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Bolsonaro: o presidente das polêmicas nas redes sociais

Bolsonaro: o presidente das polêmicas nas redes sociais

Postagens controversas têm mais espaço que ações de governo, como a reforma da Previdência, o projeto anticrime e a proposta para acabar com despesas obrigatórias e vinculações orçamentárias

Publicado em 16 de março de 2019 às 01:29

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O presidente Jair Bolsonaro usa as redes sociais como principal meio de comunicação com a população. (Isac Nóbrega/PR)

A reforma da Previdência e um pacote anticrime, ainda que fatiado, foram enviados ao Congresso Nacional. Outro, para fazer com que os políticos controlem 100% do Orçamento, como quer o ministro da Economia, Paulo Guedes, está no forno. Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) prefere falar de fetiches sexuais ou atacar a imprensa com informações inverídicas.

Levantamento do site Poder 360 mostrou que, de 1º de janeiro até o último dia 5 de março, o presidente mencionou a Previdência por apenas seis vezes no Twitter, em meio a um total de 326 publicações – excluídos os retuítes. Depois da divulgação do levantamento, o presidente tuitou mais sobre a Previdência, outras 11 vezes, até a última sexta-feira.

Fora o Twitter, onde tem 3,7 milhões de seguidores, há, ainda, as lives (transmissões ao vivo) sobre assuntos diversos, como bananas, no Facebook, com 10,6 milhões de potencial audiência.

A população brasileira, no entanto, é muito mais do que isso. O modelo de comunicação direta adotada pelo presidente, no entanto, emula o que os eleitores dele querem ouvir e é similar ao do presidente americano, Donald Trump.

Uma ressalva é que as postagens de Bolsonaro são mais virulentas ou surpreendentes que as do líder americano. Seria difícil imaginar o presidente de um país publicar imagens e perguntar, em seguida:

Se algum leitor ainda não sabe, a "chuva dourada" é o fetiche de urinar na frente de um parceiro ou sobre ele.

O vídeo com críticas aos blocos de rua no carnaval foi interpretado como uma resposta aos petardos em forma de marchinha e palavrões direcionados por foliões ao presidente durante a festa popular.

E o golden shower, elevado a assunto de Estado – na conta oficial do presidente da República –, acabou dominando a agenda pública por alguns dias. Até o próximo post de Bolsonaro, que resolveu, inspirado em um site bolsonarista, atacar uma repórter do jornal "O Estado de S. Paulo".

A repórter não disse isso, o que é comprovado pelo próprio áudio no qual o presidente se baseou, numa tentativa de desacreditar as apurações sobre caso de Flávio Bolsonaro, um dos filhos do presidente. A origem da história é o blog de um leitor do site francês Mediapart. A publicação se solidarizou com a repórter pelos ataques desferidos a ela na internet, atestou que a informação compartilhada por Bolsonaro é falsa e a retirou do ar. Mas o post continua no Twitter do presidente da República. E os seguidores não parecem se importar.

No mesmo dia em que se voltou contra a repórter do "Estadão", o próprio jornal publicou entrevista com Paulo Guedes em que ele defendia uma Proposta de Emenda à Constituição para acabar com despesas obrigatórias – a exemplo das com saúde e educação – e as vinculações orçamentárias. Esse tema, no entanto, não foi lembrado pelo presidente.

Há quem questione até se é o presidente mesmo quem digita no Twitter. Outro filho do presidente, Carlos Bolsonaro, vereador do Rio, já foi chamado pelo pai de "fera das redes sociais". Mas, certamente, as publicações contam com a anuência do presidente.

CONTROVÉRSIAS

Além do virtual, no mundo real as declarações do presidente causam controvérsia até mesmo entre os aliados de Bolsonaro. A deputada Carla Zambeli (PSL-SP) saiu em defesa do nome maior do partido no caso do golden shower, classificando os críticos, como é costume dos aliados do presidente, de "esquerda": "A esquerda adora culpar o mensageiro, nunca o autor do crime".

Já o vereador de São Paulo Fernando Holiday (DEM) desaprovou:

Críticos ou apoiadores, no entanto, não podem se dizer surpresos. Bolsonaro fez carreira polemizando e foi eleito mesmo após as já "célebres" frases "ela não merece (ser estuprada) porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia" e "seria incapaz de amar um filho homossexual".

ENTREVISTA

A comunicação com temática voltada mais a uma agenda virtual e ideológica do que à vida real, não causa, por enquanto, estragos diretos ao presidente Jair Bolsonaro (PSL), de acordo com Roberto Gondo, professor de Comunicação Política da Universidade Presbiteriana Mackenzie. "Mas ele tem pouco menos de três meses de governo", ressalta. Quando o assunto é o que interessa à sociedade, o diagnóstico já não é o mesmo.

"Não quer dizer que a todo momento isso está sendo planejado, mas a situação do golden shower, banal, ganhar tanto espaço de veiculação é ruim, tira o foco das articulações de bastidores", pontua.

Declarações aleatórias e polêmicas, como as do presidente Bolsonaro, são uma forma proposital de tirar o foco de questões prioritárias para o país?

Na situação que o Brasil vive, e ouso dizer os Estados Unidos também, não acho que os comentários sejam planejados. Existe um lado muito visceral nesse perfil do Bolsonaro e do Trump, líderes que são impulsivos. Têm essa característica inerente, mas há também a identificação da mensagem junto aos eleitores deles. É um comportamento que ele (Bolsonaro) adota organicamente. Se você parar para pensar até melhorou, porque cinco anos atrás ele falava coisas até piores.

Sejam coisas piores ou melhores, não é, prioritariamente, de reformas e outros temas que impactam diretamente a vida das pessoas que ele está falando.

Temos uma mania de perder o foco com muita facilidade. Quando o governo quer tirar do foco medidas mais polêmicas ... não é que eles forjem isso, mas se apropriam disso (da dispersão natural das pessoas). E as pessoas vão esquecendo. Enquanto isso, os ministérios estão trabalhando, as votações estão sendo negociadas e depois as pessoas se sentem surpresas.

O Trump adotou esse estilo e segue na mesma toada, anos depois. Bolsonaro parece seguir o exemplo dele, o que quer dizer que não deve mudar então.

Hamilton Mourão, por exemplo, é um vice protagonista, ele é livre, uma pedra bruta que pode ser lapidada. Mourão fez media training (treinamento para lidar com a mídia). Ele pode mudar. The Economist (publicação inglesa) já liga direto para o Mourão e não para o Bolsonaro. Mas o vice-presidente pode fazer isso porque não se comprometeu com o eleitor, com determinado comportamento. Bolsonaro, mesmo se quiser, já não consegue mudar a narrativa.

Uma das expressões preferidas dessa "narrativa" é classificar de "fake news" tudo o que desagrada o governo. Isso, e as próprias fake news do presidente, embalam ataques à imprensa, que só "vale" se for submissa. Isso não subverte o próprio conceito de imprensa numa democracia? Por que ninguém lembra que a imprensa teve a mesma criticidade com outros governos?

Ele (Bolsonaro) alimenta o perfil do próprio eleitorado. Como na campanha ele criou a imagem de que é um "mito", cria agora que todos são contra ele e não que ele está fazendo coisas erradas. E as pessoas não lembram por causa da questão da falta de foco que já mencionei. Isso favorece essas estratégias, que são até frágeis. E a população tem um lado de senso comum, quase infantil. "Sim porque sim", "não porque não". Não debatem temas com profundidade.

Mas ao repetir a tática o presidente não prega apenas para convertidos? Os eleitores, ou fãs dele, gostam desse estilo, mas e o restante?

É para a base dele. Não tem gente na rua dizendo "votei nele estou incrédulo". Ele tem um ajuste de realidade muito rápido. Ele diz que vai fazer algo, diz-se que isso não se faz. E ele não faz mais. Ele muda o rumo da proa muito rápido. Não tem tanta certeza do seu próprio plano de governo, tirando a questão do armamento e outras bandeiras mais caras a ele. O resto parece que está tudo em construção. As redes sociais iludem. Mas vivemos uma nova realidade democrática.

"O DEPUTADO NÃO ESTÁ NEM AÍ PARA ISSO"

Principal aliado do presidente Jair Bolsonaro no Espírito Santo, Carlos Manato é presidente do PSL estadual e secretário especial para a Câmara Federal – cargo abrigado na Casa Civil. A principal missão dele é, portanto, a articulação com os deputados federais em busca da aprovação de projetos do Executivo.

Questionado por A GAZETA sobre a possível falta de empenho do presidente em relação a pautas como a reforma da Previdência – considerando as declarações dele, que passam ao largo do tema –, Manato foi taxativo: "Isso aí de golden shower o deputado não está nem aí para isso. Isso não atrapalha a reforma da Previdência".

Carlos Manato (PSL) em debate na TV GAZETA em outubro de 2018, quando disputou o governo do Estado. (Ricardo Medeiros)

Para o secretário especial, a sensibilidade dos parlamentares é atingida por outros quesitos. "Isso (declarações polêmicas) não pega para os deputados. O que pega é não ser atendido por ministros", avalia. Mas ele diz que o presidente vai dar uma forcinha: "Ele vai receber mais deputados, bater uma foto, tomar um café, tem essa demanda, deputado gosta disso. E vai gravar uns vídeos curtos sobre a reforma".

Deputado estadual, Coronel Quintino (PSL) também não vê problemas nos tuítes do presidente: "Não vejo isso com tamanha magnitude a ponto de desviar o foco de algo tão importante como a reforma".

E voltando à autoria das publicações, Manato acredita que o presidente é o mentor das mensagens, mas não necessariamente o tuiteiro: "A ideia é sempre ele que passa. Pode ser que, não o Carlos, mas alguém da equipe, coloque".

ENTENDA O NOSSO TRABALHO

Por que fizemos esta reportagem?

As redes sociais são o principal meio de comunicação do presidente da República, Jair Bolsonaro, com a população, desde antes da eleição de 2018. A postura dele na internet é, com frequência, polêmica e controversa. Por isso, A GAZETA decidiu analisar o que ele publica em suas redes sociais desde que assumiu o Palácio do Planalto.

Como apuramos as informações?

As informações foram apuradas a partir do que o presidente publica nas redes sociais, sobretudo no Twitter, e também foram colhidas manifestações públicas de aliados que se posicionaram de maneiras diferentes sobre o conteúdo compartilhado recentemente.

O que fizemos para garantir o equilíbrio?

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A reportagem escutou um professor em Comunicação Política para avaliar a forma como o presidente se comunica pelas redes sociais. Também foram entrevistados correligionários capixabas do presidente da República.

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