Pneumologista Margareth Dalcolmo
Pneumologista Margareth Dalcolmo
Margareth Dalcolmo

"A grande arma no combate a esta pandemia chama-se SUS"

A pneumologista capixaba e pesquisadora da Fiocruz destaca o papel do sistema público de saúde no atendimento a pacientes com o novo coronavírus (Covid-19).

Pneumologista Margareth Dalcolmo
Publicado em 20/04/2020 às 09h00
Atualizado em 20/04/2020 às 10h38

Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a pneumologista capixaba Margareth Dalcolmo tem se dedicado, desde o início da pandemia do novo coronavírus, a estudos relacionados à Covid-19 e ao enfrentamento da doença no país. Para ela, o isolamento social é a principal estratégia para conter a disseminação da doença que, no momento, está acelerada. A médica cita a cidade americana de Nova Iorque como exemplo de tragédia humanitária, com cidadãos sendo enterrados em cova rasa, e alerta: o Brasil pode ter um quadro ainda mais grave, devido ao grande número de pessoas em condições de vulnerabilidade social.  Outro problema no país é a baixa realização de testes, que não permite à população ter a real dimensão da epidemia por aqui. Nesse cenário de tantas incertezas, Margareth é categórica: o SUS é a grande arma. 

Em uma entrevista para A Gazeta em março, a senhora já tinha como projeção que o pico da Covid-19 se daria no final de abril, e esta é uma época em que também aumentam os casos de outros problemas respiratórios. Que impacto pode haver no sistema de saúde com essa conjunção de doenças?

Há um fator de sazonalidade, que é a incidência maior das viroses respiratórias no início de outono, nos meses de abril e maio, como as provocadas pelos rinovírus, adenovírus e por alguns coronavírus já velhos conhecidos por provocar síndromes gripais leves. A antecipação da vacina contra os vírus da Influenza (gripe), do ponto de vista sanitário, foi muito correta, muito oportuna, e vai permitir que a rede de saúde, que os médicos façam diagnóstico diferencial com mais facilidade naquelas pessoas que eventualmente apresentem sintomas. Há um mês, quando a epidemia eclodiu no Brasil, sabíamos que o pico epidêmico deveria se dar até o final de abril e início de maio, e isso permanece verdadeiro.  Por isso a importância das medidas de isolamento social tomadas nas grandes cidades, particularmente em São Paulo, onde, embora não tenha alcançado o desejável de 70% da população, se conseguiu uma certa suavização na curva de transmissão pelo fato de haver menos pessoas circulando. No Rio de Janeiro, não se observou o mesmo fenômeno, infelizmente. A circulação aumentada de pessoas certamente gerará um impacto no número de casos, e o aumento da demanda médica. Então, epidemiologicamente, se espera que haja uma concomitância de viroses, sobretudo nas crianças, mais suscetíveis a esse tipo de virose, e nos idosos. Mais uma vez dizemos que estas pessoas precisam estar protegidas, na medida do possível, do contato, protegidas nas suas casas, sobretudo deve-se evitar o contato de idosos com crianças porque sabemos que as crianças são portadoras assintomáticas podendo transmitir o vírus. Neste caso, estou falando especificamente de Covid-19.

No Espírito Santo, também houve uma redução no isolamento social (de 73 para 47,9%) e muitas pessoas resistentes a cumprir medidas de distanciamento. O que sua experiência aponta diante desse tipo de conduta?

Sabemos que existe impacto sobre as pessoas, sobre as famílias. Isso nós sabemos. Mas é preciso que a população entenda que não existe arma tão poderosa quanto essa - o isolamento social. A outra arma é o SUS, mas se pudermos reduzir a demanda por assistência médica será muito melhor, não há duvida. A grande arma de prevenir o contágio é manter as pessoas isoladas, evitar a circulação de pessoas. Isso é importante e temos repetido inúmeras vezes porque é preciso ficara claro que estamos passando por uma  epidemia. São apenas quatro meses, mas já aprendemos muito, aprendemos com os países que nos antecederam na epidemia e mostram que é o isolamento que faz o resultado. Eu diria que hoje o exemplo maior é o Estado de Nova Iorque, onde vão conseguir achatar a curva com o isolamento, depois que a cidade de Nova Iorque, a mais cosmopolita do mundo, se viu de joelhos diante dessa pandemia. Estão enterrando seus cidadãos em cova rasa. E posso lhe dizer que, no Brasil, a probabilidade disso acontecer é maior porque temos populações muito excluídas, e sabemos que os vetores de disseminação da doença vão para essas comunidades onde há grande aglomeração de pessoas com poucos recursos e menos acesso aos serviços de saúde.

Em março, a senhora fez uma projeção para o momento atual. E, agora, o que podemos esperar a curto e médio prazos?

Neste momento, a epidemia está em disseminação acelerada, caminhando ao pico que ainda não houve. É momento de grande disseminação da doença, de maior cautela e a maior exigência do isolamento social é agora. As estimativas de platô (estabilização do crescimento) é maio,  mas quanto tempo vai durar (até começar a cair) dependerá da condição dos serviços de saúde de suportar a demanda para que não tenhamos uma dramática mortalidade de pessoas. Sabemos que o número de pacientes curados é mais ou menos metade dos casos confirmados, pelos dados do Ministério da Saúde. Porém esse dado se baseia num denominador pequeno. Como testamos pouco nacionalmente, não sabemos exatamente como estamos.

A senhora já mencionou que, segundo epidemiologistas, a cada caso notificado, há outros 15 desconhecidos.

Sim. Por isso, o que precisamos agora é o Ministério da Saúde investir na aquisição maciça de testes. Já temos doação feita por bancos, uma produção grande pela Fiocruz, e essa estratégia de aumentar bastante a oferta de testagem, seguramente nos dará uma resposta mais eficaz sobre a real disseminação da epidemia no Brasil. 

Quando falou do SUS, a senhora se referiu ao sistema como uma grande arma. Falta valorização?

Não é uma questão de valorização. O fato é que 80% da população brasileira depende do SUS e caberá ao SUS dar resposta para isso que estamos vivendo. Os leitos de hospital de campanha são todos do SUS, a compra pesada de testes e de respiradores para ventilação mecânica dos pacientes graves é feita pelo SUS. Assim, quem vai dar a resposta para a epidemia não é a saúde suplementar apenas, que responde por 20% da assistência. A grande arma chama-se SUS porque vai atender os pacientes de baixa gravidade, testá-los e prover orientações; que vai fazer a discriminação do caso suspeito do doente; e que vai internar as pessoas graves. 

Muito se tem discutido sobre o uso da cloroquina no tratamento de pacientes graves. Qual a avaliação da senhora sobre a medicação e que outras alternativas são promissoras?

Até o momento não há nenhum tratamento que seja provado como eficaz e efetivo. Os estudos feitos até o momento mostram resposta de alguns grupos de pacientes com a utilização de anti-inflamatórios biológicos, há também em relação à infusão de plasma de pacientes curados em pacientes graves, e há estudos que estão ainda em desenvolvimento, inclusive no Brasil - da Fiocruz Manaus acaba de ser publicado - mostrando a possibilidade de utilizar a cloroquina. Porém, até o momento, nenhuma evidência é suficientemente robusta para indicarmos como uma verdade. 

Recentemente foi divulgado que, na Coreia do Sul, pessoas consideradas curadas contraíram novamente a Covid-19. O que se sabe sobre a possibilidade de reinfecção?

Existem conjecturas para isso, não sabemos nada. Não sabemos se a virose confere imunidade perene ou se pode se reinfectar. A resposta não temos até agora. O que existem são hipóteses que precisam ser demonstradas.  

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