Publicado em 8 de junho de 2020 às 08:48
O final de semana foi marcado pela decisão do governo Jair Bolsonaro de divulgar apenas parcialmente as informações sobre os mortos pelo novo coronavírus. >
Já no espectro econômico, dados sobre atividade econômica, emprego, contas públicas e taxas de juros têm apresentado distorções, ainda que não de forma deliberada.>
O motivo é a mudança radical no cenário econômico provocada pela pandemia.>
A Folha de S.Paulo analisou estatísticas referentes aos meses de março, abril e início de maio já divulgadas e ouviu especialistas que mostram como será necessário mudar a forma de interpretar alguns desses números nos próximos meses.>
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Apesar do aumento do risco de crédito e da dificuldade de acesso de empresas de menor porte a empréstimos, as taxas nas principais linhas para pessoas jurídicas recuaram em abril, segundo dados do Banco Central.>
Houve queda tanto no custo de captação dos bancos, influenciado pela redução da taxa básica, como no spread bancário, diferença entre a taxa que os bancos pagam para captar recursos e a que é cobrada nos empréstimos. O spread pode refletir, por exemplo, medidas anunciadas pelo governo para aliviar o custo do crédito.>
Além disso, a taxa divulgada se refere às operações efetivamente realizadas e houve mudança no perfil de quem contratou crédito, com participação maior de grandes empresas - que oferecem menos risco de calote e tem juros menores. Dados da Febraban (federação dos bancos) mostram que as grandes empresas ficaram com 74% do crédito a pessoas jurídicas de 16 de março a 8 de maio.>
Outro número que ajuda a entender o fenômeno é o Indicador de Facilidade de Acesso ao Crédito extraído das Sondagens Empresariais do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da FGV). Ele começou a despencar em fevereiro e atingiu em abril o menor valor desde junho de 2016, com ligeira recuperação em maio.>
"O governo está tentando aumentar o crédito, o cenário de Selic está favorável e a gente esperava ver um aumento das concessões, mas as empresas estão reclamando", afirma a economista do FGV Ibre Renata de Mello Franco.>
A crise também mudou a maneira de se observar os dados do mercado de trabalho. Pelo IBGE, só são considerados desocupados trabalhadores que procuraram emprego nos 30 dias anteriores ao período da pesquisa e que estavam disponíveis para trabalhar naquela mesma semana.>
O distanciamento social e o fechamento temporário de empresas e serviços não essenciais fazem com que muitas pessoas não possam buscar trabalho e não estejam disponíveis imediatamente.>
Por isso, especialistas avaliam que a estatística mais relevante nos próximos meses será o nível de ocupação e da força de trabalho.>
Os dados mais recentes mostram que 4,9 milhões de brasileiros deixaram de trabalhar no trimestre encerrado em abril em relação aos três meses encerrados em janeiro.>
Desses, 900 mil procuraram trabalho, ou seja, engrossaram a estatística do desemprego, cuja taxa chegou a 12,6%.>
Os outros 4 milhões são pessoas que ficaram sem ocupação e que não procuraram emprego no período da pesquisa.>
Outro fator que segurou o desemprego é a possibilidade de suspensão de contratos e redução de jornada durante a pandemia -8,1 milhões de trabalhadores foram incluídos nesse programa.>
"O programa de redução de jornada é muito potente. Por causa desse programa, o nosso desemprego não vai crescer na mesma intensidade vista nos EUA. Eles saíram de uma taxa de 4% para 14% em um mês", afirma a economista Margarida Gutierrez, professora de Macroeconomia do Coppead/UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).>
Em um momento de mudanças rápidas no cenário econômico e elevada incerteza, a defasagem na divulgação dos dados aumenta a importância da análise de indicadores antecedentes. Entre eles estão sondagens e índices de confiança de empresários e consumidores, risco-país, juros futuros e câmbio.>
"Os indicadores de nível de atividade hoje são de menor relevância. O PIB está olhando para trás, a gente já sabe que ele vai cair. O problema está em visualizar uma possibilidade de recuperação, o que depende principalmente da questão da saúde", afirma Gutierrez.>
A redução na taxa Selic pelo Banco Central, para 3% ao ano, por exemplo, não é necessariamente um sinal de que a economia terá um forte impulso, segundo ela, que destaca a importância de se olhar toda a curva de juros.>
"Quando os juros futuros começam a subir, mesmo com a Selic caindo, significa que isso não vai surtir o efeito esperado no custo de crédito.">
O professor João Luiz Mascolo, do Insper, afirma que os primeiros indicadores a sinalizar uma melhora no ambiente econômico devem ser os mercado financeiro, como Bolsa, juros e taxa de câmbio, seguidos pelos dados de atividade, como as pesquisas mensais do IBGE. Ele avalia que os indicadores de confiança vão demorar mais a se recuperar.>
"O empresário não vai dizer que está confiante antes de ver uma melhora de fato.">
Outra questão sensível são as contas públicas. As divulgações mais recentes do Tesouro Nacional mostraram queda na dívida mobiliária, mas esse dado trata apenas de títulos públicos e a queda está relacionada à dificuldade do governo em encontrar compradores para os papéis e a uma onda de resgates antecipados por investidores.>
O indicador mais importante para o endividamento do país continua sendo a dívida bruta, que deve ultrapassar 90% do PIB neste ano. O patamar recorde, no entanto, também deve ser relativizado, pois todos os países estão se endividando para tentar manter suas economias funcionando durante a pandemia.>
Para analistas, o fundamental será manter esses gastos sob controle e evitar um aumento forte dos juros, dois fatores que limitariam o crescimento da dívida nos próximos anos.>
Também é importante garantir que o país volte a crescer para que a relação entre dívida e PIB possa voltar a cair e gerar superávits para reduzir o endividamento.>
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