Publicado em 9 de outubro de 2020 às 17:45
O analista de planejamento financeiro Diego Martines, 25, costumava consumir todo seu crédito de vale-refeição antes mesmo do mês acabar. Isso o obrigava a gastar uma parte do salário para complementar o benefício para refeição.>
Um levantamento feiro pela CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas) e pelo SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) do início de 2019 aponta que 52% dos consumidores costumava estourar o valor mensal que recebia do benefício.>
Com a pandemia, a situação se inverteu. No caso do analista financeiro, além do distanciamento social e do home office que o deixaram longe dos restaurantes, o receio do contágio fez com que ele, inicialmente, evitasse pedir comida em casa, levando a uma poupança forçada do benefício.>
"Até então nunca sobrava dinheiro [no vale-refeição]. Quando começou a pandemia, fiquei uns dois meses quase sem usar o cartão, chegando a guardar uns R$ 500", diz Martines.>
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O relato do analista não é um caso isolado. Brasileiros acumularam créditos do benefício durante a pandemia, segundo dados de algumas das empresas que trabalham com cartões e tickets de vale-refeição.>
"Antes da doença, já havia um comportamento, por 10% dos usuários do cartão, de economizar o crédito. Com o distanciamento esse número subiu porque houve uma poupança involuntária", afirma Willian Tadeu Gil, diretor de relações institucionais da Sodexo.>
Enquanto os brasileiros permaneciam firmes nas quarentenas, a empresa, nos meses de maio e junho, percebeu que 24% dos usuários acumulavam algum crédito do benefício.>
Além de ter aumentado o número de brasileiros com dinheiro represado no cartão, também ocorreu uma alta na mediana do valor guardado. No período anterior ao distanciamento, o montante poupado girava em torno de R$ 50, enquanto entre os meses de maio e junho, a mediana subiu para R$ 97.>
Outra grande empresa que administra o benefício é a Alelo. A companhia não divulga dados específicos sobre o acúmulo de créditos nos cartões, mas junto à Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) divulga mensalmente um índice sobre o consumo em restaurantes por meio do vale-refeição.>
O ICR (Índice de Consumo em Restaurantes) mede tanto o valor total gasto pelos consumidores, o volume de transações e o número de estabelecimentos que recebeu o pagamento via vale. Os três recortes apresentaram em abril deste ano os números mais baixos da série, que teve início em janeiro de 2018.>
Em relação aos valores pagos (o recorte que melhor pode indicar represamento dos benefícios), o índice em base 100 caiu de 78,6 pontos em março para 49,5 em abril. Desde então, o número vem subindo gradativamente e atingiu 72,5 pontos em agosto.>
Entre janeiro de 2018 e dezembro de 2019, o ICR para valores gastos nunca ficou abaixo de 93,2 pontos.>
A VR Benefícios diz em nota que no caso do vale-refeição "houve um acúmulo de saldo pontual no mês de maio". Nos meses seguintes, a empresa afirma que os números voltaram ao patamar pré-pandemia.>
Já a Ticket foi a única das grandes marcas a não perceber o movimento de acúmulo. Segundo a diretora de produtos da empresa, Adriana Serra, até há um contingente pequeno de usuários que costuma guardar parte do benefício, mas esse número se manteve estável durante o período da pandemia.>
"Não vimos uma mudança na quantidade de usuários com esse tipo de comportamento", afirma. "Pessoas que acumulavam continuaram guardando, talvez até um pouco mais, mas nesse caso é um comportamento que independe da siutação em que vivemos.">
O acúmulo do benefício observado pelas marcas ocorreu principalmente no ápice do distanciamento social, no início da pandemia. Isso se explica pela forma como o mercado de trabalho se comportou, pela flexibilização da quarentena ao longo dos meses e pelo uso crescente do benefício em aplicativos de entrega de comida.>
No caso do mercado de trabalho, Daniel Duque, pesquisador do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), da FGV, afirma que a pandemia impactou inicialmente os trabalhadores do setor informal, que não têm benefícios, como vale-refeição.>
"Esse crédito está atrelado a uma refeição feita em restaurantes próximos ao local de trabalho. Quem se manteve empregado, recebendo o valor, acabou não usando o vale porque cozinhou em casa e também porque muitos estabelecimentos ficaram inicialmente fechados por conta da pandemia", diz.>
Duque afirma, no entanto, que agora o mercado informal já deixa de cair, enquanto os celetistas continuam impactados, o que pode explicar o fim da poupança do benefício.>
"Está ocorrendo esse movimento de perda de empregos formais, que vai influenciar aqueles que perderam emprego a gastar o benefício, sem reposição. Mas também há o movimento de volta de serviços de refeição.">
Esse retorno de consumidores aos restaurantes é reflexo também da flexibilização da quarentena, como mostra levantamento da Sodexo. Dados de julho e agosto apontam uma migração de refeições em restaurantes localizados em centros empresariais para estabelecimentos mais próximos de residências.>
O comportamento, segundo a empresa, foi verificado em 23 capitais do país, e em algumas o crescimento chegou a ultrapassar 100%. Em Cuiabá, por exemplo, houve uma alta de 276% no consumo entre os restaurantes de bairros residenciais, enquanto em centros comerciais houve uma queda de 46%.>
Na capital paulista, houve avanço de 36% no consumo entre os principais restaurantes de bairros residenciais. Já nos de bairros comerciais, houve, em média, uma queda de 61% no consumo. Enquanto as refeições caíram 78% na Vila Olímpia, na Vila Mascote saltaram 67%.>
Junto desses movimentos, há ainda o uso crescente de aplicativo na compra em restaurantes. O Uber Eats, por exemplo, aceita o Ticket Restaurante desde dezembro do ano passado e, de março a setembro, a marca registrou um crescimento de 600% no uso do benefício como forma de pagamento no app.>
Já o iFood passou a permitir o uso de vale-refeição Alelo, Sodexo, VR e Ticket em abril deste ano. A empresa não informa o percentual ou o crescimento dos pagamentos com o benefício, mas afirma que hoje 36,5 mil restaurantes aceitam o vale pelo app. A companhia também lançou em julho o iFood Refeição, um vale digital da própria marca para empresas e trabalhadores.>
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