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Polícia investiga advogados do ES por fraudar processos na Justiça

Polícia investiga advogados do ES por fraudar processos na Justiça

Polícia Civil apura denúncias de quatro juizados de Cariacica

Publicado em 26 de fevereiro de 2019 às 00:16

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Fórum de Cariacica: fraudes de esquema criminoso foram identificadas em juizados da cidade . ( Fernando Madeira)

Ações de indenização por danos morais que tramitam nos quatro Juizados Especiais de Cariacica estão sendo fraudadas. A descoberta foi feita pelos próprios magistrados, após serem alertados por uma operadora de telefonia sobre a falsificação de documentos nos processos. Eles então solicitaram a abertura de um inquérito na Delegacia Especializada de Crimes de Defraudações e Falsificações (Defa). Há indícios da participação de advogados nas fraudes, que podem estar ocorrendo ainda em outras cidades.

Para o juiz Ademar João Bermond, do 3º Juizado Especial Cível, as características da atuação dos criminosos revelam indícios da atuação de uma organização criminosa, da qual fariam parte escritórios de advocacia de Cariacica e pessoas mais humildes, que seriam os autores das ações, muito deles acumulando até processos na área criminal. “É um esquema de organização criminosa porque se verifica uma distribuição das tarefas, gente que falsifica documento, outro busca o comprovante falso, outro que alicia”, assinalou.

A fraude consiste em ações fictícias, motivadas por uma suposta negativação do nome de uma pessoa no cadastro do SPC/Serasa. A partir daí pede-se indenização por dano moral. Os documentos apresentados são falsificados, com informações adulteradas ou que nem existem.

Os alvos mais frequentes têm sido as empresas de telefonia, mas há casos também contra bancos e financeiras. As informações iniciais apontam que, uma vez tido o êxito no julgamento, as indenizações acabam sendo repartidas entre advogados envolvidos e o autor da ação.

A juíza Carmen Lucia Corrêa, do 2º Juizado Especial Cível de Cariacica, explica que foi verificado que em alguns processos não há problemas com a identificação do autor da ação ou com a documentação dele. “A existência da negativação é que é falsa. Em outros processos a fraude é maior porque nós temos o uso de um documento de identidade que não corresponde ao documento verdadeiro”, relata.

A fraude começou a ser apurada há pouco mais de 30 dias. As suspeitas surgiram a partir do relato de uma operadora de telefonia que estaria sendo vítima de ações fraudulentas. Segundo o juiz Ademar, cerca de quatro a cinco escritórios estão envolvidos, mas 90% a 95% dos processos são de dois escritórios.

Além dos advogados, os autores da ação, segundo os juízes, seriam arregimentados. Há casos em que isto ocorreu até em campo de futebol. “São pessoas humildes e com histórico criminal. Teve um cidadão que tinha mandado de prisão em aberto por tráfico”, acrescentou o juiz.

Nas fraudes, seriam usados documentos de negativação obtidos de empresas que só existem na internet, segundo o juiz Ademar. Dentre os estabelecimentos utilizados para obter o documento de negativação está uma empresa de carimbos, uma lan house e uma construtora, ambas de Viana.

O prejuízo causado ainda não foi contabilizado, mas já se sabe que as indenizações tenham valores pequenos, oscilando entre R$ 3 mil a R$ 7 mil. O ganho dos criminosos advém do volume de ações.

Um levantamento inicial do 3º Juizado Especial identificou pelo menos 21 processos em que as irregularidades foram praticadas. No 2º Juizado foram 14 processos. São ações que ainda estavam tramitando e que foram suspensas. Mas há dezenas de casos que são alvo de conciliação e que resultam em acordo ou que já foram julgados. Os juízes estimam que processos dos últimos dois anos podem ter sido fraudados e não só em Cariacica. Há suspeitas de que o mesmo ocorreu em Viana e na Serra.

RGS PRODUZIDOS A PARTIR DE 3 OUTROS DOCUMENTOS

Delegacia de Falsificações, onde juízes solicitaram abertura de inquérito. (Polícia Civil | Divulgação)

Os documentos utilizados nas ações fraudulentas em Cariacica parecem uma colcha de retalhos. A começar pelas identidades. A foto utilizada não corresponde ao nome descrito no documento, assim como a numeração pertence a outra pessoa. Ao final, algumas identidades são produzidas a partir de três outros documentos. Uma mesma foto chegou a ser utilizada em identidades diferentes em quatro processos.

Há casos em que a pessoa do documento, autora da ação, reside em cidade bem distante. De acordo com a legislação, você deve acionar o Juizado Especial na cidade onde reside. Mas os juízes encontraram a identificação de uma pessoa que reside em Barra de São Francisco, no Noroeste do Estado, mas que não compareceu a audiência. “O que nos deixa aborrecidos, porque fazemos um trabalho sério e as pessoas praticam crime dentro de um processo judicial, com um juiz. Se fazem isto aqui, imagina do lá de fora?”, questiona o magistrado Ademar João Bermond, do 3º Juizado Cível de Cariacica.

Outro problema encontrado pelos juízes diz respeito a negativação do nome do autor da ação em algum estabelecimento comercial. O documento é necessário para dar entrada em uma ação por danos morais.

Essas informações serviram para que os juízes solicitassem a abertura de um inquérito na Delegacia Especializada de Crimes de Defraudações e Falsificações (Defa).

FALSOS

Ocorre que eram falsificados ou por omitirem informação ou por trazerem informações que não existiam. “Nestas consultas o autor tinha uma única restrição ao crédito que era feita exatamente pela pessoa jurídica demandada na ação. Em uma das decisões concedidas de forma liminar pela Justiça, ao ser comunicada da necessidade de retirada do nome da pessoa do SPC/Serasa, a CDL descobriu que a tal negativação questionada na ação de dano moral sequer existia”, relatou a juíza Carmen Lucia Corrêa, do 2º Juizado Cível de Cariacica.

Os magistrados também encontraram problemas no documento de comprovação de residência. O curioso é que muitos deles continham a mesma data de envio, mesmo pertencendo a pessoas diferentes e estando em processos diferentes.

De acordo com a juíza Carmen Lúcia, os fatos foram descobertos quando foram fazer uma checagem nos processos oriundos de alguns escritórios de advocacia e que são suspeitos, e que tinham este tipo de comprovante de negativação.

Há casos de processos em que os autores já até receberam indenizações. Além disso, há o custo de cada audiência no Juizado especial – de R$ 7 mil – para o Estado, e que tem o objetivo de garantir justiça para as pessoas que tiveram os seus direitos ofendidos. “Precisamos saber quem está adulterando documentos de identidade expedidos pela Secretaria de Segurança do Estado e como os documentos chegaram nas mãos dos advogados que propuseram as ações e das partes que estão comparecendo em juízo”, alerta Carmen Lucia Correa.

Ela pondera que, enquanto um juiz faz uma audiência de um processo fraudulento, em que há uso indevido da lei, outras ações deixam de ser julgadas. “Deixo de julgar a ação de uma pessoa que está precisando fazer uma cirurgia ou que sofreu um dano material. É lamentável que se faça um uso tão inadequado de um instrumento legal com a excelência que é o nosso Código do Consumidor”, destaca Carmen Lúcia.

OAB PROMETE "PUNIÇÃO COM RIGOR" A ADVOGADOS

Punição com rigor. Foi o que prometeu a Ordem dos Advogados do Brasil, seção Espírito Santo (OAB-ES) com relação aos advogados investigados. A OAB ainda não foi comunicada oficialmente sobre as investigações. Mas o presidente do Tribunal de Ética e Disciplina, Alberto Nemer, assinalou que a Ordem “não ira assistir aos fatos de camarote”. Acrescentou que a instituição “não vai ficar inerte neste caso e em qualquer outro”, disse.

Segundo Nemer, assim que a OAB tiver indícios da participação de advogados em atos fraudulentos, ou mesmo com a publicação de matéria sobre o assunto, é possível instaurar um processo para investigar o assunto. “Se isso chegar para a OAB ou estes indícios chegarem ao nosso conhecimento ou por reportagem, dependendo do caso, a gente pode instaurar o ofício de um processo para fazer uma investigação, apurar se os possíveis envolvidos estão ferindo o Código de Ética e Disciplina da OAB”, assinalou.

O presidente revelou que já existem casos semelhantes sendo apurados mas que não poderia dar mais informações por eles tramitarem em segredo de Justiça.

Nemer adiantou ainda que os advogados que não cumprem o Código de Disciplina podem ser submetidos à censura, advertência, suspensão e eventual exclusão dos quadros da OAB. “Nossa mentalidade é de que indícios vão ser apurados com celeridade. Os advogados terão ampla defesa no devido processo legal e, ao final, se for para absolver, será absolvido, e se for para ser condenado, será condenado. Posso te garantir”, revelou Nemer.

OUTROS

A Delegacia Especializada de Crimes de Defraudações e Falsificações (Defa), por nota, informou que recebeu o levantamento realizado pelos magistrados dos Juizados especiais de Cariacica e que os casos de fraudes envolvendo ações por indenização de danos morais já estão sendo apurados. Os juízes entregaram o material para a delegada Rhaiana Bremenkamp e solicitaram a abertura de um inquérito policial há cerca de 20 dias.

De acordo com a assessoria de imprensa da Polícia Civil, mais detalhes sobre os casos que estão sendo apurados não serão divulgados para não atrapalhar a investigação em andamento.

Por nota o Tribunal de Justiça informou que não de manifestaria sobre o assunto, acrescentando que o fato está sob a jurisdição da Polícia Civil.

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