Publicado em 5 de julho de 2020 às 19:19
A educação pública, que sempre sofreu com a falta de dinheiro, agora preocupa prefeitos em todo o País, que não conseguem gastar os recursos carimbados para o setor. Com o fechamento das escolas durante a pandemia de covid-19 e a falta de uma previsão clara para o retorno das aulas, muitas prefeituras já admitem que não vão conseguir gastar o mínimo constitucional em Educação em 2020. Por isso, os prefeitos querem convencer o governo e o Congresso Nacional a flexibilizarem o piso da Educação agora, antes que o debate político caia nas eleições municipais - adiadas para novembro. >
A Constituição obriga os municípios a desembolsarem pelo menos 25% de suas receitas - seja por arrecadação própria ou por transferências da União - na Educação. Por isso, para autorizar prefeituras a não atingirem o mínimo do gasto na área é preciso votar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que exige a aprovação em dois turnos nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com pelo menos três quintos dos votos dos parlamentares.>
Sabendo da dificuldade política em se aprovar qualquer salvo conduto para aplicar menos dinheiro em uma das áreas mais valorizadas pela população, tanto a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) quando a Federação Nacional dos Prefeitos (FNP) já procuraram o governo federal e os líderes no Congresso Nacional para mostrarem a necessidade da medida.>
A CNM prepara um levantamento com o número de prefeituras em dificuldades. Já o prefeito de Campinas (SP) e presidente da FNP, Jonas Donizette, garante que praticamente todos os municípios estão com execução abaixo do mínimo na Educação. Segundo ele, a média de gasto na área em 2020 está entre 22% e 25%.>
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"Em Campinas estamos com um porcentual de 24%. Ou seja, não é muita diferença para o mínimo constitucional, e o tribunal de contas pode até relevar considerando o contexto atual. Mas o julgador das contas do município lá na frente, daqui a dois ou três anos, pode não ter a boa vontade de avaliar assim. Além disso, essa diferença de 1% em um orçamento de R$ 6 bilhões (de Campinas) é um dinheiro que faz falta na Saúde", afirma o prefeito de Campinas.>
A alternativa defendida pelos prefeitos é antecipar a unificação dos pisos constitucionais de Educação (25%) e Saúde (15%, no caso das prefeituras). Esse já é um dos pontos da PEC do novo pacto federativo, que foi enviada pelo governo ao Congresso Nacional em novembro do ano passado, mas que não tem previsão para ser votada. Com a unificação, os municípios passariam a ter que gastar 40% de suas receitas nas duas áreas, possibilitando que recursos que deixem de ser usados nas escolas possam reforçar o atendimento dos hospitais.>
"O mínimo para Saúde é de 15% das receitas, mas hoje quase todos os municípios estão investindo de 25% a 30% dos seus recursos na área. A Saúde está sendo muito mais demandada. É possível cumprir os pisos com folga se os porcentuais forem unificados", avalia Donizette. "O que defendemos é o envio de uma PEC em separado apenas com esse ponto do novo pacto, para ser votada no âmbito das medidas da pandemia, com validade pelo menos para este ano", completa.>
Os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP), já foram procurados pelos prefeitos para tratar do tema. Segundo o Estadão / Broadcast apurou, a proposta enfrentaria uma resistência maior entre os senadores. A equipe econômica também prefere discutir a PEC do novo pacto de maneira integral, embora não haja uma data para isso.>
Para o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, a possibilidade de flexibilizar o cumprimento de uma regra de gastos só deveria ser debatida caso fique constatado que o problema atinge a vasta maioria das prefeituras.>
"Não seria adequado fazer uma mudança na Constituição para resolver situações particulares. É preciso justificar a proposta pela quantidade de municípios afetados", avalia. "Revisar o mínimo para Saúde e Educação é uma discussão antiga, de antes da pandemia e o pacto federativo vai endereçar esse problema para o futuro. Agora, também não há garantia de que ele será votado neste ano", completou o diretor executivo do IIF.>
As dificuldades de prefeituras em cumprir o mínimo constitucional em Educação revelam problemas estruturais que são anteriores à própria pandemia, na avaliação do diretor de estratégia política da organização não governamental Todos pela Educação, João Marcelo Borges. Para o especialista, isso também seria um indicativo de que as medidas recomendadas no atendimento aos alunos durante essa fase também não estariam sendo seguidas.>
"Quem não gastar o mínimo de 25% com Educação em 2020 provavelmente é um município que não estruturou serviços de educação remota. A merenda distribuída nas casas é mais cara do que na escola, os serviços de ensino remotos têm outro custo, e ainda há o custo para as adaptações nas escolas para protocolos sanitários no retorno às aulas. Tudo isso em um contexto de queda na arrecadação, que deveria tornar mais fácil o cumprimento do mínimo", avalia.>
Borges lembra que uma média de 80% dos gastos das prefeituras com educação é para o pagamento dos salários dos professores. "A folha de salários pesa mais em municípios menores. Se estão gastando menos que no ano passado, pode ser outro problema estrutural que é a contratação de professores temporários. E se dispensaram esses temporários na pandemia, é mais um indicativo de deficiência na educação remota.">
Para o diretor da Todos pela Educação, é provável que a contabilidade dos gastos na área neste ano precise mesmo ser debatida entre municípios e tribunais de contas, já que a prorrogação do calendário escolar com reposições de aulas avançando sobre 2021 pode causar dúvidas sobre, por exemplo, a inscrição de restos a pagar para o próximo exercício.>
Ainda assim, Borges também defende uma revisão da regra do mínimo constitucional, mas não como uma solução para o cumprimento meramente de uma norma contábil. "A discussão sobre mínimo constitucional no Brasil é de um reducionismo tacanho. Se quiser fazer uma discussão séria sobre isso, é preciso pensar em gradações. Em vez de pensar em vincular ao mínimo, pensar em índices de desenvolvimento educacional. Quando melhor o desempenho dos alunos, maior a liberdade do orçamento." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.>
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