Publicado em 21 de maio de 2023 às 15:41
BRASÍLIA - O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda mudar as regras dos concursos públicos para incorporar instrumentos adicionais de avaliação dos candidatos e permitir o uso da tecnologia em algumas fases ou em todo o processo seletivo.>
A avaliação do Executivo é que isso pode melhorar o acesso dos candidatos, ampliar a concorrência, dar segurança jurídica e permitir ao governo selecionar com maior efetividade seus funcionários.>
A intenção é apoiar a discussão de um projeto de lei já aprovado pela Câmara dos Deputados e que aguarda apreciação do Senado Federal. O tema tem sido tratado em reuniões internas no Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos e integra uma lista de ações que a pasta pretende colocar em marcha nos próximos meses e que inclui uma nova lei de cotas em concursos públicos.>
A proposta em tramitação contempla boa parte dos objetivos do governo. Ela busca validar práticas hoje já adotadas nas seleções, mas que são alvo constante de questionamentos na Justiça, e amplia os instrumentos à disposição da administração pública para selecionar seus novos membros.>
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Se aprovadas, as regras valerão apenas para novas seleções. O intuito é que as diretrizes sejam aplicadas para União, estados e municípios.>
O texto do projeto ainda pode sofrer modificações, mas sua versão atual permite avaliar os candidatos por seus conhecimentos, suas habilidades e suas competências. O requisito mínimo de realizar uma prova (escrita, objetiva, dissertativa ou oral) permanece, como já ocorre hoje, mas a comissão responsável pelo concurso poderá exigir outras etapas.>
Na avaliação de habilidades, será possível medir a aptidão intelectual ou física para a execução de atividades do cargo, o que inclui testes físicos, elaboração de documentos e simulação de tarefas próprias do posto.>
Na avaliação de competências, a ideia é analisar aspectos comportamentais por meio de entrevista, avaliação psicológica, exame de higidez mental ou teste psicotécnico.>
A relação das etapas empregadas no processo de seleção será uma decisão da comissão organizadora e precisará ser comunicada de forma transparente aos candidatos.>
Outro dispositivo prevê que o concurso poderá ser realizado "total ou parcialmente" a distância, de forma online ou em plataforma eletrônica, com acesso individual seguro e em ambiente controlado, desde que garantida a igualdade de acesso.>
O efetivo uso da tecnologia ainda dependeria de regulamentação, que pode ser geral para cada esfera de governo ou específica por órgão. As regras precisam passar por consulta pública prévia e seguir padrões de segurança da informação. O uso ou não das ferramentas será uma escolha dos realizadores.>
Segundo integrantes do governo, ainda não há hoje um modelo de sucesso estabelecido para a realização de provas a distância, com garantia de segurança para o candidato e para a administração pública, mas o intuito do Executivo é criar uma lei abrangente, que permita o uso da tecnologia no futuro caso a possibilidade se mostre viável.>
Um membro do governo afirma que a legislação brasileira precisa estar preparada, uma vez que a evolução tecnológica tem sido veloz, e em pouco tempo pode surgir uma maneira segura de aplicar uma prova de forma remota sem risco de fraudes.>
O ganho para a administração pública não seria necessariamente financeiro. O emprego de tecnologia para a realização de provas exige investimentos vultosos. O Enem Digital, por exemplo, foi descontinuado devido à baixa procura dos estudantes e ao custo elevado. Mas sua realização, ainda que tímida, é considerada um paradigma de que a transformação é possível.>
Para o governo, a principal vantagem de realizar etapas online é ampliar a concorrência. O diagnóstico é que a administração pública pode estar prescindindo de mão de obra qualificada ou de um funcionário vocacionado para o serviço público porque essas pessoas não têm como arcar com os custos de deslocamento, hospedagem e alimentação para se submeterem às seleções. Isso cria uma espécie de barreira prévia.>
Mesmo que a tecnologia seja usada apenas em algumas etapas, isso já seria um ganho em relação ao modelo atual, que obriga o candidato de fora a se deslocar repetidas vezes à medida que avança de fase no processo de seleção.>
Para especialistas, a lei, se aprovada, será um avanço importante, mas a implementação das tecnologias pode se mostrar desafiadora na prática, sobretudo num país desigual como o Brasil.>
"As mudanças são bem-vindas, sobretudo neste momento de avanço tecnológico, mas também é uma coisa que temos que ter atenção. Há municípios que não estão totalmente informatizados, alguns são mais analógicos", diz o presidente do Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado), Rudinei Marques.>
Na avaliação do advogado Eduardo Martins, especializado em concursos públicos no escritório Schiefler Advocacia, a proposta pode modernizar os processos de seleção. Ele, no entanto, faz ressalvas quanto à segurança da operação.>
"É realmente difícil garantir que a pessoa que está executando uma prova seja exatamente aquela inscrita no concurso público. Deve haver alguma fiscalização, talvez presencial, que garanta que a pessoa é quem diz ser", afirma.>
O advogado Marcelo Figueiredo, presidente da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas, diz que o texto deve assegurar a privacidade dos candidatos e condições igualitárias no processo como um todo.>
"O candidato precisa ser avaliado de forma privada. Pode fazer uma entrevista virtualmente, desde que tenha mecanismos que garantam que esse processo seja indevassável. Não pode ter uma terceira parte participando. E precisa ter um mecanismo informático que garanta que não tenha um hacker ajudando o candidato", afirma.>
Caso o processo não seja de fato seguro, o emprego da ferramenta poderia inclusive ampliar a judicialização, em um efeito colateral contrário ao pretendido pelo governo.>
Em relação aos demais aspectos da lei, o presidente do Fonacate diz que o Brasil precisa de uma lei geral para uniformizar as regras para os concursos públicos, hoje bastante fragmentadas. "Agora, o que seria importante é uma lei geral, que obrigasse também estados e municípios", diz.>
A versão atual da proposta libera estados e municípios para elaborarem normativos próprios para preencher os cargos locais. Na época da tramitação, um parecer da Câmara argumentou a necessidade de respeitar a autonomia federativa. Para Marques, isso não faz sentido, dado que os governos regionais concentram o maior contingente de servidores e cargos.>
Para o advogado Eduardo Martins, o melhor seria tentar conciliar algum grau de autonomia para estados e municípios adaptarem as regras às suas peculiaridades com a necessária segurança jurídica aos processos de seleção.>
"O ideal seria encontrar um meio-termo, que estados e municípios pudessem legislar sobre isso, mas que também tenham diretrizes gerais mínimas, uma legislação que traga um norte e um pouco mais de segurança", diz.>
Apesar dos avanços, Figueiredo é cético quanto à capacidade de uma lei sobre concursos derrubar o índice de judicialização. Segundo ele, há etapas que envolvem subjetividade na avaliação, o que deve seguir alimentando questionamentos.>
O projeto tenta afastar algumas brechas que hoje são alvo de intenso embate na Justiça, como os casos de discriminação. O texto veda de forma expressa qualquer diferenciação de candidatos com base em idade, sexo, estado civil, condição física, deficiência, etnia, naturalidade, proveniência ou local de origem.>
O texto contém um dispositivo considerado um trunfo pelo governo, para o caso de as disputas judiciais perdurarem. O projeto diz que um juiz ou órgão de controle precisa considerar a realidade dos fatos na hora de analisar um pedido de impugnação de prova ou critério previsto no edital, não só a interpretação abstrata das normas jurídicas.>
Na prática, a proposta tenta balizar a atuação do Judiciário para que ele considere também as consequências de cada decisão e preveja alternativas e soluções, caso a impugnação ou suspensão do processo seja de fato necessária.>
ENTENDA OS PRINCIPAIS PONTOS DO PROJETO>
Formas de avaliação>
O candidato é avaliado por seus conhecimentos, suas habilidades e suas competências. O texto lista diferentes testes que podem ser usados para medir essas capacidades:>
O texto também consolida uma prática hoje já aplicada por algumas carreiras e que pode ser estendida: a realização de cursos de formação, de caráter eliminatório ou classificatório, com o objetivo de introduzir os candidatos nas atividades do órgão.>
Uso de tecnologia>
O projeto autoriza o uso de ferramentas online ou plataformas eletrônicas para a realização de parte ou todo o concurso público. Os detalhes ainda dependeriam de regulamentação, mas alguns requisitos mínimos já seriam fixados:>
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