> >
Educação midiática: como formar uma geração com pensamento crítico

Educação midiática: como formar uma geração com pensamento crítico

Cientes dos riscos da 'infodemia', escolas capixabas investem em atividades que contribuem para novas habilidades, como identificar conteúdos enganosos

Publicado em 21 de setembro de 2023 às 05:10

Ícone - Tempo de Leitura 5min de leitura
Educação midiática
Com o crescimento do debate sobre desinformação, a educação midiática se faz cada vez mais necessária nas escolas. (Freepik)

Em resposta à pandemia da Covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou um alerta para aquilo que angustiava a população há anos: a “infodemia”. Esse neologismo traduz o fenômeno causado pelo grande fluxo de informações que se espalha pela internet, confundindo as pessoas sobre o que é real e o que não é. No período de emergência de saúde pública, esse cenário atrapalhou a efetividade de ações de combate ao coronavírus, justamente em razão da disseminação de orientações equivocadas sobre a doença e o seu enfrentamento.

Nesse contexto, foi possível perceber que a facilidade de acesso a conteúdos com apenas um clique não significa, necessariamente, ter discernimento para organizar as informações que chegam às pessoas. Mais do que isso, foi quando a comunidade global se deu conta de que o consumo sem filtro do que circula pelas redes pode trazer consequências graves, e até fatais, para quem recebe essas mensagens desinformativas. É aí que entra a educação midiática.

De acordo com a jornalista Daniela Machado, uma das coordenadoras do EducaMídia, programa voltado para a educação midiática do Instituto Palavra Aberta, é preciso, primeiramente, separar o que é desinformação de uma fake news.

“Enquanto a primeira trata-se de qualquer tipo de conteúdo ou prática que contribui para a disseminação de informações imprecisas, não validadas ou pouco claras; as fake news, ao longo dos últimos anos, tornaram-se um termo desgastado por ter sido usado, por muitas vezes, como uma estratégia de manipulação política”, sinaliza.

Ainda conforme explica a jornalista, no geral, a fake news imita veículos tradicionais de mídia para divulgar conteúdos enganosos. “Intencionalmente ou não, isso contribui diretamente para o afastamento das pessoas do conhecimento factual”, acrescenta.

Ela também observa que a desinformação não é necessariamente mentirosa. “Refere-se à confusão que uma informação pode causar, por exemplo, quando um título de um texto motiva inferências equivocadas do leitor ou quando o público não reconhece a diferença entre o que é notícia e o que é opinião ou sátira”, analisa.

Desse modo, na avaliação de Daniela, o primeiro passo para combater a desinformação é reconhecer a natureza do conteúdo.

Aspas de citação

“A educação midiática atua desenvolvendo competências e habilidades para que as pessoas tenham a capacidade de consumir informações de forma reflexiva e de produzir conteúdos com responsabilidade

Daniela Machado
Coordenadora do EducaMídia
Aspas de citação

Combate à  'infodemia'

Quantas mensagens, vídeos e áudios você recebeu hoje? E você sabe quem produziu esses conteúdos? Muitas informações compartilhadas nas redes sociais podem estar incompletas e, para lidar com tudo isso, o letramento midiático é um passo necessário para mudar a consciência das pessoas.

Com esse tipo de educação, qualquer pessoa pode adquirir habilidades como a leitura crítica de diferentes tipos de texto; a capacidade de interrogar de onde veio certa informação, quem e com que intenção a produziu; de analisar evidências mostradas como argumentos; saber reconhecer o que é conteúdo e o que é discurso de ódio; e distinguir a diferença entre os tipos de linguagens, por exemplo.

O professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Rafael Bellan, argumenta que, uma vez que a desinformação é cultivada para confundir, desorientar ou enganar por meio de narrativas, também é fundamental entender como os algoritmos funcionam.

“Esses mecanismos priorizam aquelas informações que possuem efeitos mais imediatos e que despertam os afetos mais rapidamente. Quanto maior o poder de viralização, maior a lucratividade das empresas de tecnologia”, explica.

Nesse cenário ainda mais perigoso nas redes sociais, na visão dele, as escolas têm um papel importantíssimo na formação do sujeito crítico. 

Aspas de citação

Sem o letramento midiático, a tendência é não só de contribuir para que o público continue desinformado, como também há o risco de todos nós sermos, em algum momento, contaminados pela ‘infodemia’

Rafael Bellan
Professor da Ufes
Aspas de citação

Leitura crítica

Com o crescimento do debate sobre desinformação, a educação midiática se faz cada vez mais necessária e cobrada nas escolas. Para garantir que as crianças, adolescentes e jovens desenvolvam, desde cedo, as habilidades de ler criticamente é fundamental que as instituições de ensino básico estejam atentas ao seu papel.

O diretor-presidente do UP Centro Educacional, professor Fábio Portela, afirma que a escola está ciente de que esse é mais um passo na formação de cidadãos mais críticos, empáticos e capazes de opinar com autonomia.

Aspas de citação

Algumas das estratégias que são transmitidas em sala de aula são refutar desinformações com a ajuda de sites especializados em checagem de fatos

Fábio Portela
Diretor-presidente do UP Centro Educacional
Aspas de citação

O professor conta que, na instituição, também é realizada análise criteriosa nessas fontes on-line para descobrir se são confiáveis, investigando tópicos como a descrição do site, a URL, as fotos e os responsáveis pelos conteúdos.

Portela também menciona que os docentes auxiliam os estudantes a verificarem a data de artigos publicados na web. “Algumas manchetes antigas e recortes descontextualizados podem remeter a uma narrativa sobre algo atual. Por isso, recomendamos a comparação da data de publicação do artigo às dos citados pela publicação falsa”, explica.

Educação midiática; fake news
A fake news imita veículos tradicionais de mídia para divulgar conteúdos enganosos. (Freepik)

Preparar os alunos para consumir informações de qualidade, distinguindo-as de comunicação rasa e até inverídica, é função preponderante da escola. Isso é o que também defende o Centro Educacional Primeiro Mundo.

A diretora pedagógica da instituição, Adriana Selga, destaca que a equipe realiza um trabalho consolidado para cumprir essa função. “Por meio do estímulo constante à leitura, ao debate de ideias e à produção de conteúdo a partir de pesquisa, investigação e experimentação, nossos estudantes tornam-se capazes de fazer análises e aferir ideias, conceitos e informações, apropriando-se deles com convicção e segurança”, frisa.

Adriana conta que essa prática é a tônica em todo o trabalho da escola. 

Aspas de citação

Estimulamos a interpretação de textos de gêneros variados, a apuração dos argumentos que sustentam as ideias apresentadas e o debate entre os alunos sobre a fundamentação e a coerência do conteúdo difundido

Adriana Selga
Diretora pedagógica do Centro Educacional Primeiro Mundo
Aspas de citação

Nesse processo, ela explica que a experimentação desempenha papel essencial. “Por meio da busca de soluções para problemas reais, utilizamos um espaço que chamamos de laboratório maker para estimular os estudantes a usarem a criatividade para comprovar teorias, produzir conhecimento e disseminar respostas fundamentadas, com a mediação dos professores”, menciona a diretora pedagógica.

Para o EducaMídia, é papel do estudante analisar os textos em qualquer formato, compreender os mecanismos de busca e produção de conteúdos, adaptar-se às diferentes ferramentas digitais, aplicar o seu conhecimento para solucionar problemas e saber produzir peças de mídia fundamentadas em uma escrita bem desenvolvida e de forma ética e responsável.

Já o educador deve explorar novas abordagens pedagógicas proporcionadas pelas tecnologias, como promover uma cultura de aprendizagem que estimule a curiosidade, usar recursos de mídia no processo de aprendizado, guiar os alunos para práticas éticas e criar experiências engajadoras que os levem a participar de debates de forma crítica.

“Tudo isso é possível quando a escola trata o letramento midiático como uma camada de ensino e aprendizagem, e não somente como uma disciplina separada no currículo”, alerta Daniela Machado. 

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais