O medo de estar sendo vigiado e a sensação constante de ter a privacidade invadida tem irritado moradores da Mata da Praia, em Vitória. Drones têm sobrevoado a região, alguns bem próximo às casas, o que tem gerado uma onda de preocupação em quem vive no bairro. Há quem já tenha, inclusive, cogitado derrubar os aparelhos para se ver livre do incômodo.
Nos últimos meses, a fotógrafa Katiuscia Rissi, de 40 anos, tem fechado todas as janelas e cortinas quando sai de casa. Tudo para tentar evitar que o local seja "espionado".
"A primeira vez que eu vi foi no final de julho. Não sei de onde veio esse drone, mas pode ter vindo da Pedra da Cebola, que fica aqui do lado. Passou pela minha casa, sobrevoou aqui, parou aqui em cima do telhado e ficou olhando. Em agosto vi de novo, filmei a ação para ver se inibia um pouco. Ontem (terça) encontrei com um vizinho que também reclamou desse drone, e achou que fosse nosso. Outro dia, minha funcionária viu o equipamento passando por aqui, foi eu chegar com o carro e o drone sumiu. Fica bem em cima do meu telhado, fica rodeando tudo. Já pensei em derrubar, está dentro da minha casa, voando baixo. Uma sensação horrível de invasão de privacidade e insegurança", reclama.
O microempreendedor Ronaldo Conti, de 55 anos, também se diz incomodado com a presença desse tipo de equipamento nas proximidades de casa. "Está frequente, tem aparecido muito no final de semana. Fica rodando em cima das casas. Tentei identificar de quem é, mas não consegui. Além da questão de invasão de privacidade, tem a questão da segurança. Se for uma pessoal mal intencionada, que estiver vigiando a casa, sabe exatamente a hora que tem gente na residência ou não, se tem carro na garagem ou não", afirma.
REGRAS E DICAS
Proprietário de um loja especializada em drones, Cleferson Comarela explica que utilizar esses equipamentos exige respeito a algumas regras básicas. Sobrevoar com um drone uma área próxima ao Aeroporto de Vitória, como no Parque Pedra da Cebola e na Universidade Federal do Espírito Santo, não é permitido.
"O drone tem várias regrinhas que hoje a gente não tem ninguém para fiscalizar. Tem que seguir pelo menos as normas mínimas de segurança como pilotar o drone com distância de cinco quilômetros do aeroporto, voar abaixo de 120 metros, evitar voar sobre pessoas e ter registro na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)", explica.
Ainda de acordo com o empresário do ramo de drones, se um equipamento está sobrevoando a sua casa, o piloto não está muito distante dali. "Pode ser alguém que está usando para monitorar, mas pode ser o vizinho brincando perto da sua casa. Tem que saber para onde o drone está indo porque ele vai e volta para o mesmo lugar e com certeza não fica muito longe: deve estar num raio de 100 a 200 metros da casa que está sendo sobrevoada. Muito raro voar baixo com drone e o piloto estar a mais de 300 metros do local", esclarece.
O QUE DIZ A POLÍCIA
Por nota, a Polícia Militar informou que "não tem conhecimento desse tipo de reclamação" e que o drone "não é nada mais que um brinquedo ou instrumento de trabalho. A apreensão tem que ser motivada pela utilização como meio para a prática de crime, e isso é bastante difícil de provar".
"Os criminosos valem-se cada vez mais de novas tecnologias para a prática de crimes, o que faz necessário a criação de novas leis que regulem sua utilização. É necessário entender a legislação a respeito da utilização de drones na invasão de privacidade das pessoas e como meio para a prática de outros crimes. A utilização do instrumento, por si só, não constitui crime", diz a nota da PM.
O QUE DIZ A PREFEITURA
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Vitória reiterou, por meio de nota, que não é permitido pilotar drones dentro do Parque Pedra da Cebola. "A Secretaria de Meio Ambiente de Vitória orienta à vigilância patrimonial do Parque Pedra da Cebola a não permitir a utilização de qualquer prática de esporte de aeromodelismo, automodelismo, pipas ou similares, conforme prevê o Decreto 16.573 de 28/12/2015, capítulo IV, Artigo XV e inciso 34. Em caso de insistência do visitante em utilizar o equipamento, a orientação é que a vigilância acione a Polícia Militar ou a Guarda Municipal para os procedimentos legais", diz a nota.
DRONES NO AEROPORTO
A circulação de aeronaves não tripuladas no Espírito Santo tem causado dor de cabeça. Nos últimos meses, a administradora de empresa, Luciana Fontes, que mora no bairro Jardim Camburi, em Vitória, filmou da janela de seu apartamento a movimentação intensa de drones próximo ao Aeroporto Eurico de Aguiar Salles.
De acordo com Luciana, é comum presenciar drones sobrevoando a região. Segundo ela, um equipamento foi percebido sobrevoando o aeroporto da capital capixaba por cerca de dez minutos e estava "se aproximando demais dos aviões que pousavam".
"Já vi outros drones aqui no bairro e de portes diferentes. Já vi pequenos e grandes. Mas esse último me chamou mais atenção porque ele estava fazendo manobras sem respeitar o espaço do aeroporto. O que me preocupou bastante foi que, além dos aviões, onde o drone estava também costumam passar constantemente helicópteros", relatou.
FISCALIZAÇÃO
Segundo a Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), drones ainda não trouxeram problemas para o tráfego aéreo do Estado. A empresa informou que uma equipe de fiscais está sempre a postos no local para entrar em ação caso algum tipo de objeto entre na área.
A Infraero contou ainda que "nesse tipo de ocorrência (aparição de drones), os aeroportos administrados pela companhia informam o avistamento ao controle de tráfego aéreo para as devidas providências serem tomadas na área de pouso e decolagem do aeroporto. Ao mesmo tempo é feito o acionamento das autoridades policiais competentes - polícias Federal e Militar - para que sejam realizadas buscas."
PENA PARA QUEM COMETE CRIMES AERONÁUTICOS
De acordo com o juiz federal Marcelo Honorato, que é especialista na área de crimes aeronáuticos, o piloto de drone que coloca sua aeronave não tripulada dentro ou muito perto de aeroportos comete uma grave infração e pode responder por crime de atentado ao sistema aéreo. O especialista pontua que, caso a investigação confirme a invasão, a pessoa pode pegar pena de dois a cinco anos de detenção. E, caso algum acidente ocorra, a pena seria de no mínimo 12 anos de prisão.
"Numa situação dessa, a Anac deve autuar o indivíduo, assim como um motorista ou um motociclista é punido com uma multa quando comete algum erro no trânsito. Então, é importante que os donos de drones ficarem atentos às informações, pois podem responder nas esferas administrativa, cível e penal. O ideal a se fazer é cumprir as regras e fazer as imagens distantes dos aeroportos, até para não colocar a vida de outras pessoas em risco", esclareceu.
DISTÂNCIA MÍNIMA DE 5,4 QUILÔMETROS
De acordo com o Tenente-Coronel Aviador Jorge Humberto Vargas Rainho, que atua na área de veículos aéreos não tripulados no Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), os radares dos aeroportos não conseguem detectar drones porque os pequenos equipamentos não possuem nenhum tipo de ferramenta de identificação de envio de sinais, como o transponder, presente em aviões.
"Radar não consegue identificar a presença de drones, pois eles não emitem sinais. Até por conta desse situação que eles não podem ser utilizados em zonas onde os aviões circulam mais baixos, que é quando vão levantar voo ou pousar. As regras do Decea foram instauradas em 2009 e, desde então, é proibido drone ser usado perto de aeroportos", declarou.
O tenente-coronel lembrou que as regras da Aeronáutica atestam que é exigido que drones devem ser utilizados a uma distância de no mínimo 5,4 quilômetros de distância de aeroportos. Além disso, o coronel enfatizou para os controladores de drones a necessidade do cadastramento de solicitação de voos no Sistema de Aeronaves Remotamente Pilotadas, chamado de Sarpas.
"Depois que a pessoa faz o cadastro no programa, ela passa a operar seu drone de maneira consciente e atendendo as regras de forma segura. A pessoa também passa a ter acesso a conteúdos produzidos pela Aeronáutica que reúne informações de uso do espaço aéreo e orientações de segurança", explica.
Além de manter a distância aconselhável para aeroportos, o piloto de drone também precisa ficar a 30 metros de distância de pessoas que não têm relação com o voo. Também é proibido drone sobrevoar em espaços fechados que tenham indivíduos presentes - eles não podem passar sobre pessoas durante voo. Quem descumprir a regra e for denunciado, pode cumprir pena de até um ano de prisão.
AS REGRAS ESTABELECIDAS PELA ANATEL E PELA ANAC
O drone tem funções variadas e pode ser operado para muitos fins. Hoje, o equipamento é usado para fazer imagens de tomadas aéreas para produção de filmes e também tem sido utilizado por governos de todo o mundo para monitorar regiões. Aparentemente controlar o objeto parece fácil, porém, é preciso treinar para "subir" com a aeronave não tripulada com segurança - conhecer o próprio equipamento é fundamental. As regras criadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) também precisam ser seguidas.
É necessário regularizar a situação do drone na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Após fazer a realização do cadastro nos sites dos órgãos, o condutor passa por avaliação e pode ou não ser liberado para usar o equipamento.
Tratando-se da Anatel, por conta do drone ser usado com controle remoto e emitir frequências de rádio, o órgão orienta o usuário a registrar devidamente o objeto para que interferências não venham atrapalhar. Essa questão é obrigatória para evitar que a fiscalização apreenda o drone e aplique multa.
"Existem requisitos para a utilização desses equipamentos no espaço aéreo brasileiro, que são informados aos interessados no registro no ato da inscrição", através de nota, informou a Anatel.
Para regulamentar o registro do drone é necessário saber o número de série do equipamento, ser maior de 18 anos e ter em mãos CPF e RG. O processo de validação demora de 15 a 20 dias. Em caso de aprovação, um certificado é emitido, o qual o condutor da aeronave não tripulada deve levar consigo toda vez que for utilizar o aparelho.
Segundo informações da Anac, até maio deste ano, mais de 43 mil drones estavam registrados no Brasil.
PERIGO
Em caso de acidente envolvendo um drone e uma aeronave tripulada, graves consequências podem acontecer, seja em aviões e grande ou pequeno porte. Segundo Roberto Zanoni, professor de Ciências Aeronáuticas, o grande perigo é o drone atingir o motor.
"Se o drone bater diretamente no motor do avião, essa colisão pode acabar resultando em um pouso de emergência. Além disso, se o drone bater no vidro dianteiro e ele venha trincar, a visão do piloto pode ser prejudicada. E, se bater na lataria, na parte das asas, por exemplo, o controle também pode ser dificultado", alertou.
O especialista também frisou que, mesmo o perigo sendo real, é improvável que um avião venha ser derrubado por conta de um impacto com um drone.
"Para tranquilizar de alguma forma os passageiros, grande parte dos aviões possui dois ou quatro motores e eles podem voar com um ou dois motores danificados. E, tratando-se de drones, que não voam tão alto, pelo menos não na altura dos aviões, eles só poderiam prejudicar um avião no pouso ou na decolagem. Nessa situação, como o avião está mais baixo, a possibilidade do pouso de emergência ser bem realizado é grande", afirmou.
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