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Marilyn Monroe foi estrela forjada pela violência de Hollywood, diz romancista

Marilyn Monroe foi estrela forjada pela violência de Hollywood, diz romancista

Joyce Carol Oates narra abusos da era pré-MeToo no livro 'Blonde' e lembra que as celebridades de hoje nunca serão como antes

Publicado em 12 de fevereiro de 2021 às 16:55- Atualizado Data inválida

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 "Ela contemplou seu rosto corado no espelho, não de frente, mas de perfil, com pavor de ver o desejoso rosto comum de Norma Jeane dentro do belo rosto maquiado de 'Marilyn Monroe'. Dentro dos olhos cuidadosamente pintados de 'Marilyn Monroe', os olhos famintos de Norma Jeane."

A atriz e cantora Marilyn Monroe
A atriz e cantora Marilyn Monroe. (Reprodução/Facebook Marilyn Monroe: The Immortal Goddess)

Não estranhe que o nome de Marilyn esteja escrito entre aspas, como acontece durante todo o percurso de "Blonde". O tema maior do livro de Joyce Carol Oates é a construção minuciosa desta personagem, uma das maiores celebridades do cinema americano, sobre a matéria-prima de uma garota normal, a californiana Norma Jeane Baker.

A obra premiada de 20 anos atrás é relançada agora em duas partes, tanto para marcar a estreia da autora no catálogo da HarperCollins quanto para antecipar a adaptação que a Netflix prepara com a cubana Ana de Armas no papel da loira.

O status de obra-prima do livro veio da liberdade épica com que romanceou o terrível conto de fadas da menina pobre que se afoga na opulência de Hollywood.

Curioso é que esse sistema, que forjava celebridades a ferro e fogo para que fossem empacotadas e vendidas a um público voraz, hoje, está praticamente morto, segundo a leitura de Oates.

"Nós não temos mais estrelas como nas constelações antigas", diz a escritora em entrevista. "Com as redes sociais e a democratização da cultura, o mundo pequeno e rarefeito de menos de uma dúzia de estrelas de Hollywood que bancam as grandes bilheterias não existe mais. Desconhecidos hoje podem ter milhões de seguidores no YouTube."

"Quando Thomas Jefferson disse que todos os homens são criados iguais, ele talvez estivesse antecipando o mundo das celebridades anônimas, em que qualquer um pode viralizar", brinca a autora.

CLÁSSICOS

A espontaneidade de anônimos, que agora atrai multidões em forma de cliques, contrasta com a figura que estrelaria clássicos como "O Pecado Mora ao Lado" e "Quanto Mais Quente Melhor", cuja confecção pouco teve de acidental. Aliás, o que havia de natural em Norma Jeane foi cuidadosamente sufocado.

"A beleza de Marilyn Monroe era sintética e produzida pelo estúdio, conforme ela foi se tornando mais popular", diz a autora, lembrando o ponto de virada como o longa "Os Homens Preferem as Louras". "A sua beleza natural, de garota, era considerada inadequada."

Uma cena central de "Blonde" mostra um produtor e um agente imersos num brainstorming sobre qual seria o novo nome de Norma Jeane. "Os homens me ignoraram, falando honestamente entre si como homens fazem, como se eu não estivesse ali."

As qualidades inatas de Marilyn são perceptíveis no livro, sua curiosidade perspicaz e capacidade única de se relacionar com a câmera, que deixava todos ao redor confusos sobre se estava atuando ou interpretando a si mesma. Mas Hollywood é uma máquina de moer carnes e personalidades.

É como sintetiza um depoimento anônimo do romance: "o problema dela não era que fosse uma loira burra, era que ela não era uma loira e não era burra".

A atriz e cantora Marilyn Monroe
A atriz e cantora Marilyn Monroe. (Reprodução/Facebook Marilyn Monroe: The Immortal Goddess)

Mas evoluímos, segundo Oates, para um mundo de expectativas menos padronizadas. "Hoje, mulheres e garotas são deslumbrantemente individuais, e nenhuma descrição mais consegue capturar toda a sua variedade. Devemos ter em mente que, nos Estados Unidos de antes, seria suicídio profissional sugerir que alguém era bissexual ou homossexual, como Rock Hudson. Hoje, ninguém mais se importa."

Irônico é que, segundo ela, Marilyn siga como um dos ícones mais populares no Twitter, rede social, aliás, em que a autora de 82 anos, um dos maiores nomes da literatura americana, é bastante ativa. Nesta semana, ela tuitou e retuitou furiosamente notícias sobre o processo de impeachment de Donald Trump.

Progressista que é, a escritora destaca que outro acontecimento recente guarda relação umbilical com a história de Marilyn. "O MeToo revelou que mulheres e garotas demais continuam vítimas da dominância masculina, em particular na indústria do entretenimento. Muito difícil erradicar esse machismo quando os chefes continuam majoritariamente homens."

CRUELDADE

Norma Jeane Baker, nas páginas do livro, sofre os efeitos mais perversos disso. Só no primeiro volume, há estupros e assédios por parte de figurões da indústria, uma infância marcada pelo abandono paterno e uma adolescência invadida pela incapacidade dos homens de se controlarem perto de seu corpo curvilíneo.

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Num episódio dramático, Norma Jeane é expulsa pela dona do lar que a adotara porque seu marido não conseguia parar de salivar por ela. "Se pudesse ela teria expulsado Warren aos chutes e ficado com Norma Jeane, mas é claro que não podia. É um mundo de homens e para sobreviver uma mulher precisa trair sua própria classe."

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