Publicado em 28 de fevereiro de 2021 às 14:59
- Atualizado há 5 anos
A demora na entrega e a alta de preços de materiais estão obrigando empresas de diversos setores a colocar o pé no freio e conter o ritmo de produção. Em alguns casos, a estratégia visa aguardar um reequilíbrio da cadeia produtiva. Em outros, há a necessidade de reduzir prejuízos. >
A situação se arrasta desde 2020, quando a cadeia de suprimentos reduziu drasticamente a produção temendo queda na demanda. A desmobilização da indústria - fornos siderúrgicos chegaram a ser desligados - nos primeiros meses de pandemia acabou desequilibrando as cadeias produtivos em diversas áreas.>
Além disso, o câmbio valorizado favoreceu as exportações, reduzindo a disponibilidade no mercado interno.>
A indústria esperava normalização em 2021, mas essa expectativa vem sendo frustrada, dizem empresários.>
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Na construção civil, cronogramas de obras estão sendo revistos até semanalmente devido à dificuldade de insumos. O incorporador Bruno Sindona conta que, em dois empreendimentos já em andamento, foi necessário mudar as fases da execução para compensar atrasos na entrega.>
Os principais problemas do empresário são os prazos e a disponibilidade de aço - e essa dificuldade, diz ele, pode ser medida pelas planilhas de orçamentos. "Nosso mapa de cotação está cheio de buracos.">
A entrega de cimento, diz ele, começa a se reequilibrar. Há alguns dias, ele conseguiu comprar barras de ferro que precisava e, por isso, as obras estão andando. As contratações de operários, porém, precisaram ser reduzidas.>
"Tenho um obra que, neste momento, era para estar com 120 funcionários, mas estou com 74, porque não vou ter material para esse pessoal trabalhar", afirma.>
Com o ritmo menor de trabalho agora, o empresário prevê que custos maiores deverão aparecer em alguns meses, mesmo quando a situação do abastecimento se normalizar.>
"Vou ter que acelerar para compensar. Em vez de contratar 120 funcionários, vou precisar de 150.">
A pressão da alta de preços é maior sobre empreendimentos do programa habitacional Casa Verde e Amarela, o antigo Minha Casa Minha Vida.>
Concreto e ferro, diz Odair Senra, presidente do Sinduscon-SP (Sindicato da Construção Civil do Estado de São Paulo), são grande parte do custo dessas obras, nas quais os incorporadores ganham mais com a escala, ou seja, o número de unidades vendidas.>
Por lei, os contratos fechados pelos compradores são reajustados pelo INCC (Índice Nacional de Custos da Construção), em uma tentativa de compensar custos maiores. Não é o que vem acontecendo, porém. Em 12 meses até janeiro, o índice calculado pela FGV (Fundação Getulio Vargas) está em 9,39%.>
Para Senra, os efeitos das altas no mercado chegam com defasagem ao índice. "Já temos notícia de alta de 34% no aço em janeiro, e outro de 30% em março. Vai desequilibrar todas as obras. Os custos vão se exceder em 10%, 15%.">
Na habitação popular, qualquer repasse de custos, mesmo que previsto em contrato, aumenta o risco de inadimplência, diz Walter Melillo Jr, diretor da CNL Empreendimentos. "Em um imóvel de R$ 200 mil, se repassar R$ 2.000 para o comprador, você vai ter problema", afirma.>
Melillo tem hoje um projeto em fase de aprovação. "Se estivesse pronto para lançar, eu certamente seguraria.">
No último trimestre de 2020, o volume de lançamentos e de vendas de empreendimentos do segmento popular representou menos da metade do total pela primeira vez em três anos. Segundo a Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), o recuo é efeito do custo maior de construção maior e põe o Casa Verde e Amarela em risco.>
A câmara da indústria vem tendo reuniões no Ministério do Desenvolvimento Regional para, segundo o presidente da Cbic, José Carlos Martins, sensibilizar o governo na busca por uma solução, que pode vir das cotas de importação (no caso do aço) e da flexibilização do teto do Casa Verde e Amarela, hoje em R$ 270 mil.>
Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo da Aço Brasil, diz que a entidade não comenta valores, mas defende que o setor siderúrgico está pressionado pelo aquecimento nas negociações de commodities, que encareceu as matérias-primas do setor, como sucata, gusa e minério de ferro.>
"É importante deixar claro que não há um movimento especulativo no mercado. As matérias-primas estratégicas estão mais caras", diz. Segundo ele, o nível de fornecimento de aço ultrapassou, em junho, o que era vendido antes da pandemia. Eventuais atrasos podem vir de distribuidoras, às quais recorrem empresas menores, sem escala para a compra direta nas usinas.>
O setor cimenteiro também não fala de preços ou da relação entre fabricantes e clientes. Em nota, o Snic (Sindicato Nacional da Indústria do Cimento) afirma estar sofrendo com alta nos custos de insumos, como coque de petróleo.>
Em 2020, o setor vendeu 60,8 milhões de toneladas de cimento vendidas, alta de 10,9% sobre 2019.>
Para quem depende de caixas de papelão para distribuir mercadoria, começar o ano com o estoque em dia exigiu um esforço de negociação, conta o produtor rural Carlos Sussumu Suyama, da Faop (Fruticultores Associados do Oeste Paulista). "Estávamos nos programando desde novembro, porque sabíamos que ia ter problema", diz.>
Ainda assim, o fornecedor chegou a ameaçar que só entregaria em fevereiro o que deveria chegar aos produtores em janeiro. "Não perdemos mercadoria, mas foi uma batalha danada, muitos telefonemas, muita pressão.">
Dos R$ 2,40 pagos antes da pandemia, o último lote de 60 mil caixas custou à Faop R$ 3,60 por unidade. Produtores da região, segundo a federação, chegaram a decidir por atrasar a colheita de algumas culturas por considerar que o preço não compensaria o custo das caixas.>
A alternativa tem sido a venda local, sem envio a entrepostos.>
A Empapel (Associação Brasileira de Embalagens em Papel) diz ter registrado, até janeiro, sete meses seguidos de crescimento em vendas e em produção. O balanço de janeiro a dezembro de 2020 aponta um crescimento de 5,9%.>
Na Mazurky, fábrica de caixas de papelão de São Bernardo do Campo (ABC Paulista), a solução encontrada foi a importação de insumo de Israel, Egito e Estados Unidos. O custo é 20% maior, mas a empresa diz que essa foi a solução para cumprir prazos e manter o maquinário em operação.>
A associação do setor diz que dificuldades no abastecimento de papelão ondulado persistem com a alta da demanda, puxada pelas vendas do ecommerce e entrega de refeições prontas. Os prazos de entrega, que hoje ultrapassam 30 dias, só deverão cair a partir do segundo trimestre.>
Na indústria de carnes, os prejuízos acumulados pelos frigoríficos têm levado à paralisação temporária de abates. A questão, para esses, não é esperar preços ou condições melhores, mas estancar a sangria do caixa, diz o presidente da Abrafrigo, Paulo Mustefaga.>
Nos 12 meses até fevereiro, o preço do boi gordo subiu 53%, enquanto a carcaça, que é a carne com osso negociada no atacado, teve o preço reajustado em 42%. Com essa defasagem, só não está estrangulado o frigorífico que exporta e que, por isso, fatura em dólar. Segundo a Abrafrigo, porém, 75% da produção brasileira fica no mercado interno.>
Há um um ano, diz Mustefaga, a venda da carne dava à indústria um lucro de R$ 190 por boi de 16 arrobas. Hoje, essa operação deixa R$ 134 de prejuízo.>
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