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As periferias e as áreas nobres dos cemitérios na Grande Vitória

As periferias e as áreas nobres dos cemitérios na Grande Vitória

Diferenças comprovam que a morte não iguala a todos

Publicado em 1 de novembro de 2018 às 00:43

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Jones Souza, limpador dos túmulos mais caros. (Marcelo Prest)

Uma visita aos cemitérios da Grande Vitória, sejam eles públicos ou privados, revela que a morte não põe fim às diferenças sociais. Dependendo das condições financeiras da família, o sepultamento ocorrerá em uma área nobre, terá direito a um jazigo ou mausoléu perpétuo, com obras de arte e até com despedidas ao som de um violinista. Mas se o dinheiro for curto, a pessoa será enterrada na periferia do cemitério, em uma cova simples. E findo o prazo legal, o destino final será o ossário público.

Um exemplo é o cemitério de Santo Antônio, o mais tradicional de Vitória. Para começar, lá é destinado somente às famílias que já possuem espaço no local. Dividido em seis planos, cada um deles tem um valor diferente. 

As sepulturas mais bem localizadas são as mais caras. Só para se ter ideia, a taxa paga por um túmulo perpétuo em primeiro plano é seis vezes mais cara do que um que esteja no último plano. O preço varia de R$ 268,93 a R$ 1.558,46.

São diferenças, como relata o limpador de túmulos, Jones Souza Gomes Filho, de 19 anos, que comprovam que a morte não iguala a todos.

“No primeiro e segundo planos estão os túmulos mais caros. São pessoas que querem mostrar que têm condições, com túmulos onde se paga mais para morrer do que para viver. Subindo tem os mais simples, só com a tampa, só para ter o lugar para enterrar o parente”, pondera o jovem que, com o bico dos últimos 20 dias, vai receber cerca de R$ 400 ajudando o padrasto e mantendo a terceira geração de limpadores de túmulos.

A PERIFERIA DA PERIFERIA: A ALA DOS INDIGENTES

No outro extremo da cidade encontramos o Cemitério de Boa Vista, em Maruípe. Por lá existe ainda uma outra periferia: a ala dos indigentes. Na última quarta-feira (31), quatro deles foram enterrados. Um velório que contou apenas com a presença de dois policiais, dos coveiros e do administrador.  Quando o rabecão da Polícia Civil chegou, as covas, todas numeradas, já estavam abertas. Rapidamente os quatro caixões foram retirados do veículo e enterrados.

 Não havia família, amigos ou conhecidos. Nem flores, coroas, lápides ou cruzes. Apenas um número, checado e confirmado, para identificação nos registros. O único som local era o da risada das crianças da escola vizinha, que teimavam em atrair a atenção dos coveiros. Na ala a eles destinada não há vestígios das sepulturas. Apenas o mato que teima em crescer, favorecido pelas chuvas, apesar das constantes roçadas, como relata o administrador do cemitério, Nelson Torres.

Lá quem vai compartilhar o espaço, lado a lado, nos próximos 12 anos são pessoas que morreram e não foram identificadas pela polícia. Passaram uma temporada na geladeira do Departamento Médico Legal (DML) e por elas ninguém procurou. Há ainda aqueles que foram identificados, mas que a família se recusou a reivindicar seus corpos, ou ainda os que nem familiares possuem. Cabe ao Estado dar uma destinação final a eles, num caixão simples, levado pelo rabecão. Antes de serem enterrados foram fotografados, tiveram suas digitais recolhidas e feitos exames de DNA. Alguns podem ser provas em processos criminais ou mesmo virem a ser reconhecidos no futuro. Se isso não ocorrer, em 12 ou 13 anos, suas covas vão dar espaço a outros.

Por mês cerca de quatro corpos nesta condição são enterrados em Vitória. O mesmo ocorre em outros cemitérios públicos da Grande Vitória.Para o administrador Nelson, esta ala representa o extremo da marginalidade social.

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or eles não há ninguém. Não estavam inseridos em um contexto social ou não foram aceitos ou reconhecidos por suas família

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OSSÁRIO PÚBLICO

No mesmo cemitério há ainda um outro extremo, o ossário público. Para lá são destinados a maioria dos restos exumados (ossos) após o período legal – em geral cerca de 5 a 6 anos – e que não foram reivindicados pelas famílias. São levados para uma enorme caixa de cimento que acomoda todos, sem nenhuma separação na destinação final, onde o tempo e os produtos químicos fazem o seu trabalho. “Poucos compram nichos perpétuos, mas a maioria nem procura o que restou dos parentes”, relata Torres.

É uma  situação se repete em outros cemitérios da Grande Vitória, onde túmulos ricos convivem ao lado de covas simples e até de indigentes. Algumas cidades, como Vila Velha e Serra, optaram por não oferecerem novos túmulos perpétuos nos cemitérios públicos. Só os atuais são mantidos. Com isso, o sepultamento é por 4 anos. Vencido o prazo, o espaço é cedido para outra pessoa.

Mas até mesmo nos privados, onde as lápides transmitem uma aparência de igualdade, há diferenças, como explica Renata Duarte Madeira, gerente do Jardim da Paz, na Serra. 

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s setores são como bairros em uma cidade, existem as áreas consideradas nobres, que são as que estão mais perto da entrada, da administração e da capel

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Com isso os preços variam de R$ 5.740 a R$ 8.850 se a pessoa for pega de surpresa. O valor pode reduzir se for adquirido com antecedência, indo de R$ 4.400 a R$ 7.150.

AS ESCOLHAS

Já nos últimos setores do Cemitério de Santo Antonio está a periferia, com sepulturas mais simples e nem sempre tão bem conservadas pelas famílias. (Marcelo Prest)

Como relata o secretário Leonardo Amorim Gonçalves, da Central de Serviços de Vitória, o município oferece o espaço público e faz a manutenção das áreas comuns. Mas são as famílias as responsáveis pelas construções e cuidados com o túmulo. “O que difere, especificamente, é a vontade da família. É o que fazem de investimento na sepultura que tem direito. Em Santo Antonio, até o terceiro plano temos sepulturas com estrutura maior e percebemos um cuidado maior, mas nos outros planos nem tanto”, relata.

São estas mesmas escolhas que vão ainda mostrar outra face das diferenças sociais. Enquanto há famílias que dependem da ajuda dos municípios para enterrar seu entes queridos, há outras que podem transformar o serviço funerário em um evento. Segundo o administrador da Renascer, Amilton Banhos, o custo vai do básico, que é de R$ 1.200, até o infinito. “Tudo depende do que a pessoa pretende incluir no serviço funerário. Hoje o mercado oferece de tudo. Há urnas cujo preço equivale a um carro básico”, conta.

Há caixões com coberturas de cristais swarovski, feitos em madeira nobre de reflorestamento e com ornamentos especiais que ultrapassam a casa do R$ 40 mil. Há modelos que trazem até colchões de marcas especiais. São oferecidos ainda coroas de rosas, ao invés do pobre crisântemo; cerimonialista, veículos especiais para cortejo, sem contar os tratamentos para o morto, que vão da conservação à reconstituição, e em casos de danos severos, até maquiagens especiais.

Luxo na morte. (Divulgação)

Quanto à diferença de custos, Amilton descreve que famílias com alto poder aquisitivo, após a cerimônia, até agradecem por terem optado pelo serviço mais luxuoso. “Eles podem pagar, mas não sabem o que oferecer e percebem, depois, que o familiar, muitas vezes por ser vaidoso em vida, recebeu o melhor como última homenagem”.

Para alguns casos, a este custo une-se ainda aqueles destinados à cremação. O preço é único e individual: R$ 4.700. E para os que não sabem o que fazer com as cinzas, em breve será oferecido um outro serviço, com valores ainda não disponíveis: o columbário, um local para armazenar as urnas cinerárias (com as cinzas).

DESPESAS ALÉM TÚMULO

(Marcelo Prest)

A única coisa comum a todos os níveis sociais é a certidão de óbito, que é gratuita. De resto, as diferenças persistem. Um exemplo são os gastos com a manutenção, seja nos cemitérios tradicionais, como é o caso de Santo Antonio, ou até mesmo nos privados. O preço varia de acordo com o serviço encomendado, mas uma limpeza básica fica por volta dos R$ 30, a uma taxa anual de manutenção de R$ 460, no setor privado

Se for construir um túmulo perpétuo, nos cemitérios públicos mais tradicionais, terá que se preparar para um bom desembolso. Há mausoléus que ultrapassam a casa dos R$ 100 mil, com as pedras de granito e estátuas. Se o desejo for de colocar uma mensagem em metal, grafando o nome da pessoa na sepultura, vai pagar pelo menos R$ 6 por letra. “O custo varia de acordo com o trabalho. Se a letra for de bronze fica mais caro, R$ 12 a unidade”, explica Carlos Roberto Loureiro Santos, que passou 20, dos seus 65 anos, grafando túmulos.

Agora, se a pessoa deixou algum patrimônio, vai ter trabalho e gastos se não tiver sido feito antes um plano sucessório, como relata o advogado José Eduardo Coelho Dias, especialista em Direito de Família e Sucessões. “São muitas taxas, dependendo do caso, custas de processos, cartório, enfim, não é tão fácil”, afirma.

E quanto maior o poder aquisitivo do falecido, mais caro fica para a família. Se a pessoa tem bens à dividir, é necessário fazer o famoso (mas não querido!) inventário. Ele trata da transmissão do patrimônio, sejam créditos ou débitos. “Estamos falando de dívidas e de bens que eventualmente a pessoa possua. Quando todos os herdeiros são maiores e há consenso em relação a partilha, esse inventário costuma ficar bem mais barato porque ele pode ser feito diretamente no cartório e você vai pagar uma taxa calculada sobre o valor do patrimônio. Isso é muito mais barato do que o inventário o judicial”, explica o especialista. No inventário judicial, quando há testamentos, menores envolvidos ou falta consenso entre os herdeiros, existe uma tabela de custos. A taxa padrão é de 1.5% sobre o valor do patrimônio a ser transmitido.

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