Publicado em 20 de novembro de 2019 às 12:35
WASHINGTON E SP - Funcionários da BR Distribuidora relatam que sofrem pressão para aderir a um programa de demissão voluntária. Segundo eles, a empresa afirma que os funcionários hoje ganham mais que a média do mercado e que quem decidir ficar poderá ser demitido ou ter remuneração reduzida. A companhia, recém-privatizada, não informa qual deve ser o tamanho no corte do rendimento.>
O chamado PDO (Plano de Desligamento Optativo) foi lançado pela distribuidora no dia 12 de novembro com prazo inicial para adesão dos funcionários até esta terça-feira (19). Depois de problemas técnicos da empresa, o prazo foi estendido para 21 de novembro.>
Nesta terça-feira (19), a juíza Gabriela Cavalcanti, da 67ª Vara do Trabalho do Rio, concedeu uma decisão liminar que suspende o prazo de inscrição do programa.>
O plano faz parte de uma reestruturação das operações da BR após a privatização e, segundo o Sitramico (sindicato da categoria), tem por objetivo achatar os salários. >
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Os empregados afirmam que há pressão da direção atual para que os funcionários concursados, que têm salários maiores, saiam da empresa. >
Procurada, a BR Distribuidora afirmou em nota que, "como empresa privada, busca constantemente a trabalhar com as melhores práticas e alto padrão de qualidade, totalmente alinhada aos interesses de seus acionistas". A companhia não informou quantos funcionários deseja demitir e acrescentou que "algumas informações estratégicas são reservadas". >
A BR Distribuidora deixou de ser uma subsidiária da Petrobras após uma venda de ações em Bolsa, concluída em julho. A empresa deixou de ter um controlador, mas a Petrobras ainda é a acionista com maior fatia da empresa, 41,25%. >
Em comunicados aos seus cerca de 3.000 empregados, a BR disse que poderá encerrar o PDO antes do prazo se atingir sua meta de demissões, não revelada. O Sitramico estima que 1.000 pessoas já tenham aderido ao plano. >
A distribuidora também tem afirmado que os salários atualmente pagos pela distribuidora são, em média, entre 30% e 40% maiores que os do mercado.>
O presidente da empresa, Rafael Grisolia, disse em teleconferência aos funcionários que eles só saberão se terão lugar na nova estrutura da empresa após o prazo de adesão ao PDO. Afirmou ainda que poderá haver demissões após o plano e que quem permanecer na empresa deverá ter sua remuneração adequada aos patamares de mercado. >
Em uma das palestras que deu para explicar o PDO, Grisolia foi questionado se quem trabalha na BR saberá qual será sua nova função a tempo de decidir se optará pelo PDO. O áudio foi obtido pela reportagem.>
"Não. (...) Eu estou te fazendo algumas propostas aqui. A BR é privada, já dei uma indicação que as faixas salariais estão 30% a 40% acima, então teu salário a mercado está muito alto. A gente está fazendo outra visão, vai ter remuneração mais variável, vai ter metas, gente cobrando (...). Só queria deixar muito claro que o que a gente vier a oferecer não vai ser o que é hoje, porque hoje não é mercado. (...) Faz uma reflexão primeiro se você se imagina nessa BR e nessa situação, não é muito difícil", disse o presidente da BR. >
Em sua fala, Grisolia afirmou também que o novo organograma da BR extingue cargos e que os convites para profissionais que vão ocupar posições de chefia na nova estrutura começaram a ser feitos. >
Antes da reestruturação, a empresa teve lucro líquido de R$ 2,11 bilhões nos nove primeiros meses deste ano, 33% a mais do que o registrado no mesmo período de 2018. >
A reportagem ouviu sete funcionários de diferentes áreas e que atuam em regiões diferentes do país. Desses, apenas dois decidiram permanecer na BR. Seus nomes neste texto são fictícios para preservar suas identidades.>
Bruna trabalha na área administrativa e diz que a adesão tem sido massiva devido ao medo dos funcionários de serem demitidos imediatamente após o PDO, caso não optem pelo plano. >
Nesse caso, os demitidos não teriam os benefícios oferecidos pelo plano, como uma indenização de 75% de salário mensal por ano trabalhado. >
A funcionária, que vai sair da BR, diz que o clima de trabalho nos últimos dias é de tensão e choro. >
Ela afirma que os últimos planos de demissão voluntária foram direcionados a um grupo específico de funcionários como os aposentados, e que sempre deram meses para os profissionais aderirem. O PDO, ao contrário, deu nove dias de prazo e é voltado a todos os empregados.>
Francisco trabalha na BR há pouco mais de cinco anos e decidiu não aderir ao programa. Para ele, as condições oferecidas no PDO são uma forma de terrorismo com os funcionários, que precisam tomar uma decisão em pouco tempo, sem saber o quanto vão ganhar, nem se serão escolhidos para alguma equipe ou demitidos. >
Carolina faz parte da área comercial da empresa e acredita que, com a adesão massiva ao PDO, há o risco de acontecer um apagão de mão de obra na BR. Segundo ela, a maioria decidiu se desligar em algumas equipes da área comercial, por exemplo. >
Roberto, que tem um cargo de coordenação na BR, decidiu sair. Segundo ele, pessoas que hoje ocupam cargos de liderança estão sendo convidadas, sob a condição de manter confidencialidade, a assumir postos similares com salários menores. >
A redução salarial, segundo ele, começou a ser proposta a cargos que exigem ensino superior e ganham mais de duas vezes o teto da Previdência Social (R$ 11.679). Essa negociação individual passou a ser permitida pela reforma trabalhista.>
Para outros casos, os funcionários e o Sitramico (sindicato da categoria) do Rio de Janeiro dizem temer que a BR Distribuidora busque eliminar complementos e gratificações que hoje compõem a remuneração mensal dos funcionários da empresa. >
Hoje, os empregados da BR recebem mensalmente um salário-base e um complemento chamado RMNR (remuneração mínima por nível em regime), concedido à época em que a BR ainda era uma subsidiária da Petrobras para equiparar os salários da distribuidora com os pagos na petroleira. >
Esse complemento pode chegar a representar hoje 60% salário recebido pelos trabalhadores da BR, de acordo com funcionários. Segundo o Sitramico, a RMNR constitui, em média, 40% do valor pago mensalmente aos funcionários. >
"A BR abandonou as negociações do novo acordo coletivo com o sindicato. O acordo feito com a empresa que estava vigente até setembro não previa redução de salário, mas a convenção coletiva da categoria permite [nos casos previstos pela reforma trabalhista] e, por isso, a empresa quer segui-la", afirma Lígia Deslandes, presidente do Sitramico do Rio de Janeiro. >
Para Deslandes, o PDO é ilegal e tem como objetivo reduzir salários e pressionar os funcionários concursados da BR a saírem da empresa. O sindicato entrou na Justiça com uma ação em que pede a anulação do plano e denunciou o PDO ao Ministério Público do Trabalho. A Justiça concedeu uma liminar que suspende as inscrições até que o caso seja julgado. >
A BR afirma que segue a legislação ao fazer o PDO. >
Em outros estados, sindicatos da categoria têm usado a mesma estratégia da entidade fluminense. No Rio Grande do Sul, o Sitramico gaúcho conseguiu na última segunda-feira (18) uma decisão liminar que suspende o PDO no estado por 30 dias para quem ainda não aderiu.>
"Os PDVs ou PDOs não podem ser usados como mecanismo de pressão para forçar demissões. Se isso acontece, é ilegal e os funcionários podem entrar na Justiça com uma ação coletiva que questiona o plano", afirma Antônio Rodrigues de Freitas Junior, professor da Faculdade de Direito da USP.>
"A empresa também não pode abusar do direito de fazer um PDV com o intuito de trocar sua mão de obra atual por trabalhadores de salários mais baixos. Em geral, toda convenção coletiva barra esse mecanismo", diz Freitas. >
Além disso, segundo ele, também não caberia exclusivamente à BR escolher se cumpre um acordo coletivo, modalidade negociada por uma única empresa com os sindicatos, ou uma convenção coletiva, negociada entre o sindicato patronal de um determinado setor com os sindicatos de trabalhadores do segmento.>
"Não é uma decisão apenas da empresa, nem apenas dos sindicatos ou da Justiça. Se já existe um acordo coletivo em negociação, o mais usual é que as mudanças sejam pactuadas no âmbito do acordo".>
BR diz que programa vai ajustar a força de trabalho da companhia>
Procurada, a BR Distribuidora afirma que o programa de demissão é para ajustar a força de trabalho da companhia "por meio de uma solução estruturada e com as melhores opções para os colaboradores". Disse ainda que "o processo ainda está em curso e algumas informações estratégicas são reservadas".>
"A BR hoje como empresa privada busca constantemente a trabalhar com as melhores práticas e alto padrão de qualidade, totalmente alinhada aos interesses de seus acionistas", escreveu a companhia em nota.>
A empresa diz ter lançado o programa de demissão no dia 8 de novembro. "A inscrição é voluntária para todos os empregados com contrato de trabalho vigente, independentemente do tempo de companhia, e poderá ser feita até 21/11", acrescentou. >
A BR afirma ainda que o programa de incentivos para a adesão ao programa oferece benefícios "acima das práticas de mercado" e que segue a "legislação vigente".>
A companhia não comentou as declarações do presidente, Rafael Grisolia, sobre reduções de salários e de demissões após o PDO.>
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