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Empresas conseguem adiar pagamento de indenizações trabalhistas

Empresas conseguem adiar pagamento de indenizações trabalhistas

Por conta da crise, o faturamento das organizações caiu, impossibilitando  o que foi determinado pela Justiça do Trabalho

Publicado em 18 de maio de 2020 às 07:28

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carteira de trabalho
Empresas procuram a Justiça para adiar pagamentos ao trabalhador. (Reprodução internet)

O Brasil atravessa um momento de grande excepcionalidade por causa da pandemia do novo coronavírus e os impactos se refletem no funcionamento das empresas. Com a redução de caixa, muitas delas passam por dificuldades financeiras e recorrem à Justiça para conseguir o adiamento do pagamento de indenizações trabalhistas.

Por se tratar de uma situação de anormalidade, os juízes do trabalho suspendem e até reduzem os valores das parcelas com intuito de preservar o acordo feito entre as partes e para que o trabalhador não fique sem receber o que lhe é de direito.

Um exemplo é a decisão do juiz Renato Barros Fagundes, da 23ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, que suspendeu o pagamento de parte de um acordo trabalhista entre ex-funcionários de duas empresas de organização de eventos e shows de médio e grande porte. O despacho do magistrado foi no dia 31 de março e foi considerado inédito pelos advogados.

Com a decisão, o pagamento das parcelas do acordo trabalhista permanecerá suspenso até o final do estado de calamidade pública no país. O acordo feito com um ex-funcionários teve o primeiro pagamento feito em maio de 2019 e estava previsto para ser finalizado em dezembro de 2020.

Neste caso, a empresa procurou a Justiça trabalhista para informar que não conseguiria arcar com as futuras parcelas porque todos os eventos foram cancelados por causa da crise. O juiz entendeu que a situação de pandemia é uma anormalidade, com efeitos para o mercado de trabalho e para as atividades econômicas consideradas não essenciais.

A advogada trabalhista, Karen Buralde, avalia que a decisão do magistrado é inédita e deve servir como base para outras ações que poderão surgir durante a crise do coronavírus.

“Por ter todos os eventos cancelados, a empresa já sabia que não poderia honrar com o pagamento da indenização. Adiar o prazo é um forma de garantir ao trabalhador que ele vai receber o valor acordado e que a empresa não vai ficar inadimplente. Não existe uma previsão legal para isso, mas o juiz está se pautando pelo princípio da razoabilidade, devido a esse momento que estamos vivendo”, argumenta.

Ela salienta que para a empresa pedir o adiamento dos pagamentos indenizatórios precisa demonstrar que está com dificuldade financeira, como foi o caso da empresa de Porto Alegre. Para isso, é necessário reunir documentos que provem a real situação.

Em um outro acordo, desta vez em São Paulo, a Justiça do Trabalho determinou que uma empresa de transporte coletivo pague apenas uma fração de 30% das próximas parcelas referentes a um acordo feito com um ex-funcionário. A decisão foi tomada no dia 3 de abril pela juíza Mariza Santos da Costa, da 7ª Vara do Trabalho.

ACORDOS

O juiz do Tribunal Regional do Trabalho no Espírito Santo, Fausto Siqueira Gaia, lembra que, embora estejamos em um momento de pandemia com impactos nos caixa das empresas, é necessário haver um acordo entre trabalhadores e empregadores.

“Acordos que foram feitos antes da crise estão com parcelas vencendo neste momento de crise. Um eventual postergamento vai depender de uma negociação entre as partes, o assunto não pode ser tratado unilateralmente”, comenta o magistrado.

Ele informa que a Justiça do Trabalho marca uma audiência de conciliação para que uma proposta seja apresentada pela empresa. Por meio de uma videoconferência, novas cláusulas poderão ser adicionadas ao processo.

“Tem crescido muito a procura por novos acordos, pois as empresas tiveram redução no fluxo de caixa. Podemos citar como exemplo o comércio que ficou muito tempo sem funcionar. É necessário que a organização explique as condições dela para que possamos chegar a um acordo. O empregador precisa se colocar no lugar do empregado e o mesmo deve acontecer com o trabalhador. Por isso, o bom senso entre as partes é fundamental”, ressalta Gaia.

O advogado Victor Passos Costa analisa que os pedidos das empresas estão sendo atendidos pela Justiça do Trabalho como ocorre em outros órgãos no Judiciário. Ele lembra do caso de uma loja que conseguiu reduzir o aluguel em um shopping e outra que diminuiu a conta de energia.

“O argumento é o mesmo, pois existe um evento de força maior que torna impagável ou dificulta um pagamento. O assunto está previsto no Código Civil e também pode ser utilizado neste caso. Com a redução nos faturamentos, as empresas vão até a Justiça demonstrar a incapacidade de cumprir com o pagamento dos acordos trabalhistas. Cada caso pode ser analisado, dependendo do valor e da quantidade de parcelas, entre outros fatores”, explica Passos Costa.

Para ele, a decisão judicial pode trazer prejuízos ao trabalhador quando o direito dele é postergado. “Esse funcionário fica contando com o dinheiro e , deixar de receber, pode causar prejuízos a ele. Em qualquer caso, a Justiça utiliza o princípio da razoabilidade. Se a parcela for alta para a empresa, é possível negociar uma suspensão ou redução do valor. O que não pode acontecer é não pagar o que foi acordado sob pena de multa, antecipação das parcelas e bloqueio judicial”, explica.

O advogado e professor da UVV Christiano Menegatti ressaltar que não pode o empregador simplesmente suspender os pagamentos sob o fundamento de falta de dinheiro para honrar com o que foi acordado. É necessário, segundo ele, que a empresa obtenha previamente o aval do Pode Judiciário, a quem cabe averiguar se, de fato, a situação vivenciada inviabiliza de forma total ou parcial a continuidade dos pagamentos.

“Vale lembrar que há setores que não sofreram qualquer impactos decorrentes da crise. De qualquer forma, é preciso deixar claro que não será possível renegociar valores mas, tão somente, as condições de pagamento, a forma com que será feito o pagamento do que foi acordado. Caberá a cada magistrado analisar o caso de maneira específica aferindo a particularidade de cada situação”, explica.

Ele lembra ainda que os créditos objeto do acordo trabalhista são de natureza alimentar e, por este motivo, dele o trabalhador depende para sua subsistência. “Por outro lado, não é possível deixar de analisar a situação a par das possibilidades da empresa, sob pena de inviabilizar a continuidade do negócio gerando, desta maneira, desemprego”, acrescenta.

ALGUMAS DECISÕES PELO PAÍS

EVENTOS E SHOWS

A Justiça do Trabalho de Porto Alegre suspendeu o pagamento de parte de um acordo trabalhista entre ex-funcionários de duas empresas de organização de eventos por causa da crise causada pelo coronavírus. Em decisão considerada inédita, do dia 31 de março, o juiz Renato Barros Fagundes, da 23ª Vara do Trabalho, determinou que o pagamento das parcelas do acordo trabalhista permanecerá suspenso até o final do estado de calamidade pública no país.

O primeiro pagamento do acordo trabalhista feito com ex-funcionários foi feito em maio de 2019 e estava previsto para ser finalizado em dezembro de 2020. A empresa foi à Justiça Trabalhista para antecipar que não conseguirá arcar com as futuras parcelas por causa da crise. Em sua decisão, o magistrado ressaltou que o devedor e o credor são igualmente prejudicados pela pandemia. “O devedor também não é responsável pela pandemia, embora seja igualmente prejudicado pelo evento”.

TRANSPORTE COLETIVO

A Justiça do Trabalho de São Paulo determinou que uma empresa de transporte coletivo pague apenas uma fração de 30% das próximas parcelas referentes a um acordo feito com um ex-funcionário. A decisão foi tomada no dia 3 de abril pela juíza Mariza Santos da Costa, da 7ª Vara do Trabalho. A empresa solicitou a prorrogação do pagamento das parcelas próximas aos vencimento a partir de 30 de março a 30 de junho de 2020 ou, alternativamente, enquanto perdurar a crise do coronavírus.

A magistrada, em sua decisão, afirmou que é evidente que a suspensão dos atendimentos presenciais irá afetar “drasticamente o caixa das empresas, o que causará, infelizmente, a inviabilidade de muitos negócios em todo o país, com probabilidade significativa do aumento do desemprego”. A juíza determinou que a empresa deverá pagar apenas 30% das parcelas de abril, maio e junho e o valor restante no prazo de 30 dias após o fim da última parcela (a de junho).

FABRICANTE DE TECNOLOGIA

O juiz Régis Franco e Silva de Carvalho, da 3ª Vara do Trabalho de Barueri (SP), suspendeu temporariamente o pagamento de parcelas de um acordo trabalhista de uma empresa de tecnologia. A decisão foi no dia 5 de maio. A companhia teria que pagar 10 parcelas de R$ 24 mil a uma ex-funcionária e com a decisão da Justiça do Trabalho, as parcelas com vencimento em abril e maio serão pagas apenas depois que for quitada a última parcela do acordo.

O magistrado argumentou que a Lei Trabalhista prevê a prorrogação dos prazos acordados, “pelo tempo estritamente necessário, quando o juízo entender necessário; e em virtude de força maior, devidamente comprovada”. A empresa apresentou ao juiz documentos que demonstram a suspensão de contratos comerciais e serviços prestados, ocasionando um grande redução do faturamento da empresa.

EMPRESA DE TRANSPORTES

A crise provocada pela Covid-19 levou uma empresa de transportes de São Paulo a procurar a Justiça para flexibilizar o pagamento de acordos trabalhistas. Ao todo, foram dois processos. No primeiro caso, a Juíza do Trabalho Mariza Santos da Costa, da 7ª vara do Trabalho de São Paulo, concedeu parcialmente o pedido da companhia para reduzir o percentual pago a trabalhador em um acordo trabalhista.

O acordo foi firmado entre as partes em agosto de 2019, mas em razão dos efeitos causados pela crise, a empresa solicitou a prorrogação de pagamento das parcelas que ainda vão vencer por um período de até noventa dias sem a incidência de multa por atraso ou denúncia de descumprimento. Neste caso, o trabalhador discordou da prorrogação.

A magistrada aceitou o pedido da empresa para reduzir o percentual pago ao trabalhador, sem incidência de multa recorrente da mora do remanescente do pagamento. Para ela, ao reduzir o percentual, o trabalhador “não será tão prejudicado, em relação ao pedido de suspensão total do pagamento do acordo e a empresa terá um fôlego para administrar os efeitos da crise que se avança”.

A empresa também teve um segundo processo pedindo a prorrogação de prazos. A decisão foi da juíza do Trabalho substituta Daniela Mori, da 89ª vara do Trabalho de São Paulo, que observou que não há a possibilidade de suspensão total do pagamento, uma vez que é de natureza alimentar.

Ela decidiu que diante da pandemia "e da impossibilidade de continuidade regular de maioria das atividades comerciais", autorizar, excepcionalmente, o pagamento pela metade das quatro próximas parcelas a vencer. Elas deverão ser quitadas no prazo e sem incidência de multa ou vencimento antecipado das demais.

QUIOSQUE DE BEBIDAS

A Justiça do Trabalho de Juiz de Fora (MG) autorizou um quiosque de bebidas de um shopping da cidade a suspender o cumprimento de um acordo homologado em juízo envolvendo um ex-empregado. A decisão foi do juiz Tarcísio Correa de Brito, titular da 5ª Vara do Trabalho, que reconheceu a dificuldade do empregador de arcar com o pagamento da dívida, no total de R$ 10 mil, diante do fechamento do shopping, determinado por decreto municipal em função do coronavírus.

No acordo ajuizado, o quiosque deveria pagar ao trabalhador o montante, referente à rescisão contratual, em 10 parcelas mensais. A primeira, com vencimento até 14 de novembro de 2019. Já a última, deveria ser repassada ao ex-empregado até 14 de julho de 2020. O não pagamento de qualquer valor acarretaria multa.

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O magistrado determinou a suspensão das parcelas vencidas e vencíveis e autorizou o empregador a reiniciar o pagamento após o retorno efetivo das atividades comerciais. Ele ainda manteve as cláusulas originais homologadas, inclusive, com relação à cláusula penal e permitiu, ainda, que as partes possam até realizar nova transação judicial, readequando o cumprimento do acordo homologado, inclusive, mediante renegociação, para a sua viabilidade.

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