Estudo aponta cenários críticos para a produção de café arábica e conilon ao redor do Estado
Estudo aponta cenários críticos para a produção de café arábica e conilon ao redor do Estado. Crédito: Fernando Madeira

Crise do clima pode deixar o ES sem áreas para plantio de café, aponta estudo

Pesquisa elaborada pela Universidade Estadual Paulista mostra cenários críticos para o cultivo do grão nos próximos 55 anos; nos cenários estudados, solo capixaba pode ser completamente prejudicado

Tempo de leitura: 6min
Vitória
Publicado em 04/02/2025 às 18h12

Calor extremo, escassez hídrica e falta de ações para mitigação dos impactos do agronegócio. Fatores que, ligados a mudanças climáticas, afetam diversos setores — como indústria, meio ambiente, segurança alimentar e saúde da população — e também podem atingir negativamente a produção de café no Espírito Santo, um dos polos mais importantes da economia capixaba.

Na chamada "crise do clima", cerca de 50% das áreas propícias ao cultivo do grão podem ser reduzidas no Brasil, como mostra um estudo elaborado pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). No material, pesquisadores simularam mudanças no regime de chuvas e na temperatura atmosférica para os próximos 55 anos.

Entretanto, no Espírito Santo, segundo maior produtor de café arábica e conilon do Brasil — e que chegou a decretar estado de alerta por conta da seca em 2024 — parte do território, principalmente na Região Norte, já é apontado como inadequado para o cultivo por excesso térmico.

Com base em quadros globais formulados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), os pesquisadores apontam que, em um cenário climático mais otimista, as emissões de gases e efeito estufa diminuiriam para zero por volta de 2075 e se tornariam negativas depois disso. Já no mais pessimista, as emissões não parariam até o fim do século, de modo que a temperatura média da atmosfera do planeta poderia chegar, em 2.100, a cerca de 4° C acima da atual, estimada em 14° C.

Os cenários negativos também são fonte para alertas da Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo a entidade internacional, os atuais compromissos climáticos não serão suficientes para conter o aquecimento global ou para evitar consequências catastróficas já que "ficam muito aquém de responder às necessidades para evitar que o aquecimento do planeta paralise todas as economias e destrua bilhões de vidas e meios de subsistência", como pontua Simon Stiell, secretário-executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima.

E o que isso significa para a produção capixaba?

Atualmente, a cafeicultura é a principal atividade agrícola do Espírito Santo. Exceto Vitória, todas as cidades capixabas contam com o cultivo de café, que gera cerca de 400 mil empregos diretos e indiretos em 60 mil das 90 mil propriedades agrícolas.

Responsável por 30% da produção brasileira e por 37% do Produto Interno Bruto (PIB) Agrícola do Estado, o plantio das variedades de café pode estar ameaçado se não forem adotadas metodologias adequadas de irrigação.

“O que os estudos sugerem é que o mais provável é que a área adequada para essa cultura em território brasileiro diminuia nas próximas décadas — e de forma expressiva”, aponta a Unesp.

Mapa mostra que variados pontos do país já são inaptos para o cultivo do café
Mapa mostra que variados pontos do país já estão inaptos para o cultivo de café. Crédito: Unesp

“O café é muito suscetível ao clima e pode apresentar produtividades altas ou baixas dependendo da temperatura do ar e das chuvas durante seu ciclo de produção”, explica o engenheiro-agrônomo Glauco de Souza Rolim, pesquisador do Departamento de Ciências Exatas da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp.

Se a temperatura média anual em determinada região de cultivo form menor que 15 ºC, automaticamente ela se torna inapta para a produção devido ao frio. O mesmo acontece no caso de exposição a temperaturas superiores à 30 ºC. O maior impacto pode ser observado no cultivo do café arábica, o mais produzido do Brasil e um dos mais sensíveis às variações de clima e temperatura.

As simulações apresentadas na pesquisa constataram que, no cenário mais otimista de mudança climática, o percentual de áreas aptas para a produção do café arábica no país cariria para menos da metade, indo de 8,7% para 3,7% de 2041 a 2060.

Entretanto, se levado em consideração o período de 2026 a 2080, os resultados podem ser ainda mais críticos. Sem ações de adaptação e mitigação, a área propícia para a produção de café cairia de 8,7% para 5,4% no recorte mais otimista e para 0% no cenário mais pessimista.

Plantação de café arábica no município de Pedra Menina-ES, na região do Caparaó
Plantação de café arábica no distrito de Pedra Menina, na região do Caparaó capixaba. Crédito: Roberto Barros/Divulgação

O levantamento ainda mostra que os estados de Minas Gerais, São Paulo e Paraná — três dos maiores produtores brasileiros — seriam os mais afetados. Em solo paulista, mais da metade das lavouras já se perdeu nos últimos trinta anos.

“Apenas em 2024, a Região Sudeste foi afetada por quatro ondas de calor. Os termômetros em algumas partes do Estado de Minas Gerais bateram cerca de 3 °C ou 4 °C acima do normal. As chuvas em dezembro, janeiro e fevereiro — período usual de maior precipitação — ficaram aproximadamente 10% abaixo do normal. Não por acaso, de acordo com boletim da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), as exportações de café brasileiro entre janeiro e novembro diminuíram 4,1% em comparação com o ano anterior”, divulga a Unesp.

Segundo o estudo, a maioria dos cenários climáticos indica para um aumento na temperatura média do ar, na evapotranspiração potencial e no déficit hídrico, além da diminuição na precipitação média, no armazenamento de água no solo e no excedente de água.

Alguns estudos ainda sugerem que a quantidade de dias com temperatura acima de 34°C entre os meses de setembro e outubro no Brasil vai aumentar ainda neste século. Esse é justamente o período do ano mais crítico para a produção do café no país, pois é quando acontece a floração do grão.

Glauco de Souza Rolim

Pesquisador do Departamento de Ciências Exatas da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp

"Nossos achados reforçam a importância de estratégias de adaptação para salvaguardar a produção cafeeira do Brasil nos próximos anos"

Produtores capixabas trabalham para diminuir impactos

No Espírito Santo, os efeitos das mudanças climáticas já são vistos e sentidos no dia a dia dos agricultores. Produtor de conilon na Região Norte do Estado, Pedro Paulo Colonna aponta perdas significativas no campo devido às mudanças climáticas.

"Por conta da redução nas precipitações de chuva, a insolação e a alta temperatura, tivemos uma queda de 70% a 80% da produção em 2023. E isso é visto não só na minha propriedade, mas em várias aqui da região de Nova Venécia. Converso com outros produtores e estamos todos passando pelas mesmas dificuldades", comenta o agricultor, salientando que enxerga os resultados negativos como consequência de anos de degradação no campo.

Para mudar o cenário e melhorar os resultados do plantio e da colheita, Pedro afirma que tem adotado ferramentas que promovem mais cuidado com a natureza, preservando a vegetação e promovendo o plantio de outras árvores frutíferas para integração de Sistemas Agroflorestais (SAF), onde árvores e culturas comerciais são cultivadas no mesmo espaço.

"Nesse processo, utilizamos adubação verde e plantas para a cobertura do solo com cultivos estratégicos. Além disso, há um maior cuidado com a água, com melhorias nos sistemas de irrigação para economia dos recursos hídricos. Também temos construído pequenas barragens nas propriedades para reabastecimento do lençol freático e caixas secas para evitar a erosão e a perda de solo", explica.

Pedro Paulo Colonna

Produtor de café conilon na Região Norte do Espírito Santo

"Atualmente, o foco maior é o cuidado com a terra e as plantas, para evitar o aquecimento excessivo do solo e a evaporação da água"

Programas estaduais podem mudar números negativos

Segundo Enio Bergoli, engenheiro-agrônomo e secretário de Agricultura do Espírito Santo, programas estaduais voltados para o agro capixaba podem mudar os cenários negativos apontados pelo estudo da Unesp. Entretanto, isso só é possível se for feito um trabalho coletivo nos campos do Estado.

“Os cenários futuros preocupam, mas todos os setores devem fazer o dever de casa cumprindo metas globais estabelecidas para a redução da emissão de carbono, principal vilão do aquecimento global. É importante lembrarmos que somente o setor do agro é capaz de reduzir a emissão e ‘sequestrar’ carbono. Os demais segmentos econômicos apenas podem reduzir”, pontua Enio.

Segundo o secretário, os próximos anos também apontam para inovações científicas para melhoramentos no agronegócio e para o cultivo de novas variedades de café arábica, com a possibilidade de produção em níveis mais altos de temperatura.

Enio Bergoli

Secretário de Agricultura no Espírito Santo

"Cultivos de café sombreados e com irrigação podem reduzir a temperatura ambiente e amenizar um pouco os efeitos de temperaturas mais elevadas"

Apesar disso, as mudanças climáticas, principalmente quando citada a elevação da temperatura global, não pode ser tratada com negacionismo pelos setores.

“Esse tema estará mais presente no dia a dia das pessoas e, portanto, todos nós, do urbano e do rural, devemos fazer a nossa parte”, frisa Enio.

No Espírito Santo, produtores contam com programas para mitigação e adaptação, como o Programa Capixaba de Mudanças Climáticas, através do Plano de Descarbonização e com o Plano de Adaptação, atualmente em fase de estruturação.

“Setorialmente, é aqui em terras capixabas que conduzimos o mais amplo programa de desenvolvimento sustentável da cafeicultura, dentre todas as regiões produtoras do planeta”, finaliza o secretário.

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