Crítico de cinema e apaixonado por cultura pop, Rafael Braz é Jornalista de A Gazeta desde 2008. Além disso é colunista de cultura, comentarista da Rádio CBN Vitória e comanda semanalmente o quadro Em Cartaz

“Missão: Impossível: Acerto de Contas” mostra que ainda se faz  CINEMA

“Missão Impossível: Acerto de Contas”, ou apenas "Missão: Impossível 7", tem humor, tensão e ação absurda em um filme que ensina uma marca a se manter relevante no cinema

Vitória
Publicado em 10/07/2023 às 22h18
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Filme "Missão: Impossível: Acerto de Contas". Crédito: Paramount Pictures/Divulgação

A série de filmes “Missão: Impossível” talvez seja a última dos grandes blockbusters do verão americano a realmente se importar com o cinema. Desde o primeiro filme, um suspense de espionagem dirigido por Brian de Palma em 1996, Ethan Hunt (Tom Cruise) já passeou pelo cinema de ação em forma bruta, com John Woo, em 2000, e entrou numa crescente de aventuras cada vez mais impossíveis. Nomes como J. J. Abrams (“Star Trek”) e Brad Bird (“Os Incríveis”) passaram pelos excelentes terceiro e quarto filmes da série, respectivamente, mas Tom Cruise parece ter encontrado um parceiro mesmo em Christopher McQuarrie.

Roteirista que havia trabalhado com Cruise em “Operação Valquíria”, “Jack Reacher” e em “Missão: Impossível: Protocolo Fantasma”, McQuarrie assumiu o comando da série de filmes em “Missão: Impossível: Nação Secreta”, o quinto filme da saga de Hunt, e eles nunca mais se separaram – é de McQuarrie, inclusive, o roteiro de “Top Gun: Maverick”. O cineasta parece entender os desejos grandiosos de Cruise e, principalmente, dar um jeito para que o ator os realize, o que fica muito claro em “Missão: Impossível: Acerto de Contas”, ou simplesmente “Missão: Impossível 7”, a primeira parte do que deve ser o fim das aventuras de Ethan Hunt.

“Acerto de Contas” segue a estrutura iniciada em “Operação Fallout” e busca se conectar com momentos dos outros filmes, uma tentativa de fechar ciclos, e desamarrar nós, mas nunca apela para a nostalgia barata de filmes como “Flash”, por exemplo. O filme tem início em um submarino russo em uma sequência que introduz o McGuffin da vez, uma poderosa inteligência artificial, A Entidade – quem a tiver sob controle terá poder sobre todas as nações do mundo.

O risco da IA cair em mãos erradas é tamanho que Hunt não confia nem nos EUA para o controle da ameaça. Assim, ele reúne sua turma e parte em missão solo para conseguir as chaves que supostamente controlariam a Entidade. O roteiro é esperto ao trazer de volta o chefe da inteligência Eugene Kittridge (Henry Czerny), personagem do primeiro filme, para trazer também o clima de espionagem. Ainda, o texto é muito inteligente ao introduzir o antagonista Gabriel (Esai Morales) como se já o conhecêssemos – com flashbacks bem utilizados, o “Acerto de Contas” usa o personagem para se conectar com o passado de Hunt e, assim, criar um arco imediato para o protagonista.

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Sim, Tom Cruise fez isso em "Missão: Impossível: Acerto de Contas". Crédito: Paramount Pictures/Divulgação

Outra nova personagem é Grace (Hayley Atwell), uma ladra recrutada para roubar a mesma chave buscada por Hunt. Lógico que os caminhos dos dois se cruzam em uma relação inicialmente conflituosa, mas que se transforma com o tempo. Grace não tem noção exata do perigo em que se colocou e precisa de Hunt e da IMF (Impossible: Mission Force) para sobreviver. O resultado dos dois juntos é ótimo e é muito interessante como o texto lida com uma ladra talentosa, mas uma pessoa não treinada para aquilo tudo, como a ótima cena da perseguição em Roma deixa claro. Todo o elenco, na verdade, funciona bem, mas alguns têm mais destaque, como Paris (Pom Klementieff) e o trio da IMF, Luther Stickle (Ving Rhames), Benji Dunn (Simon Pegg) e Ilsa Faust (Rebecca Ferguson).

“Missão: Impossível: Acerto de Contas” é muito bem pensado, construído e conduzido para se apresentar como algo distinto do que se faz hoje no cinema. A computação gráfica é usada em detalhes, e não como muleta ou na concepção de cenários. Basta comparar duas sequências similares de filmes com orçamentos similares, a que abre “Indiana Jones e a Relíquia do Destino” e a que fecha “Acerto de Contas”. A cena do filme estrelado por Harrison Ford é escura e até meio vergonhosa, pouco entendemos o que acontece quando Indiana Jones está em cima do trem, mas no novo “Missão: Impossível” tudo é empolgante, com senso de perigo, e real (clique aqui pra ver como tudo foi feito).

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Filme "Missão: Impossível: Acerto de Contas". Crédito: Paramount Pictures/Divulgação

McQuarrie, Cruise e toda a equipe de produção demonstram total ciência da expectativa do público com o filme. A tão falada (e mostrada) cena na qual o ator salta de um penhasco dirigindo uma moto e abre um paraquedas é guardada como um clímax mesmo já tendo sido, de certa forma, revelada. A tensão é crescente quando a cena se aproxima, pois o público sabe para onde Cruise está indo e o que terá que fazer, mas Ethan Hunt não sabe. Da mesma forma, a edição de Eddie Hamilton (“Top Gun: Maverick”) entende perfeitamente a sensação de perigo desejada por McQuarrie e necessária ao filme. Em várias sequências de ação, Hamilton não utiliza trilha sonora, não manipula os sentidos do espectador, que “vive” aquele momento ao lado dos personagens, ouvindo o que eles ouvem.

Há significados no novo filme, um embate entre humanos e uma inteligência artificial, uma mensagem de Cruise à indústria, mas, 27 anos após sua estreia nos cinemas, “Missão: Impossível” se permanece relevante graças ao desejo de Tom Cruise de sempre ir além e pela paixão do ator pelo cinema. Mesmo sendo a primeira parte de uma história, “Acerto de Contas” entende a experiência do cinema e oferece um filme que se encerra de maneira satisfatória enquanto já prepara sua conclusão.

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Filme "Missão: Impossível: Acerto de Contas". Crédito: Paramount Pictures/Divulgação

Ambicioso e grandioso mesmo sem grandes complexidades textuais, “Missão Impossível: Acerto de Contas” mostra que o cinema ainda pode ser CINEMA, sem filmes infantilizados, sustentados por pura nostalgia e produzidos como em uma linha de produção ou em uma empresa de fast food, todos iguais.

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