Bolsonaro confunde diplomacia com ideologia

A mesma linha de pensamento que leva o presidente a se aproximar dos EUA é a que o guia a ameaçar uma saída do Mercosul, caso a Argentina “crie problema”. Política externa deve agir de acordo com os interesses da nação, não do mandatário da vez

Publicado em 11/12/2019 às 04h00
Atualizado em 11/12/2019 às 04h01
Ao lado de Donald Trump, presidente Jair Bolsonaro assina livro de visitas da Casa Branca. Crédito: Alan Santos/PR
Ao lado de Donald Trump, presidente Jair Bolsonaro assina livro de visitas da Casa Branca. Crédito: Alan Santos/PR

Quando o presidente dos Estados Unidos anunciou que retomaria a sobretaxa ao aço e ao alumínio do Brasil e da Argentina, em uma espécie de retaliação pela desvalorização das moedas que os dois países estariam promovendo propositadamente, muito se falou em uma “traição” de Donald Trump a Jair Bolsonaro, revelada via Twitter. Nem uma coisa nem outra corresponde à realidade.

Em primeiro lugar, números e fatos contradizem a argumentação de Trump de que o Brasil estaria influenciando o câmbio para aumentar suas exportações. Em 2019, a balança entre os dois países acumulou um superávit de US$ 1,1 bilhão para os bolsos ianques. Na verdade, não passa de um truque de ilusionismo: enquanto Trump mantém os olhos do mundo voltados para as supostas maquinações de brasileiros e argentinos, os Estados Unidos avançam mais casas em sua própria guerra comercial.

Em segundo lugar, a decisão de sobretaxar os produtos latinos não foi nenhuma infidelidade porque a relação entre Bolsonaro e Trump estava mais para um amor platônico, idealizado pelo brasileiro. Nada de concreto saiu além de uma promessa de apoio à entrada do Brasil na OCDE, o clube dos países ricos. Além disso, o líder norte-americano nunca foi conhecido pela lealdade a nenhum parceiro.

Agora mesmo, ao rejeitar um acordo proposto pelo conselho geral da Organização Mundial do Comércio, os EUA podem ser os responsáveis pela extinção do principal órgão regulador das disputas comerciais no mundo. Sem o tribunal de apelação da OMC, está instaurada a lei da selva, onde os fracos não têm vez. E o Brasil perde mais uma vez.

No mundo real, negócios são negócios, ainda mais no comércio internacional e seus frágeis acordos. Amizade não entra em campo, mas foi justamente com essa arma que Bolsonaro tentou jogar e foi com ela que também recuou. “Não é porque um amigo meu falou grosso numa situação qualquer que eu já vou dar as costas para ele”, disse, sobre a medida de Trump. Em vez de simpatia, o Brasil deve usar estratégia para não ser ainda mais espremido entre dois gigantes globais no conflito entre chineses e norte-americanos. Basta lembrar que a China foi o único país a dar lances nos dois leilões do pré-sal realizados pelo governo brasileiro no mês passado.

O problema é que atual política externa brasileira confunde alinhamento ideológico com diplomacia. A mesma linha de pensamento que leva Bolsonaro a se aproximar dos EUA é a que o guia a ameaçar uma saída do Mercosul, caso a Argentina “crie problema”. É também a mentalidade de quem abre mão da neutralidade que o Brasil sempre teve em disputas internacionais para falar de marxismo cultural na ONU ou de quem ralha com o presidente francês sobre proteção ambiental durante acertos do pacto Mercosul-UE.

Não há nada de errado em buscar uma aproximação com os Estados Unidos, em acordos biltaterais convenientes à economia brasileira. O que não dá é para assumir a postura ingênua de sentar-se ao lado dos grandes esperando que eles nunca façam sombra. O Brasil integra importantes mesas de negociação, e sua política externa deve agir de acordo com os interesses da nação, não do mandatário da vez.

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