foi um erro de cálculo eleitoral, porque a diferença do Collor para o Lula foi pequena, e a máquina do MDB poderia ter colaborado para essa mudança no resultado", comenta Rafael Simões.

LEGADO

Uma marca das eleições de 1989, que pode ser comparada com o momento atual, é que os partidos tradicionais também enfrentaram dificuldades e não tinham candidato governista competitivo. Por isso, era natural que vários agrupamentos políticos, em um momento de transição e dada a fragilidade das instituições brasileiras, vissem a possibilidade de chegar o poder, de acordo com o professor Rafael Simões.

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"O que a gente percebe nesses 30 anos é que os partidos, no geral, poucos se estruturaram em uma presença junto à sociedade. Podem ser presentes no parlamento, mas são poucos estruturados no sentido de debater programas. Você vê que a maioria dos eleitores até hoje não vota em partidos", conclui.

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