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"Bolsonaro veio do esgoto da história", diz Wagner Moura, que agora lança 'Marighella'

"Bolsonaro veio do esgoto da história", diz Wagner Moura, que agora lança 'Marighella'

Ator acredita que o filme, adiado diversas vezes, sofreu censura e que polêmica que o cerca diz muito sobre o Brasil atual

Publicado em 23 de outubro de 2021 às 11:01

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Seu Jorge e o diretor Wagner Moura no set de 'Marighella'
Seu Jorge e o diretor Wagner Moura no set de 'Marighella'. (Divulgação)

O caminho para lançar sua estreia na direção foi muito mais longo do que imaginou, mas Wagner Moura sente certo alívio por enfim poder levar "Marighella" aos cinemas. Marcado por adiamentos, o filme embarca numa turnê de pré-estreias pelo país nesta segunda-feira (25), e chega ao circuito no dia 4 de novembro.

Originalmente, a previsão era que ele chegasse ao público há dois anos, mas a pandemia e um imbróglio envolvendo a Ancine, a Agência Nacional do Cinema, impossibilitaram o lançamento em ao menos duas ocasiões anteriores. Segundo Moura, "Marighella" foi censurado pelo órgão por ser uma biografia de Carlos Marighella, guerrilheiro comunista que lutou contra a ditadura militar.

"As negativas da Ancine para o lançamento e, depois, o arquivamento dos nossos pedidos não têm explicação. E isso veio numa época em que o Bolsonaro falava publicamente sobre filtragem na agência", diz ele, em conversa na manhã seguinte à sua volta ao Brasil para a campanha de estreia do longa.

Com Seu Jorge na pele do guerrilheiro e escritor, "Marighella" também tem Bruno Gagliasso, Adriana Esteves e Humberto Carrão no elenco e foi exibido no Festival de Berlim de 2019, onde foi aplaudido. Nem assim ganhou força para chegar logo às salas brasileiras.

Moura acredita que a resistência que o filme encontrou, vinda também de parte do público, é sintomática dos tempos atuais, de ânimos políticos exaltados e um governo federal que com frequência ataca a cultura.

"Qualquer obra é a conjunção do que um realizador pensa e projeta com o tempo em que aquela obra é vista", diz o ator-diretor. "A polêmica de 'Marighella' é muito menos sobre o Carlos Marighella e a luta armada do que sobre o governo Bolsonaro. É um filme sobre um personagem histórico, de seu tempo; Bolsonaro que é um personagem anacrônico."

A experiência de assumir a direção pela primeira vez pode até ter sido mais desafiadora do que o normal, mas isso não abalou Moura. Ele, no entanto, ainda não tem outros projetos como diretor guardados, e deve se dedicar, nos próximos meses, a lançamentos e gravações de filmes e séries feitos no Brasil e nos Estados Unidos, como "The Gray Man", de Anthony Russo e Joe Russo, irmãos por trás de "Vingadores: Ultimato".

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    Eu tenho uma visão muito clara sobre isso e não tenho a menor dúvida de que o filme foi censurado. As negativas da Ancine para o lançamento e, depois, o arquivamento dos nossos pedidos não têm explicação. E isso veio numa época em que o Bolsonaro falava publicamente sobre filtragem na agência, que filmes como "Bruna Surfistinha" eram inadmissíveis, que não ia dar dinheiro para financiar filmes LGBT. Foi bem nessa época que os nossos pedidos de lançamento foram negados e, logo na sequência, os próprios filhos do Bolsonaro foram às redes sociais comemorar a negativa da Ancine.  É triste que um filme que tenha sido feito em 2017 até hoje não tenha estreado? É triste. Porém, hoje em dia, já está muito mais claro para os brasileiros a tragédia que é o governo Bolsonaro do que talvez em 2019, quando tentamos lançar "Marighella" pela primeira vez. Talvez, hoje, haja uma maior compreensão de que isso é um produto cultural brasileiro, que o fato de ser proibido, censurado, atacado pelo governo é um absurdo.

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    Não é censura como foi na época da ditadura, de que não vai passar e pronto, mas é uma censura que inviabiliza o lançamento de filmes por uma via burocrática. É triste, é só triste. Eu não tenho raiva, só tristeza. Eu vi muitos casos semelhantes na cultura, do Crivella surfando nessa onda no Rio, proibindo um quadrinho que tinha personagens gays, a editais que promoviam a cultura LGBT que eram inexplicavelmente cancelados. O que acontece é que a arte e a cultura são, por excelência, independentemente de como se posicionam os artistas, inimigas do fascismo. Se você vai buscar na história, todos os regimes fascistas começam por atacar artistas.

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    É lógico. Qualquer obra é a conjunção do que um realizador pensa e projeta com o tempo em que aquela obra é vista. Lá em Berlim eu disse isso, que se o filme tivesse estreado no governo Fernando Henrique Cardoso, a recepção seria uma. No governo Lula, outra. Isso é bonito, inclusive, porque é um mesmo filme, mas que depende do momento em que ele é apreciado. A polêmica de "Marighella" é muito menos sobre o Carlos Marighella e a luta armada do que sobre o governo Bolsonaro. É um filme sobre um personagem histórico, de seu tempo; Bolsonaro é que é um personagem anacrônico. Que uma obra como essa tenha passado por tanta coisa, censura, gente entrando em site para dar nota ruim sem nunca ter visto, fake news, discussão sobre o tom da pele do Seu Jorge, diz muito mais sobre o tempo em que a gente está vivendo do que sobre o filme em si.

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    Eu costumo dizer que a vitória do Bolsonaro nas eleições foi trágica, mas pedagógica. Esse cortejo de mediocridade que vem atrás dele mostra que o Bolsonaro não é um alien, não veio de Marte. Ele é um personagem profundamente conectado ao esgoto da história brasileira, que nos mostra que o Brasil não é só um país de originalidade, de beleza, de potência, de diversidade, de biodiversidade. O favor que o Bolsonaro nos fez foi revelar esse outro Brasil, que estava camuflado; foi nos mostrar que nós também somos um país autoritário, violento, racista, de uma elite escrota. O Brasil é um país que nem é mais uma piada internacional. Quando os estrangeiros vêm falar com a gente, eles falam com pena. Agora nós temos que enfrentar isso.

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    Qualquer pessoa que aceite fazer parte desse governo já é, por excelência, anticultura, anti-direitos humanos, anti-meio ambiente, antiprogressismo. Você olha para qualquer um deles e vê que são pessoas medíocres, recalcadas.

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    Eu acho que o que está em jogo, hoje, é a democracia em si. O retrocesso foi tão grande que nós temos que olhar para a saúde da democracia, independentemente de quem seja o próximo presidente do Brasil. A gente tem que derrotar esse atraso. Ok, olhamos para isso e não gostamos. Foi um encontro com as nossas raízes mais profundas, mas aprendamos com isso. Se a eleição fosse hoje, eu votaria no Lula. Eu reconheço ele, talvez, como o presidente mais importante da história do Brasil. Mas lá no primeiro mandato eu já reconhecia que nós temos que sair daqui para algo além. Do PT, a gente tem que buscar outra coisa, uma ideia de país que foi esboçada por esses governos, mas não suficientemente. Por um tempo eu achei que a Marina Silva representava esse passo adiante, mas eu ainda procuro por esse alguém, seja na figura de um partido ou de um político. Há muitos políticos que eu respeito, jovens, que podem virar esse passo adiante, mas agora o momento é de reconstrução da democracia, de políticas públicas que beneficiem a maioria. Então se a eleição fosse hoje, eu acho que eu votaria no Lula.

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