Publicado em 13 de julho de 2019 às 02:35
Mesmo que por razões alheias à própria vontade, o Poder Judiciário deixou de ser coadjuvante na guerra política da Serra. Afastamentos de vereadores, bem como suspensões e retomadas de comissões processantes na Câmara, acabam causando o efeito de equilibrar e desequilibrar o jogo local, além de exigir novas estratégias dos atores políticos da cidade.>
Obviamente, a Justiça tem atuado conforme demandada. Seja pelo Ministério Público ou pelo grupo político que enxerga irregularidades na atuação do outro. Mas o fato é que políticos vêm misturando consequências das decisões judiciais proferidas ao menos desde 2017 a brigas dos grupos.>
Hoje, a Serra tem três dos seus 23 vereadores afastados por ordem judicial Neidia Pimentel (PSD), Geraldinho Feu Rosa (sem partido) e Nacib Haddad (PDT). Um suplente chegou a assumir uma das cadeiras, mas acabou retirado também, por decisão da Justiça. Em Câmara onde situação e oposição brigam por maioria, a retirada de um vereador influencia na balança.>
Dois respondem por se apropriarem de parte dos salários de funcionários sendo que um foi filmado pedindo o dinheiro. Outro é acusado de integrar esquema de cartel por meio de empresa da qual era sócio.>
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O trio de parlamentares afastados foi alcançado por decisões de três magistrados diferentes, das áreas cível e criminal.>
Contudo, a juíza cujas decisões causam mais "impacto" entre os políticos serranos é Telmelita Guimarães Alves, da Vara da Fazenda Pública da Serra.>
Ela está nos quadros da magistratura capixaba desde abril de 1994. Boa parte dos cerca de 25 anos de atuação é na Serra, onde também é juíza eleitoral.>
O indiciamento de um ex-assessor de vereador por postagens difamatórias contra a juíza é mais um indício de que a política acaba misturando o Judiciário em seus conflitos.>
COMISSÕES DE PROCESSO>
Telmelita é signatária das principais decisões que têm inflamado a política local. A Vara da qual é titular é a responsável pelos processos relacionados às comissões que a oposição quer contra o prefeito Audifax Barcelos (Rede).>
A juíza entendeu, por exemplo, que o rito da Câmara para abrir oito comissões processantes que podem resultar no impeachment do prefeito foi irregular e determinou a suspensão de todas elas.>
As investigações foram abertas com base em uma mesma denúncia redigida em duas páginas de papel por um ex-servidor da prefeitura. Ela também identificou erro no rito de abertura da CPI da Saúde, como a não publicação na pauta da Câmara pelo menos 48 horas antes da votação.>
Após recurso da Câmara, o Tribunal de Justiça do Estado reverteu a decisão da Vara da Fazenda da Serra sobre as oito comissões processantes e ainda analisa pedido de retomada da CPI.>
BASTIDORES DA POLÍTICA>
Nos bastidores, a atuação de Telmelita desperta análises inflamadas. Entre os vereadores de oposição, há quem sinta-se em desvantagem no jogo político por conta dela. Como argumentam, referem-se a decisões proferidas por ela que foram reformadas pela instância superior o que é normal no funcionamento da Justiça. Eles guardam uma lista com sete casos assim.>
O raciocínio, porém, não prospera junto a auxiliares menos políticos da oposição. Citam perdas e vitórias nas demandas feitas a Telmelita. Entre dois auxiliares técnicos ouvidos pela reportagem sob anonimato, há convicção de que reformas de decisões são normais e que não há evidência de que a juíza esteja prestigiando um grupo em detrimento de outro.>
Partiu dela, por exemplo, a absolvição do vereador Roberto Catirica (PHS), um atuante membro da oposição, e a absolvição da ex-deputada Sueli Vidigal (PDT) em ação de improbidade.>
Advogados e colegas de magistratura ouvidos pela reportagem sob anonimato não lançam dúvidas sobre a retidão da juíza nos autos. Ao contrário, definem Telmelita como profissão "experiente em ações de improbidade", "serena", "juíza correta", "pessoa extremamente educada".>
Os que não teceram elogios também não realizaram críticas. "O que para um magistrado é bom, sinal de que faz seu trabalho tecnicamente", destacou um juiz de Direito, sob a condição de não ter o nome revelado.>
Outro destaque colhido pela reportagem com autoridades que acompanham a rotina da Serra é o fato de a juíza manter-se "combativa" mesmo habilitada a começar a pensar em promoção ao TJES. "Às vezes, nessa fase, o juiz começa a ser mais comedido", disse.>
CASO DE POLÍCIA>
Mas como a política serrana especializou-se no escândalo, inclusive com troca de ameaças e acusações de interferência do crime organizado, outra investigação policial deve impactar o cenário local.>
Há, na Delegacia de Repressão às Organizações Criminosas, um inquérito que apura uma gravação com menção à magistrada atribuída a supostos interlocutores do prefeito durante esforço para cooptar um vereador para a base.>
O Gazeta Online pediu entrevista à juíza Telmelita Guimarães Alves. Ela preferiu não falar para "evitar comprometimento da imparcialidade" e também para não descumprir a Lei Orgânica da Magistratura.>
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VEREADORES RECLAMAM DE JUÍZA>
A insatisfação dos vereadores de oposição com a atuação da juíza Telmelita Guimarães Alves, da Vara da Fazenda Pública da Serra, é pública e notória. Eles falam em "interferência" do Judiciário nos assuntos de natureza inteiramente política.>
Exemplo disso foram declarações proferidas pelos parlamentares na sessão de 3 de abril, dia seguinte à entrevista coletiva que o prefeito Audifax Barcelos (Rede) convocou para dizer que "o crime organizado" quer apeá-lo do poder por meio de processos que a Câmara abriu contra ele.>
Na ocasião, Audifax também tinha em mãos decisão judicial da Vara da Fazenda Pública que suspendia oito comissões processantes agora reautorizadas, com quatro já instaladas.>
No plenário, Aécio Leite (PT) criticou a decisão. "Com todo respeito ao Judiciário da Fazendária da Serra. Tem muito mais o que fazer. Deixa os vereadores trabalharem, deixa os vereadores fiscalizarem. O Judiciário não tem que se intrometer aqui, não. Com todo o respeito à juíza Telmelita, ela tem que deixar os vereadores fazerem seu papel", disse da tribuna.>
Além de devolverem a acusação de influência de crime organizado ao prefeito, outros vereadores fizeram coro.>
"Nunca ouvi falar de uma obstrução de CPI. Nunca ouvi falar que a Justiça entrasse no meio de uma função nossa, do vereador, que é fiscalizar. Justiça proteger que não se apure uma denúncia? Não podemos fazer lei porque gera despesa. Não podemos fiscalizar que a juíza vem e faz intervenção na Câmara", discursou Nacib Haddad (PDT), hoje afastado.>
Pastor Ailton (PSC) foi outro que reclamou citando nominalmente a juíza.>
"Estou preocupado com essa interferência do Judiciário. Quero crer que a doutora Telmelita é uma juíza séria, quero crer que ela está sendo influenciada pelos partidos que entraram com a ação para impedir a CPI. Quero crer que a decisão dela foi pensada e, talvez, ela não tenha informação correta. Por isso, não quero fazer julgamento dessa magistrada", disse.>
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