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Discurso de coronel abre crise na cúpula da Segurança do Espírito Santo

Discurso de coronel abre crise na cúpula da Segurança do Espírito Santo

Em evento militar, diretor de Comunicação da PM, disse que a partir de janeiro a briga será pela valorização dos policiais e por melhores salários

Publicado em 15 de dezembro de 2018 às 00:18

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Entrada do Quartel da PM em Maruípe. (Ricardo Medeiros)

O discurso de um coronel da Polícia Militar, defendendo melhores condições de salário para a tropa, gerou uma crise na cúpula da segurança estadual. A fala aconteceu na última quinta-feira (13), durante solenidade em comemoração ao aniversário de 30 anos de fundação do 7º Batalhão de Cariacica, e trouxe a lembrança da greve dos policiais, em fevereiro de 2017, motivada pela insatisfação salarial.

O autor do discurso foi o coronel José Augusto Picolli de Almeida, atual diretor de Comunicação da Polícia Militar. Ele foi indicado para ser o chefe do Estado Maior da corporação na próxima administração. Será o terceiro homem mais forte no comando da PM a partir de 2019, responsável por todas as ações estratégicas que envolvem a tropa. A ele, assim como ao subcomandante e ao comandante, vão se reportar todos os demais coronéis.

Discurso de coronel abre crise na cúpula da Segurança do Espírito Santo

No evento, o coronel Augusto estava representando o atual comandante da PM, o coronel Alexandre Ramalho, que participava na ocasião de outra solenidade. Em sua fala ele pontuou que o maior patrimônio da PM não são os equipamentos e as viaturas. Na dia anterior a fala, na última quarta-feira (12) foram apresentadas as 40 novas Bases Comunitárias Móveis, com tecnologia de monitoramento, compradas e apresentadas pela Secretaria de Segurança Pública (Sesp).

Destacou ainda que o maior patrimônio da Corporação, a partir de janeiro do próximo ano, quando assume a novo governador do Estado, Renato Casagrande, serão as pessoas e que a briga será pela valorização do policial. Disse ainda que é inadmissível um soldado ter um salário irrisório de R$ 2.400. Foi aplaudido pela tropa presente, que chegou a interrompê-lo em alguns momentos.

A preocupação com a repercussão do discurso junto à tropa foi demonstrada por diversos oficiais ouvidos pela reportagem, que temem que ela gere uma expectativa por reajuste salarial. O fato motivou até um encontro da cúpula da Segurança, que reuniu, na tarde desta sexta-feira (14), o governador Paulo Hartung, o secretário de Segurança Pública, coronel Nylton Rodrigues, e o comandante-geral da PM, coronel Alexandre Ramalho.

Na avaliação de Ramalho, a fala do coronel Augusto, que assumirá posição de destaque no comando da PM em 2019, só da uma indicação: "A impressão que nos passa é de que ela está alinhada com o futuro governo", ponderou, sem dar mais detalhes do que foi discutido.

SEM REAJUSTE

Mas o fato foi descartado pelo futuro comandante da corporação, coronel Moacir Leonardo Vieira Barreto Mendonça. Ele relatou que não estava presente no evento e garantiu que o discurso do coronel Augusto não tinha o seu aval. "Não há garantias de aumento em 2019. A expectativa real no futuro governo é de um tratamento com muito respeito, acompanhando o cenário econômico nacional e local para fazer uma gestão financeira com responsabilidade. O comando estará aberto ao diálogo respeitoso com a tropa, mas reajuste não há garantias".

Na avaliação dele as afirmações do coronel Augusto não reacendem na tropa as lembranças da greve de 2017. "Houve lições, com tudo o que aconteceu, para todos, e acredito na maturidade, no entendimento e na união da tropa. E estamos projetando o futuro de um novo cenário de tratamento, de diálogo, porque isso é importante. Vamos abrir um canal de contato com as associações, com os policiais, visitar os batalhões. O próximo governo quer atuar com transparência e respeito. E na medida em que os cenários econômico e financeiro possibilitarem algo no futuro, o governo estará aberto a dialogar. Mas volto a afirmar, para 2019 não há garantias de reajuste", destacou.

O coronel Barreto fez ainda questão de assinalar que seria temerário, antes de assumir a gestão, o comando da PM fazer promessas que possam não ser cumpridas. "Nossa intenção é a melhor possível. Queremos trabalhar, promover a coesão do grupo, valorizar o trabalho policial no dia a dia", finalizou.

O coronel José Augusto Picolli foi procurado pela reportagem, mas preferiu não se manifestar sobre o assunto.

ASSOCIAÇÕES

O futuro presidente da Associação dos Oficiais Militares Estaduais do Espírito Santo (Clube dos Oficiais/Assomes), o coronel da reserva Marco Aurélio Capita, descarta a possibilidade de um novo movimento grevista. "Isto está descartado. A demonstração de insatisfação pode ser feita de várias formas. A busca de melhorias é feita com responsabilidade. Agora, insatisfação existe sim, mas será tratada com responsabilidade e contamos com a colaboração do futuro governador em manter o diálogo com a categoria", assinalou.

Ele assumirá a Assomes em meados de janeiro. Vai contar na sua gestão com o apoio de um dos conselheiros eleitos, o coronel Augusto Picolli. Na avaliação de Capita a necessidade de se investir em recursos humanos, na PM, é uma realidade. "Temos hoje o pior salário do país, mas o Estado não é o pior do país na questão orçamentária", pondera.

Ele adianta que irá buscar, junto ao comando da corporação, através do diálogo e de proposta viável para o orçamento, alternativas para a atual situação. "É uma situação constrangedora. Temos o pior salário do Brasil mas, em paralelo, temos um histórico de projetos tanto da PM quanto dos Bombeiros, que são referências nacionais", disse.

Já o atual presidente da Assomes, o tenente-coronel Rogério Fernandes Lima, informou que desconhece o teor do discurso, mas assinala que o coronel Augusto é um oficial que compõe o alto comando da PM e que é preciso analisar os desdobramentos do seu discurso. "Ninguém quer o fevereiro de 2017 de novo, mas que o diálogo prevaleça e que as conquistas para a categoria aconteçam, sem prejudicar a sociedade e os policiais. Nos últimos três anos, a Associação sempre buscou a via do diálogo e do entendimento com o governo", ponderou.

O sargento Renato Martins, presidente da Associação de Cabos e Soldados (ACS), considera o discurso do coronel como "inteligente", no sentido de identificar o que é hoje a maior necessidade da tropa e que toca no aspecto motivacional. "Em relação ao desdobramentos deste discurso, minha leitura, pelo contato que tenho, é que os policiais capixabas tornaram-se céticos, insensíveis a discursos", destacou.

Para o sargento, somente medidas efetivas vão ser vistas com segurança. É claro que o aumento representaria algo indescritível na atual conjuntura, visto que desde 2008 passamos por sucessivos desgastes em nossa renda, mas asseguro que o aumento, se não for precedido de anistia para os militares, não vai atingir o escopo que tal reconhecimento promove em qualquer setor", pondera.

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Ele relata que a PM vive hoje um conflito interno: de um lado policiais que se defendem e de outro, policiais encarregados de procedimentos de acusação, o que tem gerado profunda desmotivação e que só se reverterá, avalia, a partir de um processo de anistia. "Não temos outro caminho para melhorar a segurança pública no tocante a PM a não ser pela anistia, que voltaria a motivar-se. Todas as quintas, dia de publicação de boletim interno, policiais de todo o estado ficam angustiados por não saberem se vai ser publicado a sua exclusão ou seu processo demissionário, o que não colabora com a motivação e moral da tropa capixaba", assinala Martins.

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