Publicado em 27 de abril de 2020 às 10:52
O isolamento social proposto por governos e entidades médicas do Brasil e do mundo como a única medida para reduzir o contágio do novo coronavírus encontra barreiras na desigualdade social. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Espírito Santo tem mais de 147 mil famílias morando em residências onde dormem três pessoas ou mais em cada quarto. Quase metade está nos quatro municípios da Grande Vitória. >
Essa condição, mais comum em áreas periféricas, dificulta o distanciamento e favorece a proliferação do vírus entre habitantes de uma mesma casa. A pandemia do coronavírus trouxe novamente à tona a discussão sobre a precariedade das moradias, principalmente, nos grandes centros urbanos. A dificuldade das famílias mais pobres ao crédito para aquisição da casa própria, com o enfraquecimento do Minha Casa Minha Vida, também contribui para o problema.>
Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, a maioria dos lares nessa situação se concentra nas regiões mais pobres: a Serra encabeça a lista, com mais de 22 mil famílias vivendo em residências muito adensadas (3 ou mais pessoas por dormitório). Em seguida vêm Cariacica, com pouco mais de 18 mil, e Vila Velha, com 15,7 mil. Vitória tem pouco mais de 10 mil pessoas nessa situação.>
Como os dados são do Censo Demográfico de 2010, último levantamento com essas informações realizado no Brasil, é possível que esses números sejam subestimados.
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Coronavírus: Precisou ir à rua? Veja o que fazer ao voltar para casa
A cuidadora de idosos Rosineide Parreira Soares, 44 anos, foi diagnosticada com Covid-19 há cerca de uma semana. Na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Nova Carapina, na Serra, recebeu junto da receita médica um papel com orientações de distanciamento e isolamento que deveriam ser praticadas em casa para evitar que ela transmitisse o coronavírus aos outros membros da família.>
Cumprir as determinações, contudo, não tem sido fácil. Moro em uma casa com sete pessoas em Cidade Pomar. Meu marido é hipertenso e meu filho amanheceu hoje com sintomas de gripe. Fico de máscara o tempo todo, estou tentando fazer o isolamento, mas é muito difícil, diz. >
Moradia precária
Por precaução, os pais de Rosineide, que são idosos, foram morar com a irmã dela. Ainda assim, a preocupação não a tem deixado dormir. Tenho tido muita insônia. Eu levanto de madrugada, mesmo com dor no corpo, e desinfeto a minha casa toda, conta. >
Para a especialista em Saúde Coletiva e professora de Epidemiologia da Ufes Maria del Carmen Molina, a pandemia de coronavírus tem dois padrões epidêmicos: um dos bairros nobres e outro das comunidades. >
No padrão do asfalto, dos bairros mais nobres, nós conseguimos fazer distanciamento físico, temos acesso ao álcool em gel, fazemos compra pela internet, recebemos supermercado em casa, fazemos higienização de tudo. O outro padrão é o das comunidades com densidade demográfica muito elevada, fornecimento irregular de água, falta de acesso a sabão e outros desinfetantes, explica.>
Segundo a professora, esse adensamento facilita o contágio rápido em uma mesma área e está com frequência associada a outras dificuldades, como manter hábitos de higiene e cuidados necessários para evitar a contaminação. >
A pessoa contaminada dentro de uma casa precisa ter tudo de uso exclusivo dela. Um prato, um copo, uma roupa de cama, uma toalha. Isso não é possível para muita gente, afirma. >
Essa situação também tem sido presenciada pelo presidente estadual da Central Única de Favelas (Cufa-ES), Gabriel Costa Nadipeh. A entidade tem recolhido e feito a entrega de material de limpeza, comida e brinquedos em áreas de grande vulnerabilidade e tem encontrado um cenário desolador. >
Tem caso que a casa tem três metros por quatro, toda de madeira, telhado de eternit e 11 pessoas moram ali. Como manter a quarentena num lugar desse?, questiona. >
Ele afirma que, quando havia aulas, as crianças iam para a escola, alguns adultos saíam para trabalhar, o que promovia uma alternância de pessoas dentro de casa. A situação atual, porém, não possibilita mais isso. >
Uma coisa é passar um ou dois dias naquele espaço apertado, onde faz muito calor. Outra coisa é ficar meses e semanas, aponta.>
Os números da IBGE também mostram a fragilidade de algumas cidades do interior do Estado. Por lá, apesar de o número de residências adensadas não ser tão expressivo, chama atenção a proporção delas. Em Sooretama, Itapemirim e Conceição da Barra, por exemplo, uma em cada cinco casas tem pelo menos três pessoas por dormitório.>
Para comparação, em Colatina, é uma em cada 10 e em Alfredo Chaves, uma em cada 20.>
É o grupo de jornalismo de dados da Rede Gazeta, que visa a qualificar e ampliar a produção de reportagens baseadas em dados. Jornalismo de dados é o processo de descobrimento, coleta, análise, filtragem e combinação de dados para contar histórias. >
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