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Leis do tráfico: muros expõem ordens do crime na Grande Vitória

Leis do tráfico: muros expõem ordens do crime na Grande Vitória

Na Avenida Brasil, onde Thaís de Oliveira, 22, foi assassinada ao ir buscar um bolo de aniversário, as normas do tráfico estão escritas nos muros: "Retire o capacete. Abaixe o farol e o vidro do carro"

Publicado em 21 de agosto de 2018 às 01:54

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No muro Em um muro da Avenida Brasil, em Morada da Barra, onde jovem morreu sábado, traficantes expõem suas regras. . (Ari Mello/TV Gazeta)

Desabafo: “Parecia que a gente era bandido e eles eram a polícia fazendo justiça.” A frase é da tia da jovem Thaís de Oliveira, 22, morta após o carro em que as duas estavam com a família ser atingido por tiros de criminosos em Morada da Barra, Vila Velha, na noite de sábado. Os bandidos não eram policiais, mas agiram como autoridades criando suas próprias regras e punições, que incluem assassinatos. As leis impostas pelo tráfico estão presentes em outros bairros, apavorando moradores da Grande Vitória.

Na Avenida Brasil, onde a jovem foi assassinada ao ir buscar um bolo de aniversário, as normas do tráfico estão escritas nos muros: “Retire o capacete. Abaixe o farol e o vidro do carro”. A tia de Thaís, que dirigia o veículo, estava com os vidros abertos, mas a luz interna estava apagada, o que possivelmente resultou no ataque dos criminosos. Thaís morreu com um tiro nas costas e a avó dela foi baleada.

Por conta dessas regras, outra família também foi atacada na mesma avenida onde Thaís foi morta. No dia 15 de julho deste ano, um casal teve o carro atingido por balas quando estava com duas crianças, de 7 anos e 1 ano, dentro do veículo. Segundo a polícia, três criminosos ordenaram que o carro parasse. Como o motorista não obedeceu, eles atiraram. Por sorte, ninguém se feriu.

Moradores e prestadores de serviço da Grande Vitória contaram que traficantes criam regras como a lei do silêncio, a proibição em chamar a polícia e a obrigatoriedade de comunicar ao tráfico sobre visitas. Os moradores que as descumprem são punidos com agressões, expulsões de casa e até a morte.

Na segunda-feira (20), um telespectador da TV Gazeta denunciou, enviando fotos para o aplicativo, regras de criminosos que foram expostas na caixa de eletricidade e numa placa de trânsito em poste no bairro São Domingos, na Serra.

Já no bairro Carapina Grande, na Serra, o controle de traficantes sobre o cotidiano da comunidade vai além. Pela internet, através das redes sociais, a facção criminosa do Ponto Final monitora as conversas e mensagens trocadas pelos moradores, através do WhatsApp.

Os bandidos ficam na praça do bairro e, se desconfiam do morador, param e obrigam a entregar o celular para ver se estão passando alguma informação para a polícia ou rivais. Eles vigiam tudo, até o que as vítimas curtem, postam ou compartilham no Facebook. Quem descumpre as leis é expulso de casa e espancado em via pública.

PODER PARALELO

Para especialistas, as regras importas pelo tráfico mostram a presença de um poder paralelo que não pode ser ignorada. Alexandre Domingos, especialista em segurança pública e privada, afirma que traficantes do Estado copiam o que acontece no Rio de Janeiro e em São Paulo.

“É o Estado perdendo poder e o paralelo comandando. É um absurdo. Eu poderia falar para as pessoas não obedecerem, mas quem não obedece morre. Não existe efetivo suficiente de policiais, nem uma polícia integrada com a Guarda Municipal. Onde as comunidades são carentes e abandonadas pelos poderes públicos, o crime manda. O que aconteceu com essa jovem (em Morada da Barra) não foi uma mera fatalidade. Foi um crime onde o bandido quis mostrar a sociedade que ele é mais poderoso que as leis. Somos reféns do crime”, afirma.

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Já Pablo Lira, professor do mestrado em Segurança Pública, acredita que essas regras ainda são impostas porque os criminosos possuem a sensação de impunidade. “Os criminosos tentam impor regras porque as leis penais são excessivamente brandas. Eles cometem crimes bárbaros e continuam em circulação, pois as leis os favorecem. Nas esferas legal e jurídica, temos uma série de fragilidades. São leis que foram pensadas em um contexto em que a violência não era tão grave. A Constituição é de 1988. O Código Penal é da década de 40. Mudar isso é urgente. É a banalização da vida, como se o crime compensasse”, sentenciou.

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