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Publicado em 19 de novembro de 2021 às 01:25
O musical “Rent” é um dos mais bem-sucedidos e influentes espetáculos da Broadway. A história de um grupo de jovens artistas vivendo em Nova York às voltas com sexo, drogas e com a epidemia de Aids estreou oficialmente em 25 de janeiro de 1996 e permaneceu em cartaz até 7 de setembro de 2008. Johnathan Larson, roteirista e compositor de “Rent”, não viveu para ver o sucesso de sua peça, ele morreu subitamente um dia antes da estreia em decorrência de uma dissecção aórtica provavelmente causada pela Síndrome de Marfan. >
Antes de “Rent”, porém, Larson teve um sucesso off-Broadway com o autobiográfico monólogo de rock “Tick, Tick… BOOM”, a jornada de um jovem autor de musicais que, às vésperas de completar 30 anos, ainda não conseguiu emplacar nenhum texto. Mesmo sendo encenada mundo afora, inclusive no Brasil, o espetáculo ainda não é tão conhecido quanto “Rent”, pelo menos até agora.>
Dirigido por Lin-Manuel Miranda e escrito por Steven Levenson, responsáveis respectivamente por “Hamilton” e “Dear Evan Hansen”, “Tick, Tick… BOOM” chega à Netflix nesta sexta-feira (19) - a gigante do streaming pagou alto pelos disputados direitos do filme antes mesmo do início de sua produção.>
Quando o filme tem início, somos introduzidos a Jon (Andrew Garfield) uma semana antes de seu aniversário de 30 anos. Uma imagem de qualidade de VHS o mostra em um monólogo, com um microfone na mão, explicando sua angústia com a idade. Conhecemos também o futuro de Jon antes de conhecermos aquele “presente”. “Tudo o que você está prestes a ver é verdadeiro, exceto os papéis que Johnatan inventou”, diz o texto, momentos antes de o protagonista se sentar ao piano para o real início do filme.>
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“Tick, Tick… BOOM” faz a interessante escolha narrativa de utilizar o espetáculo montado por Larson como fio condutor e reimaginar as histórias contadas por ele em um formato que mistura a narrativa convencional de um drama a interpretações de canções do musical - o filme deixa claro que estamos diante de uma história contada, com todos seus exageros e fantasias. Essa escolha, aliada à opção da peça original de retratar uma semana da vida de seu protagonista, afasta o filme das cinebiografias tradicionais e de algumas de suas armadilhas.>
O início da narrativa parece um pouco acelerada, jogando o espectador no mundo de Jonathan sem preparo algum, mas assim que “30/90”, a canção de abertura, começa a ser interpretada, o filme conquista sua audiência. É fácil perceber que Jonathan está falando sobre a sua jornada em “Tick, Tick… BOOM”, mas todos os temas sobre os quais ele falaria em “Rent”, anos depois, já estão presentes em sua vida.>
A estreia de Lin-Manuel Miranda na direção é um recorte biográfico feito com admiração - Larson é uma das principais influências de Miranda na arte de criar espetáculos autorais e ainda assim de grande apelo pop. Assim, o filme é sobre Larson, o gênio criativo que resolve seus conflitos com carisma e talento, mas é também sobre o fazer artístico, as pressões de um mercado em que muito dinheiro circula em fórmulas pré-estabelecidas. >
É interessante perceber que “Tick, Tick… BOOM” foge das já citadas fórmulas e entrega um texto sem grandes antagonistas e com a vida como o grande conflito, o que chega a ser um paradoxo diante da paixão de Larson por ela. Seria fácil entregar ao roteiro com um crítico de teatro ou um produtor caricato impedindo o sucesso do protagonista, mas o filme é mais sobre as decisões que devem ser tomadas e como elas transformam a história de cada um.>
O ritmo sempre acelerado oferece um filme ágil, mas também atropela algumas viradas dramáticas da trama, que parecem ser utilizadas como pontos de viradas mesmo que elas nem sempre tenham a ver com o protagonista. É quando lembramos também que “Tick, Tick… BOOM” é uma viagem ao ego de seu criador, uma obra sobre ele mesmo. A ausência de respiros mostra a inexperiência de Miranda na direção nos momentos não musicais do filme; quando a música ganha a tela, porém, o filme é impecável. Vale ressaltar que "Tick, Tick... BOOM" é tão "musical" quanto "Bohemian Rhapsody", por exemplo, não sendo sustentado pela narrativa toda em canções, como o ótimo "Um Bairro de Nova York".>
Andrew Garfield impressiona como Johnatan Larson independente de qualquer semelhança física entre os dois. Sem experiência como cantor, o ator se sai bem cantando e demonstra uma entrega física e a intensidade que vêm se tornando uma marca em sua carreira. Garfield é perfeito quando seu interpretado caminha entre o burnout e a necessidade de criar, quase com um desespero em seus olhos, mas também com o brilho de que uma ideia pode surgir a qualquer instante.>
“Tick, Tick… BOOM” é um musical que pode funcionar para quem não curte musicais. O filme é uma história de amor à arte e a jornada de um gênio em busca de reconhecimento para seu talento, mas é também um drama sobre uma figura interessante. Andrew Garfield tem uma atuação espetacular alternando entre o tom dos números musicais e da narrativa dramática com naturalidade, conectando as duas “histórias” do filme e dando peso à narrativa que separaria “um escritor que serve meses” de um “garçom com um hobby de escrever”.>
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