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Pressão de investidores contra desmatamento gera alerta na equipe econômica

Pressão de investidores contra desmatamento gera alerta na equipe econômica

Um grupo de 29 investidores globais assinou nesta semana carta aberta ao Brasil, expressando preocupação sobre a política ambiental no país e sobre os direitos humanos

Publicado em 24 de junho de 2020 às 08:46

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Amazônia, Brasil
Amazônia, Brasil. (Nathalia Segato/ Unsplash)

A mais recente manifestação de investidores globais contra o desmatamento na Amazônia foi vista na equipe econômica como um alerta importante no momento em que o país precisa atrair investimentos privados para uma retomada no pós-Covid.

Um grupo de 29 investidores globais assinou nesta semana carta aberta ao Brasil, expressando preocupação sobre a política ambiental no país e sobre os direitos humanos. Juntos, eles têm US$ 3,7 trilhões em ativos administrados ao redor do mundo.

"O crescente desmatamento nos últimos anos, combinado com relatos de desmantelamento de políticas ambientais e de direitos humanos e de agências de fiscalização, estão criando incerteza generalizada sobre as condições para investir ou prestar serviços financeiros ao Brasil", escreveu o grupo.

O texto cita preocupações com o projeto de lei 2633 (antes uma medida provisória), que legaliza ocupações em áreas públicas sobretudo na Amazônia. O grupo de investidores teme o aumento de riscos para os clientes sob o ponto de vista de reputação, de operação e de regulação.

"Por isso, instamos o governo do Brasil a demonstrar um compromisso claro com a eliminação do desmatamento e a proteção dos direitos dos povos indígenas", afirma o texto.

"Políticas robustas para a redução do desmatamento e proteção dos direitos humanos são soluções-chave para gerenciar esses riscos e contribuir para mercados financeiros eficientes e sustentáveis no longo prazo", completam os investidores.

Jan Erik Saugestad, diretor da Storebrand Asset Management, grupo norueguês com US$ 80 bilhões sob gestão e signatário da carta, disse a veículos internacionais que, se não houver mudanças, o risco poderá chegar a um ponto em que a decisão será sair do país.

Entre membros da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), há entendimento que o governo precisa estar alinhado com as melhores normas e práticas internacionais para não perder recursos importantes por questões consideradas pontuais. É preciso assegurar, sobretudo, o investimento estrangeiro direto.

Segundo essa visão, o país deveria mostrar de maneira mais clara o seu comprometimento com as questões ambientais, provando que tem políticas ativas para evitar o desmatamento e comunicando que aplica um volume significativo de recursos na área.

Sem citar nomes, membros do Ministério da Economia entendem que declarações das autoridades sobre o tema são importantes porque muitas vezes costumam ser mais propagadas do que as ações tomadas efetivamente.

A carta dos investidores critica, por exemplo, as manifestações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Ele disse em reunião com o presidente Jair Bolsonaro e outros colegas de Esplanada (como o próprio Guedes) que o governo deveria aproveitar as atenções da mídia voltadas ao coronavírus para alterar a legislação ambiental.

"Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas", disse Salles na reunião de 22 de abril (cujo conteúdo foi divulgado pelo Supremo Tribunal Federal).

O próprio Bolsonaro tem posicionamento favorável à exploração da região do bioma amazônico, inclusive por meio da mineração em terras indígenas e desautorizando ações do Ibama contra madeireiros.

A preocupação dos investidores com a política do governo brasileiro é expressa enquanto Guedes planeja uma retomada da atividade após a pandemia do coronavírus por meio de investimentos, sobretudo em infraestrutura.

O entendimento é que o país precisa atrair capital privado para esse plano, já que precisa continuar em trajetória de economia com os recursos públicos considerando os sucessivos rombos primários. O próprio ajuste fiscal em curso tem como justificativa preservar a confiança dos investidores e manter os indicadores de dívidas em patamares minimamente favoráveis.

Enquanto isso, dados de Tesouro Nacional, Banco Central e B3 têm mostrado uma fuga de recursos estrangeiros do Brasil neste ano, sobretudo durante a pandemia. Os não residentes diminuíram sua participação na dívida pública interna para 9,36% em abril, a menor em mais de dez anos, e tiraram mais de R$ 60 bilhões da Bolsa neste ano.

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse neste mês que o Brasil perdeu mais capital estrangeiro durante a pandemia do que a média observada em países emergentes.

"Financiamento externo realmente não é uma variável com que podemos contar no curto prazo", disse em 1o de junho.

Essa não é a primeira vez que investidores alertam o Brasil sobre medidas na área de sustentabilidade. Em setembro de 2019, 230 fundos de investimento, que juntos administram US$ 16 trilhões (R$ 65 trilhões), pediram ao Brasil que adote medidas eficazes para proteger a floresta amazônica contra o desmatamento e as queimadas.

O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, afirmou no começo do ano que o governo recebeu manifestações de fundos globais de investimento preocupados com a situação do meio ambiente no país.

"Eles têm perguntado muito sobre meio ambiente. A depender da origem do fundo que vem conversar com a gente, eles enfatizam muito a questão. É um movimento global", afirmou Mansueto em janeiro.

Segundo ele, os fundos têm estabelecido uma série de exigências de transparência e governança para alocar seus recursos, com sinalizações de que o meio ambiente vai ser cada vez mais um tema relevante para as decisões. Como exemplo, citou a gestora de ativos BlackRock, que tem US$ 7 trilhões de ativos sob gestão.

O presidente da BlackRock, Laurence Fink, anunciou neste ano aos clientes uma série de iniciativas para posicionar a sustentabilidade no centro da estratégia de investimento da companhia. Entre as ações programadas, estão fazer do tema uma parte integrante da construção do portfólio e desinvestir em ativos com alto risco de sustentabilidade.

Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério da Economia afirmou que defende a busca pela adoção de melhores práticas regulatórias e combate a práticas econômicas ilegais.

"Tais compromissos constam, inclusive, de nossas prioridades na área econômica internacional, como a acessão à OCDE e a negociação de acordos comerciais", afirma a pasta, em nota.

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