Publicado em 4 de julho de 2019 às 15:02
Com mais de quatro milhões de visualizações no YouTube em seis dias, jovens do Morro do Quadro, em Vitória, estão fazendo história com a própria realidade. O clipe da música "Canção Infantil" (veja o clipe abaixo), composta pelo rapper capixaba e morador da comunidade, Cesar MC, de 22 anos, tem fortes críticas sociais associadas a personagens de contos de fadas.>
"Do Morro do Quadro para o mundo" é uma das frases marcantes de Cesar, que escolheu a escola em que fez o ensino fundamental, na comunidade, o colégio Mauro Braga, para gravar o clipe que já tem mais de quatro milhões de visualizações na plataforma de vídeos. Cesar conta que sempre escreveu poemas e fez rimas, mas que participou de uma competição só em 2014 e, depois, conquistou um título nacional. >
"Na verdade, toda essa questão da poesia, da rima improvisada, dessa arte que eu faço, ela começou muito cedo na minha infância, só que era algo que eu guardava muito pra mim. Eu fazia minha poesia, entrava no ônibus e fazia rima improvisada, era uma coisa muito minha que eu não costumava mostrar pras pessoas. Somente anos depois, que eu amadureci, e em 2014 que eu fui ver pela primeira vez uma batalha (de rima improvisada) na minha frente e depois de muitas batalhas, eu cheguei ao duelo nacional de MCs">
O cantor ganhou destaque em 2017, quando venceu uma competição de rap e ganhou visibilidade de uma produtora do Rio de Janeiro, onde tem trabalhado. Cesar escreve poemas desde criança e o dom pode ser facilmente notado com a letra de "Canção Infantil", composta pelo rapper, que é profunda e emocionante, cheias de metáforas entre situações da vida real e contos de fadas.>
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PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS>
Além das crianças da comunidade, que participam com o grupo de coral no videoclipe, outras duas pessoas também são marcantes para o projeto, a cantora e estudante Cristal Lopes, que agrega a voz suave à força do rap, e o amigo de infância do cantor Gustavo Rodrigues, que ficou responsável pelo violino, um instrumento incomum no mundo do rap, mas que trouxe um toque especial à melodia.>
"Quando eu recebi o convite eu falei "será que eu consigo?", mas aí eu vi que atingiu as pessoas da forma correta, trazendo muita emoção e demonstrando que o violino pode estar na comunidade também", afirma Gustavo.>
Cristal diz se sentir honrada por poder participar de um projeto que visa mostrar e fazer sentir o que acontece nas comunidades. "A gente alcançou o intuito que era fazer todo mundo sentir o que nem sempre todo mundo vê, mas acontece bastante. É uma honra estar no meio disso, estar com as crianças. É da comunidade, é pra eles, é para o povo, para todo mundo", diz Cristal.>
REPERCUSSÃO E EMOÇÃO>
Emoção é só um dos sentimentos que a canção tem despertado em quem assiste. A violência nas comunidades também é abordada na música e as crianças que participaram o clipe viraram mensageiras do recado social transmitido pelo cantor. Elas fazem parte do coral da escola, que existe há 9 anos. A professora Luciene Pratti diz que o clipe foi a melhor forma de dar voz as crianças da comunidade, que se sentiram representadas pela letra.>
"Na verdade, o melhor disso tudo é o fato de, durante nove anos, os meninos terem cantado, buscado em outros repertórios esse grito que o Cesar na poesia dele traz. O Cesar vem e consegue trazer tudo o que a gente tenta mostrar às pessoas que estão fora de onde a gente vive", descreve a professora.>
Por fim, Cesar fala do sentimento de gratidão que sente pela forma como a música tem se propagado e feito as pessoas sentirem a realidade desigual que as comunidades sofrem. Ele afirma que não se trata de uma música apenas, mas de um grito que estava preso não só na garganta dele, mas de todos os moradores.>
"Cada vez que eu olho aqueles números (de visualização) e toda essa repercussão, eu fico em choque e muito grato de tudo o que está acontecendo. Não só pela forma que está sendo visualizado, mas pela forma que as pessoas estão sentindo. Não tinha forma mais sincera de representar um grito que vem das crianças, da comunidade, se não fizesse delas protagonista desse grito, porque não se trata só de uma música e sim de um grito, então ver esse tanto de pessoas tendo essa sensibilidade de olhar de uma forma plural, isso é o maior motivo de gratidão", descreve o rapper. >
Com informações da TV Gazeta>
LETRA DA MÚSICA>
Era uma casa não muito engraçada>
Por falta de afeto, não tinha nada>
Até tinha teto, piscina, arquiteto>
Só não deu pra comprar aquilo que faltava>
Bem estruturada, às vezes lotada>
Mas memo lotada, uma solidão>
Dizia o poeta, o que é feito de ego>
Na rua dos tolos gera frustração>
Yeah, yeah, yeah>
Hmm, hmm, hmm>
Yeah, yeah, yeah, yeah>
Hmm, hmm, hmm>
Yeah, havia outra casa, canto da quebrada>
Sem rua asfaltada, fora do padrão>
Eternit furada, pequena, apertada>
Mas se for colar tem água pro feijão>
Se o Mengão jogar, pode até parcelar>
Vai ter carne, cerveja, refri e carvão>
As moeda contada, a luz sempre cortada>
Mas fé não faltava, tinham gratidão>
Yeah, yeah, yeah>
Mas era tão perto do céu>
Yeah, yeah, yeah>
Mas era tão perto do céu>
Como era doce o sonho ali>
(Como era doce o sonho ali)>
Mesmo não tendo a melhor condição>
(Mesmo não tendo a melhor condição)>
Todos podiam dormir ali>
(Todos podiam dormir ali)>
Mesmo só tendo um velho colchão>
(Mesmo só tendo um velho colchão)>
Mas era feita com muito amor>
Mas era feita com muito amor>
A vida é uma canção infantil>
É sério>
Pensa, viu?>
Belas e feras, castelos e celas>
Princesas, Pinóquios, mocinhos e>
É, eu não sei se isso é bom ou mal>
Alguém me explica o que nesse mundo é real>
O tiroteio na escola, a camisa no varal>
O vilão que tá na história ou aquele do jornal>
Diz por que descobertas são letais?>
Os monstros se tornaram literais>
Eu brincava de polícia e ladrão um tempo atrás>
Hoje ninguém mais brinca>
Ficou realista demais>
As balas ficaram reais, perfurando a Eternit>
Brincar nós ainda quer, mas o sangue melou o pique>
O final do conto é triste quando o mal não vai embora>
O bicho papão existe, não ouse brincar lá fora, pois>
Cinco meninos foram passear>
Sem droga, flagrante, desgraça nenhuma>
A polícia engatilhou: Pá, pá, pá, pá>
Mas nenhum, nenhum deles voltaram de lá>
Foram mais de cem disparos nesse conto sem moral>
Já nem sei se era mito essa história de lobo mau>
Diretamente do fundo do caos procuro meu cais no mundo de cães>
Humanos são maus, no fundo, a maldade resulta da escolha que temos nas mãos>
Uma canção infantil, à vera>
Mas lamento, velho, aqui a bela não fica com a fera>
Também pudera, é cada um no seu espaço>
Sapatos de cristal pisam em pés descalços>
A Rapunzel é linda sim, com os dreads no terraço>
Mas se a lebre vim de Juliet, até a tartaruga aperta o passo>
Porque é sim tão difícil de explicar>
E na ciranda, cirandinha, a sirene vem me enquadrar>
Me mandando dar meia volta sem ao menos me explicar>
De Costa Barros a Guadalupe, um milhão de enredos>
Como explicar para uma criança que a segurança dá medo?>
Como explicar que oitenta tiros foi engano?>
Oitenta tiros, oitenta tiros, ah>
Carrossel de horrores, tudo te faz refém>
Motivos pra chorar, até a bailarina tem>
O início já é o fim da trilha>
Até a Alice percebeu que não era uma maravilha>
Tem algo errado com o mundo>
Não tire os olhos da ampulheta>
O ser humano, em resumo, é o câncer do planeta>
A sociedade é doentia e julga a cor, a careta>
Deus escreve planos de paz, mas também nos dá a caneta>
E nós, nós escrevemos a vida, iPhones, a fome, a seca>
Os homi, os drone, a inveja e a mágoa>
O dinheiro, a disputa, o sangue, o gatilho>
Sucrilhos, mansões, condomínios e guetos>
Tá tudo do avesso, falhamos no berço>
Nosso final feliz tem a ver com o começo>
Somente o começo, somente o começo>
Pro plantio ser livre, a colheita é o preço>
A vida é uma canção infantil, veja você mesmo>
Somos Pinóquios plantando mentiras e botando a culpa no Gepeto>
Precisamos voltar pra casa>
Onde era feita com muito amor>
Onde era feita com muito amor>
(Mesmo só tendo um velho colchão)>
Mas era feita com muito amor>
Mas era feita com muito amor>
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