Daniela Gurgel investiu em geleias e compotas em Laranja da Terra
Daniela Gurgel investiu em geleias e compotas em Laranja da Terra. Crédito: Acervo pessoal

As vantagens e os segredos de quem empreende no interior

Daniela e Tatiane aproveitaram os talentos com a gastronomia para inovar a agricultura familiar, enquanto Anthony apostou na culinária japonesa

Tempo de leitura: 7min
Vitória
Publicado em 24/02/2024 às 08h11

Morar e empreender no interior pode ter inúmeras vantagens. Além de uma vida mais tranquila, quem opta por abrir o próprio negócio longe dos grandes centros pode encontrar boas oportunidades ao apostar em algo inovador e que não se encontra tão facilmente na região.

O casal Daniela Gurgel e Thiago Delbone, de Laranja da Terra, município que fica na região Serrana do Espírito Santo, juntou o talento culinário dela com a propriedade rural dele. Juntos, criaram a empresa Da Terra Produtos Caseiros, que fabrica e comercializa geleias e molhos, entre outros itens.

Thiago herdou a terra do avô e, ao decidirem se casar, disse que queria morar na roça. Daniela, que é natural de São Gabriel da Palha, morava em Vitória desde criança. Ela se formou em Serviço Social e Gastronomia e atuava nas duas áreas. A mudança ocorreu em 2018.

“A nossa ideia foi viver da propriedade e ter uma vida mais tranquila. Construímos a casa no sítio que não tinha nada. Plantamos banana e na primeira colheita tivemos prejuízo, porque o valor pago pela safra foi bem menor do que esperávamos. Foi quando falei para o Thiago que não podíamos viver à mercê do preço pago pela Ceasa e precisávamos encontrar outra solução. Neste momento, sugeri fazer algo que pudesse agregar valor a essa produção”, conta Daniela.

Ela lembra que foi para a cozinha e começou a fazer banana-passa, geleia de banana, doce, entre outros quitutes. Como na região já havia muita produção do fruto e outras propriedades também fabricavam os mesmos doces, a empreendedora começou a fazer uma pesquisa contrária, começando pelo quiabo, também produzido no sítio da família. 

“Comecei a pensar no que poderia fazer para me diferenciar e no que ninguém mais fazia. Criei um quiabo em conserva, que é um dos produtos que não se encontra neste formato, e ficou super gostoso, todo mundo gostou. Pensei comigo: é isso! Vou investir em produtos que não têm em supermercados”, ressalta.

Daniela criou ainda outras receitas, como ketchup de goiaba, geleia de alho negro, geleia de cebola com bacon e barbecue de banana. Este último se tornou o item mais vendido entre os produtos, que utiliza o fruto defumado. A empresária procurou o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) para transformar a propriedade rural em uma indústria rural familiar. Quase toda a produção da empresa é feita com o que é plantado no imóvel.

Daniela acredita que o diferencial dos produtos fez com que a marca ficasse conhecida no Estado. Além disso, com a produção artesanal, os preços dos itens não competem com as grandes marcas. Para ela, empreender no interior tem muitos desafios, principalmente porque muitas pessoas acreditam que a agricultura familiar funciona como uma espécie de bico.

“As pessoas não conseguem ver o empreendedor como uma forma de progresso. A gente ouve muito que só queremos aparecer. Só eu sei o como é difícil. Empreender na roça é olhar para o seu entorno e ver o que é possível tirar daquilo. Às vezes, não consigo participar de feiras porque chove e as estradas ficam muito ruins. Cuidar de toda a produção, da logística e do administrativo, é muito difícil. Entretanto, o mais bonito do empreender é a finalização do meu produto, a realização que eu tenho é produzir algo com qualidade, com a matéria-prima que plantei”, relata.

Tatiane Gilles faz o beneficiamento do morango e prepara geleias com combinações diferenciadas. Crédito: Acervo pessoal
Tatiane Gilles faz o beneficiamento do morango e prepara geleias com combinações diferenciadas. Crédito: Acervo pessoal

A agricultura familiar sempre foi a base do Sítio Gilles, em Marechal Floriano. Na propriedade, o trabalho era voltado para a produção de hortaliças, café e milho. Há três anos, a família resolveu investir também com a plantação de morangos, como relata a empreendedora Tatiane Gilles.

“A ideia inicial foi minha e do meu esposo e a cada ano que passa a gente dobra a produção, que começou com uma estufa, para fazer um teste, já que a plantação do fruto não é forte da região. Nos surpreendemos com o resultado, melhor do que o esperado. Foi quando decidimos aumentar a produção”, comenta.

A qualidade do plantio começa nas mudas, que vêm até do exterior. Assim como fez Daniela, Tatiane decidiu fazer o beneficiamento do morango, com a transformação do fruto em geleias. Para isso, ela utiliza a adição de outros itens como manjericão, limão-siciliano, pimenta e até lavanda, esta última a mais famosa entre os produtos.

“Quando as pessoas experimentam a geleia de morango com lavanda, se espantam, pois achavam que o ingrediente é usado apenas em produtos de limpeza. Para empreender e ter sucesso, é necessário fazer algo diferente e com qualidade. Já existe muita coisa igual. Eu já tentei sair de Marechal e ir para Vitória, mas acabei retornando. A maior dificuldade de investir no próprio negócio no interior é a falta de mão de obra”, pontua.

Lívia Lima Alves e Anthony Vieira Pirola abriram o restaurante Villa 09 Gastronomia Oriental. Crédito: Acervo pessoal
Lívia Lima Alves e Anthony Vieira Pirola abriram o restaurante Villa 09 Gastronomia Oriental. Crédito: Acervo pessoal

O casal Anthony Vieira Pirola e Lívia Lima Alves viu no gosto pelo sushi uma oportunidade para investir em Jaguaré. Isso porque eles precisavam sair da cidade onde moram para saborear a tradicional comida japonesa em municípios vizinhos, como São Mateus e Linhares. Então, há cinco anos abriram o restaurante Villa 09 Gastronomia Oriental.

“Gostávamos de comer esse prato e quando decidimos investir no estabelecimento em Jaguaré as pessoas falavam que não daria certo. Em 2018, já tínhamos uma hamburgueria e abrimos o restaurante ao lado. Durante a pandemia, atendemos apenas delivery. Hoje, a casa de lanches não existe mais”, relata Pirola.

Ele conta que moradores da cidade e também do entorno frequentam o local. Além do restaurante em Jaguaré, eles promovem a noite japonesa em Vila Valério, com a parceria de estabelecimentos locais, e fazem entregas em Ecoporanga. Há pedidos para que os serviços também cheguem a Pedro Canário.

“Muitos não conhecem a culinária japonesa e ainda falta mão de obra. Também não temos concorrência, mas se tivéssemos seria legal. Recebemos pessoas de outras cidades e muitos elogios. Mesmo escondidos no interior, apostamos em um cardápio temático e estamos difundindo a culinária oriental. Temos a ideia de ter um food truck para facilitar a ida a outras cidades”, comenta.

Pirola é engenheiro civil e, quando se formou, o ramo da construção civil começou a entrar em crise, com menos oferta de vagas. Na época, o jovem soube do curso de sushi oferecido pelo Senac. Para ter experiência, o empreendedor cozinhava na casa de amigos, cobrando pouco.

“Um amigo me chamou para fazer sushi no restaurante dele, depois comecei a fazer delivery em casa e minha esposa e eu percebemos que dava certo. Não trabalhávamos no ramo, contamos com ajuda de parentes para abrir o estabelecimento”, lembra.

Segundo Pirola, o ramo exige muito estudo e, para isso, ele fez muitos cursos, inclusive em São Paulo, sempre procurando melhorar e levar qualidade para o cliente.

“É preciso evoluir, senão fica para trás. Não é fácil empreender, todo dia é um aprendizado novo. Estou sempre atento às tendências, conseguindo fazer algo diferente. Empreender no interior é movimentar o comércio local, é proporcionar experiências para que as pessoas fiquem na cidade”, ressalta.

Na opinião do diretor da Aderes, Alberto Gavini, um dos problemas das cidades do interior é o número restrito de oferta de emprego. Por isso, a abertura de novos novos negócios pode ser uma boa estratégia para quem quer inovar.

“A agricultura familiar é forte do interior e as pequenas agroindústrias têm se destacado com a abertura de lojas e serviços. O povo brasileiro é muito empreendedor, o que acaba impulsionando a vontade de investir no próprio negócio. Muitas ideias têm aproveitado os nichos de mercado, resultando em bons resultados”, comenta.

Gavini destaca que, para um negócio se consolidar, é preciso que a receita seja acima da despesa, inovação dos procedimentos, redução de custos e bom gerenciamento. Ele aponta ainda que o maior problema enfrentado pelos empreendedores do interior é a falta de qualificação.

“O primeiro passo é desenvolver as características empreendedoras, seguindo por uma preparação, ou seja, saber fazer alguma coisa e ainda ter noção de gestão. Um plano de negócios ajuda a identificar o melhor local, qual o público, capital de giro necessário, se vai precisar de crédito, entre outros pontos”, orienta. 

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